Em meio à comoção com a morte do bebê Theo, por complicações no parto no Hospital Dom João Becker, teclados metralharam como ‘denúncia’ no Grande Tribunal das Redes Sociais cláusula do contrato da Prefeitura com a Santa Casa de Misericórdia.
O que superar 30% em cesáreas rende multa ao único hospital que atende pelo SUS em Gravataí. A cada 10 partos, o ‘limite’ é de três cirurgias. Entre 30% e 35%, a mantenedora paga R$ 4,5 mil por parto excedente; de 35% a 40%, R$ 9 mil; 40% igual a R$ 13,5 mil e “assim consecutivamente”, conforme o contrato assinado este ano.
A cláusula já é alvo da CPI aberta para o caso, cujas repercussões tratei em artigos como CPIs sobre hospital de Gravataí tem assinaturas necessárias; uma já abre terça, Santa Casa de Gravataí na mira de CPI, convocação de diretor e audiência pública; dor de mãe é mais que voto, Mãe que perde bebê em hospital sempre tem razão; é preciso respostas e Alô, Dr. Pasa: bebê morto e parto no saguão? Câmara tem que convocar diretor da Santa Casa de Gravataí.
Fui dar uma estudada e comento, com todo cuidado de primar pela técnica, sem o contágio da política ou oportunismo eleitoral sobre a dor do casal Jeniffer Gabriela de Lima, 22 anos, e Marcel Paulo Peçanha, 34 anos, em um universo de quase 2 mil partos realizados no hospital só no ano passado.
Uso de fontes sob condição de anonimato, pedido de técnicos até que o caso do menino natimorto seja esclarecido pela sindicância aberta pela Santa Casa, sob supervisão da Prefeitura, e a investigação pela 1ª Delegacia de Polícia Civil, além da fiscalização do Ministério Público.
Mas, ao fim, também vou opinar, porque vislumbro um elemento polêmico nessa política de saúde radical sobre o dilema parto normal-cesárea.
Vamos às informações.
O índice está dentro da matriz contratual indicada pela Secretaria da Saúde do Estado e o Ministério da Saúde, com base em orientação da Organização Mundial da Saúde. É parte da política de incentivar partos normais, por serem mais benéficos para mães e recém nascidos.
O índice de cesáreas no HJDB foi de 37% em 2019. Outro 1,6% foi em UTI. O restante, parto normal.
Para efeitos de comparação, a ‘meta’ do novo contrato, 30%, é próxima à firmada pela Santa Casa e o Hospital da PUC com a Prefeitura de Porto Alegre. Já Canoas não prevê multas.
Além da questão da saúde de mães e crianças, o incentivo ao parto normal busca evitar nacionalmente que não se crie uma indústria de cesáreas e anestesias nos hospitais da rede pública.
A construção das cláusulas foi conduzida por 12 meses por grupos de técnicos da Prefeitura e da Santa Casa, tanto que o hospital operou por quatro meses sem contrato assinado com a Prefeitura, que aumentou em R$ 10 milhões os repasses, chegando a R$ 40 milhões, e cobra aumento no corpo clínico, e também no número de cirurgias, atendimentos, exames e leitos pelo SUS, dentro da filantropia da mantenedora.
Há três profissionais em medicina e dois em enfermagem, com especialização em auditoria, concursados pela Prefeitura de Gravataí e que analisam documentos e fazem incursões surpresa no hospital para fiscalizar o cumprimento do contrato.
Assim, entendo que é preciso cuidado para não transformar o Becker em um ‘açougue’ no imaginário de quem usa o SUS – porque é o único de Gravataí, e referência regional não só em obstetrícia, mas cardio, traumato, oftalmologia e etc. – e muito menos estabelecer afirmativamente uma ligação entre a morte do bebê e a ‘meta’ de partos normais.
Até porque, comprovada uma coisa dessas, estaríamos diante de um escândalo nacional, do qual os envolvidos talvez restassem presos.
Ou alguém acredita que um médico, percebendo o risco, não vai encaminhar uma grávida para cesariana somente porque tem que cumprir uma meta firmada por gestores do contrato?
Alguém imagina um gestor do hospital orientando médicos a colocar em risco a vida de mães e crianças para que a Santa Casa não gaste em cesarianas o que é um ‘troco’ frente ao contrato milionário?
Não dá para esquecer que médicos e enfermeiros envolvidos no parto do menino Theo, caso comprovado erro individual, ou da equipe, podem ser indiciados por homicídio culposo no inquérito policial.
A Prefeitura deve ser manifestar sobre a polêmica.
Ao fim, reafirmo o apelo dos últimos dois artigos, aos políticos e aspirantes, para que, neste clima de ‘médico bom é médico morto’, ou ‘hospital-matadouro’, que é metralhado por teclados no ‘Grande Tribunal das Redes Sociais’, não sejam oportunistas ou incendiários da revolta; e, com responsabilidade, busquem mais respostas do que caça-cliques nas redes sociais.
O tamanho da dor de uma família que perde um filho é incomparável a votos.
Já, caso provado que a ‘meta’ influencia a decisão técnica que deve tomar um médico frente à vida ou morte, ingênuo sou eu.
Para finalizar, como favorável ao direito das mulheres decidirem por realizar aborto, defendo que as mães deveriam ter direito sobre o próprio corpo, e escolher entre parto normal ou cesárea.
Mas essa é só uma opinião, filosofia. Quem sabe da saúde são os técnicos. Da medicina, não das redes sociais.