Ao primeiro olhar, quem nota o sorriso tímido pode até se enganar. As respostas curtas e a voz baixa também causam a impressão de se estar diante de uma típica pré-adolescente. Mas basta ela começar a cantar que o jeito encabulado desaparece. O timbre é intenso, cheio de convicção, e não deixa dúvidas de que a pequena Thalia Macedo sabe aonde quer chegar.
Vê-la cantar é assistir a uma verdadeira transformação. As mãos, antes estáticas junto ao corpo, riscam no ar a emoção da melodia. Os olhos não fogem mais da interação e buscam contato. O corpo franzino, de apenas 1,47m de altura, parece se agigantar. Assim, imersa na interpretação da melodia, nem parece que ela tem apenas 11 anos.
– Quando eu canto, me sinto livre, é meu momento de relaxar. Quem fica nervosa é minha mãe – garante a menina.
Assim, surpreendendo com a voz, Thalia viveu neste domingo (8) um dos momentos mais marcantes de sua ainda breve carreira como intérprete – e por que não, deste carnaval. O sol raiava no Porto Seco quando a menina puxou o canto de introdução ao samba-enredo da Bambas da Orgia – e levantou o público. Foi uma largada e tanto, já que a escola sagrou-se campeã da Série Ouro de 2020 em Porto Alegre.
Momento de pura emoção, que começou a se concretizar ainda no ano passado. Thalia participou de um concurso de sambas-enredo junto com um tio. Não venceram, mas ela recebeu o convite do presidente da Bambas, mestre Nilton Pereira, para cantar as boas-vindas à escola na passarela da Capital.
– Foi um ano ensaiando com o Wilson Ney (cantor e compositor, diretor de Harmonia Musical da Bambas) e meu professor de canto. Aprendi muito, e tudo deu certo – resume a jovem ao rever o desempenho do dia anterior em vídeo armazenado em um smartphone.
– Foi coisa de gente grande! – exalta a mãe, Joice Fontoura, que lembra outro significado importante do domingo: ver a filha cantar em pleno 8 de março.
– Música é empoderamento. A arte significa muito para quem mora nas periferias, às vezes é o único caminho – completa Joice.
Vocação de família
A vida pacata da família de Thalia se mistura com a arte. O pai, Cláudio Macedo é ligado ao carnaval, a irmã, Lyssa, 20, se dedica à dança. Já a mãe brinca que “nasceu com dois pés esquerdos”, um eufemismo para justificar por que prefere apenas acompanhar o talento da prole.
Thalia se divide entre os estudos – cursa o sétimo ano do ensino fundamental -, as aulas de canto e o lazer. No pátio da casa em que vive, na Morada do Vale I, brinca com a Poodle Dolly, a Boxer Hera e o labrador Zeus e anda de Hoverboard (uma espécie de skate elétrico com duas rodas). Mas passa a maior parte do tempo livre com um microfone e uma caixa de som, presentes que escolheu a dedo há quatro anos para “treinar músicas nacionais internacionais”.
O interesse pela música surgiu aos cinco anos. Nesta época, dublava canções de filmes da Disney. Mas quando recebeu o convite de amigos para entoar um hino gospel em um casamento de amigos da família, o que era para ser descontração virou papo sério. As aulas de canto começaram e seguem até hoje – duas vezes por semana.
De lá para cá, a inspiração mudou. Thalia, que tem o mesmo nome de uma famosa cantora e atriz mexicana – apenas coincidência, segundo a mãe – tem como ídolo a norte-americana Beyoncé. E enquanto sonha em alcançar o sucesso da popstar, dá os próprios passos. Durante uma apresentação do Dia da Consciência Negra do ano passado em Gravataí, chamou atenção dos rappers MarkB. e Seguidor F., figuras de destaque no cenário musical do RS, que a convidaram para apresentações.
– Foi muito legal cantar com eles. Quando me viram, pediram meu telefone, mas eu nem acreditei quando me chamaram – recorda.
Pés no chão
Thalia é determinada, porém, não faz do sonho da música o único caminho de sucesso. Demonstra interesse por gastronomia e nutrição, carreiras que pretende seguir, independente do que o futuro lhe reservar. Tanto que já até preparar alguns pratos. O seu preferido? Rocambole de carne, já aprovado pela família.
– Eles dizem que é bom. Eu gosto – conta Thalia com a convicção de quem sabe que, seja na alimentação, ou ao microfone, vai chegar longe na vida.