O block que o Mercado Livre está dando em Gravataí, com a suspensão das obras e contratações para o centro de distribuição na RS-118, “pegou de surpresa” o governo Eduardo Leite (PSDB).
Tratei da polêmica nos artigos O que tranca confirmação do Mercado Livre em Gravataí; o mastodonte e Negociação com RS suspende investimento do Mercado Livre; em Gravataí, tudo certo.
Vamos às novas informações e, ao fim, comento.
Na reportagem Fazenda gaúcha se surpreende com decisão de Mercado Livre sobre operação em Gravataí, publicada no Jornal do Comércio, Patrícia Comunello conta que “o anúncio da gigante argentina de e-commerce Mercado Livre de “segurar” a instalação de um centro de distribuição em Gravatai, na Região Metropolitana de Porto Alegre, pegou de surpresa a Fazenda gaúcha”.
O comunicado suspendendo “obras e contratações” para o CD, feito pela empresa, diz o subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira, ocorreu em meio a conversas com advogados tributaristas do e-commerce para encontrar uma solução para o tipo de fluxo de mercadorias do CD.
– Me surpreendeu um pouco a notícia porque estou falando direto com os advogados para tentar achar uma solução. Nunca dissemos que não vamos fazer – afirmou Pereira para a jornalista.
O caminho inicial pode ser adotar regra que São paulo implementou dispensando inscrição de quem vende a mercadoria no operador logístico, neste caso na unidade que o Mercado Livre pretende instalar em Gravataí. O local seria um depósito itinerante, diz o subsecretário. A mercadoria já é enviada ao centro antes mesmo de ser vendida, para agilizar a entrega.
– A legislação do ICMS não tem previsão clara desse tipo de operação. Temos de achar um caminho alternativo, que era o que estávamos discutindo com os advogados, seguindo o que está na lei, sem criar nada diferente – explica Pereira.
O fluxo das mercadorias gerado pelas compras de e-commerce vem exigindo novos regramentos.
A previsão, segundo a prefeitura de Gravataí, era que o centro do Mercado Livre começasse a funcionar este mês. Quinhentas vagas de emprego estavam previstas e já em processo de seleção desde o fim de 2019.
O alvará para a operação foi entregue na semana passada aos representantes da empresa. Foi exatamente nesse ato, na prefeitura da cidade, que os interlocutores informaram ao prefeito Marco Alba, da decisão de segurar o projeto. A empresa não informou sobre quando vai reativar o empreendimento.
O Mercado Livre não participa da venda, por isso não emite nota fiscal. Quem gera todo este fluxo é o vendedor e o consumidor. Só que a operação no CD tem características que não seguem o padrão previsto na legislação federal de ICMS e de como tem de ser registrado.
Uma exigência é que o vendedor tenha inscrição estadual no operador. Mas a gigante de e-commerce veio com o pleito de enquadrar o CD em um regime diferenciado, pois o local serviria apenas como um entreposto, onde a mercadoria fica até ser remetida ao comprador. A presença dos produtos antes mesmo de ser vendidos, para agilizar a entrega, é um aspecto que desafia a Fazenda.
– Esta característica foge do padrão para outros tipos de negócios. A lei prevê que tenha de ter notas e ainda o registro – observa o subsecretário.
Em São Paulo, portaria emitida em 2019 e com atualizações em janeiro deste ano sobre a operação dos fulfillment (como são chamadas estas estruturas logísticas que atendem ao e-commerce) dispensou a inscrição de empresas do Simples.
A Fazenda gaúcha se preparava para implementar esta dispensa.
– Mas há duas semanas – cita o subsecretário – os advogados do Mercado Livre vieram com mais uma exigência. A empresa queria a condição, dispensando o registro, para estabelecimentos do Regime Geral, o que trouxe uma dificuldade maior pelas características de operação tributária.
Para efetuar esta condição, a Fazenda gaúcha cogitou simplificar o registro estadual, gerando um custo quase zero, mas garantindo a adequação à lei que rege o ICMS e que é federal, o que sai da alçada do Estado em criar alguma condição diferente.
Pereira avalia levar esse tema dos operadores logísticos do e-commerce ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne secretários da Fazenda dos estados e do Distrito Federal, para que as unidades da federação discutam algum mecanismo que uniformize o tratamento desse fluxo de mercadorias vendidas por meio das plataformas.
Pereira reforça que continua as conversas com os advogados e atenta para um detalhe neste tipo de relação de venda, ao eliminar a inscrição no operador logístico, que é o pleito da Mercado Livre.
– Sem a inscrição, não ha nota estadual. Com isso, o valor final passa a ser o que foi negociado na plataforma. Se tiver nota, há diferença entre o preço do vendedor e o do consumidor final, que é o valor adicionado, que entraria no cálculo de divisão do bolo do ICMS. Do total arrecadado, 25% é distribuído entre os 475 municípios gaúchos. Como o registro seria em Gravataí, o município não teria retorno dessa venda.
O município acompanha a tratativa com temor de que o CD possa ser cancelado completamente. Sobre a eventual perda de receita, os dirigentes municipais dizem que a aposta é transformar a cidade em referência e operação de logística.
Analiso.
Sobre a Prefeitura abrir mão do valor adicionado em negócios intermediados pelo Mercado Livre, é troco. E Gravataí tem uma boa poupança com a GM, já que os outros 496 municípios nos ‘pagam’ com as isenções fiscais milionárias para a montadora.
O que não está certo é o Mercado Livre fazer chantagem com o governo estadual.
Não pode estar em meio a uma negociação e anunciar a suspensão do investimento, jogando a sociedade contra o governador.
O prefeito Marco Alba escapou, já que agilizou o alvará para a gigante. Mas Eduardo Leite ficou como o vilão da vez.
Ao fim, não será amanhã que a polêmica será resolvida. O andar do estado, como ente público, e seja qual for o lado da ferradura ideológica do governo inquilino, é “mastodôntico”, como bem descreveu o secretário da Fazenda de Gravataí Davi Severgnini.
Se o tema dos operadores logísticos do e-commerce for levado pela Fazenda do Estado ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne secretários da Fazenda dos estados e do Distrito Federal, “para que as unidades da federação discutam algum mecanismo que uniformize o tratamento desse fluxo de mercadorias vendidas por meio das plataformas”, como informou na ótima matéria da jornalista Patrícia Comunello, o mastodonte vai demorar a voltar da terra dos candangos, em Brasília.
Ao fim, reafirmo: o Mercado Livre já conhecia a legislação gaúcha, começou a tramitação para seu negócio e não pode agora usar do mau tempo da política, e de vazamentos na mídia, para ganhar tudo o que quer, e agora.
There is no free lunch, “não há almoço grátis”, Marcos Galperín, o CEO da Mercado Livre, já deve ter usado essa expressão em algum jatinho da vida.
Sem chantagem midiática, please!