Será na plataforma, que é do Facebook, que novas e poderosas formas de propagação de desinformação tomarão forma e potencialmente afetarão as próximas eleições. O Seguinte: reproduz o artigo de David Nemer, especialista em antropologia da informática e professor da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, publicado pelo El País
Durante as eleições de 2018, o WhatsApp foi uma das principais plataformas para a disseminação das chamadas fake news. Os conteúdos de desinformação circularam não só em grupos de temática política mas também em grupos pessoais como os de família, estudos, e igreja. Um dos seus efeitos mais sentidos após as eleições foi a hiperpolarização da sociedade, o que levou diversos pesquisadores a focarem seus estudos no aplicativo para compreenderem e mitigarem tais efeitos. Infelizmente, o WhatsApp ainda será um campo fértil para as fake news em 2020. Porém, será no Instagram onde novas e poderosas formas de propagação de desinformação tomarão forma e potencialmente afetarão as próximas eleições.
Desde 2012, quando o Facebook comprou o Instagram, a rede social vem se expandindo rapidamente. Atualmente, o Instagram tem mais de 1 bilhão de usuários ativos no mundo, e o Brasil ocupa a terceira posição em números de usuários, com mais de 72 milhões. Um dos motivos para a rápida expansão é o fato dos brasileiros estarem cansados da interface desordenada do Facebook e dos complicados controles de privacidade. O Instagram segue uma linha de tempo (timeline) mais simples e de fácil navegação, onde o usuário basicamente só precisa arrastar para cima ou para baixo, e dar dois toques para curtir uma foto. Um outro motivo para a popularização do aplicativo foi a introdução dos stories em 2016 —inspirado na funcionalidade do Snapchat, o Instagram implementou um espaço onde o usuário pode compartilhar fotos e vídeos do seu dia a dia sem preocupação já que sabe que são postagens que duram 24 horas.
Os stories mudou a forma na qual o usuário se engaja com o Instagram. A plataforma, que originalmente era focada somente em conteúdo visual, agora permite textos —além de facilitar o compartilhamento das postagens. Essa combinação, texto e compartilhamento, junto com a enorme base de usuários, fez com que o Instagram se parecesse mais com o Facebook, chamando a atenção dos que veem na plataforma um ambiente perfeito para propagandas e fake news.
Muitos interpretam o Instagram como uma plataforma inofensiva, onde celebridades postam seus cotidianos, influenciadores dão dicas de beleza e a comédia fica por conta dos perfis de “zoeira”. Todo o pacote leva o usuário a aceitar a mensagem de uma forma mais fácil, já que a sua percepção é que a mensagem é leve e sem riscos. Assim, sem um engajamento mais crítico, consumem um dos principais tipos de conteúdo compartilhado no Instagram, os memes, que são um canal cada vez mais popular para veicular desinformações e citações falsas. Esse conteúdo visual, além de ser fácil e barato de produzir, dificulta a verificação da veracidade da mensagem transmitida, se comparada a artigos de sites duvidosos.
Os vídeos curtos do Instagram também serão instrumentais na propagação de desinformação. Aliás, eles já são compartilhados por figuras políticas para propagar fake news, por exemplo em 2018 a então candidata Joice Hasselmann compartilhou em sua conta um vídeo dizendo que um suposto hacker estava pronto para e invadir o sistema de urnas eletrônicas para fraudar os votos e garantir a vitória presidencial do candidato do PT, o que nunca foi comprovado. Uma outra forma de vídeo que tem o potencial de ser um dos maiores perigos em relação a desinformação é o deepfake. O deepfake é uma tecnologia que usa inteligência artificial (IA) para criar vídeos falsos, mas realistas, de pessoas fazendo coisas que elas nunca fizeram na vida real. A técnica que permite fazer as montagens de vídeo já gerou desde conteúdos pornográficos com celebridades até discursos fictícios de políticos influentes.
O Instagram já é alvo de campanhas de desinformação. Segundo um relatório encomendado pelo Comitê de Inteligência do Senado Americano, a empresa russa Internet Research Agency (IRA) passou mais tempo em 2016 e 2017 engajando os seus esforços propagandistas no Instagram do que no Facebook e Twitter. O relatório tambem avalia que o Instagram provavelmente será o principal campo de batalha de maneira contínua. Um outro estudo da Universidade de Nova York alerta que o Instagram será a plataforma de escolha para pessoas que desejam disseminar desinformação baseada em memes.
O Facebook vem se empenhando para conter o compartilhamento de fake news, tanto em sua plataforma quanto no Instagram. A empresa já anunciou um programa de checagem de fatos que detecta conteúdos questionáveis em imagens, áudio e vídeos, e já expandiu o programa aos 23 parceiros de verificação de fatos em 17 países. O Instagram também facilitou a forma em que usuários podem reportar contas e conteúdos suspeitos.
Porém, isso não será o suficiente. Segundo Paul M Barrett, da Universidade de Nova York, uma vez que as plataformas determinam que o material é comprovadamente falso, ele deve ser eliminado para que não se espalhe mais. As plataformas devem reter uma cópia do conteúdo excisado em um arquivo isolado, disponível para fins de pesquisa a acadêmicos, jornalistas e outros. As consequências das fake news no Instagram podem ser mitigadas se uma abordagem multifacetada for implementada, onde o Judiciário, polícia, imprensa, centros educacionais e a própria plataforma possam trabalhar em conjunto, cada um em sua frente e função. É preciso agir prontamente e não deixar o que aconteceu nas eleições de 2018 volte a ocorrer em 2020.