coluna do fernie

O orgulho do pai

A mulher abriu o quarto, e o rapaz entrou logo em seguida. Ele mal tomou conhecimento da deficiência estética do lugar e da escolha puramente pragmática dos móveis, e apenas sentou-se na cama enquanto a mulher acendia as luzes.

Pelo menos o quarto era silencioso, protegido do barulho e da movimentação do andar de baixo, onde as outras mulheres buscavam atenção dos homens, umas com um olhar bastante entediado e cansado. O rapaz tentou demorar o menos que pode para escolher aquela mulher, para livrar-se do ambiente inóspito e insalubre, de pouca luz, muito ruído, e homens cuja companhia ele jamais desejaria.

Ele queria pensar que a escolha da mulher fora aleatória, apesar de ela ter uma aparência talvez compatível com os gostos dele; ela tinha não menos do que trinta-e-poucos anos, mas com algo de jovial na expressão facial e nos cabelos curtos e lisos, usando óculos, blusa e minissaia modestas para os padrões da casa, como se tentasse incorporar o tipo “inocente”. Tudo era apenas um palpite dele, porém. Era a primeira vez que ele estava ali—e quiçá a última—e ele não conhecia os tipos, as preferências e os fetiches. Ele seguiu a intuição, escolheu a primeira que lhe pareceu disponível e subiu as escadas com ela; tudo sob o olhar onipotente do pai, um senhor de pouco mais de 40 anos, que tentava parecer mais velho e mais vivido do que ele era.

Essa era outra coisa boa de estar no quarto: o pai não estava ali. Estava apenas a mulher, trancando a porta, e virando-se para ele, já usando de sua linguagem corporal para tentar agradá-lo.

— Eu só vou tomar um banho rapidinho antes da gente começar, tá bom? — ela disse.

O rapaz deu de ombros, exagerando a expressão de desdém.

— Faz o que tu quiser.

Ela parou, encarando-o por um instante.

— Eu tô aqui pra fazer o que tu quiser, moço.

— Então não faz nada — ele retrucou, cruzando os braços, olhando para um canto qualquer da sala.

O banheiro tinha as paredes de cerâmica branca, que contrastava com as cores escuras e abafadas do quarto, e gritava nos olhos dele. Ele tinha os braços e as pernas cruzadas, tentando não reparar em nada, mas o berro branco do banheiro irritava-lhe.

A mulher deu um sorriso, disfarçando a perplexidade.

— Não fazer nada? Tem certeza?

— Sim. Tenho, sim — ele disse.

— Mas daí a gente vai passar uma hora aqui parado? — ela disse, sentando-se ao lado dele, o tom de voz já um pouco diferente.

— É, melhor assim — o rapaz respondeu, tentando manter o tom decidido, apesar da voz murcha.

— Se tu não se importa de perguntar — ela disse, após uma pausa — tu veio aqui por quê?

Ele olhou para a mulher com o canto dos olhos, por um breve instante.

— Por causa do meu pai, tu não viu?

— Ele te obrigou a vir?

O rapaz hesitou por um instante.

— É, tipo… sim, ele me trouxe aqui. Eu não podia dizer não.

Ela acenou com a cabeça.

— Tu nunca veio num lugar assim antes?

— Não, nunca.

— Que idade tu tem?

O rapaz fez uma pausa, o olhar atraído novamente pela luz do banheiro.

— Dezesseis.

— E tu nunca transou antes?

— Isso é algum problema pra ti, por acaso? — ele bradou, apoiando os braços na beira da cama, como se estivesse pronto para ficar de pé.

— Eu não tô te julgando, querido — ela disse, com um sorriso complacente, tirando os cabelos do rosto.

— Pra mim não é problema. Eu só tô tentando te conhecer melhor.

— Pra quê? — ele disse, baixando o tom da voz.

— Que diferença faz pra ti?

A mulher deu de ombros.

— Se eu vou ficar aqui dentro contigo por uma hora, pelo menos eu poderia saber quem tu é.

— Quem sabe se tu não souber quem eu sou, e eu não souber quem tu é? — ele retrucou.

— Eu prefiro assim.

— Tu que sabe, então — ela respondeu, levantando-se da cama e esticando os músculos pelo quarto, quase como se dançasse.

— Uma hora é muito tempo pra gente ficar aqui em silêncio, não acha? Que tal se tu me falar sobre alguma coisa que tu gosta?

— Nada do que eu gosto vai te interessar — ele disse, tão encolhido sobre si mesmo que ela nem conseguia ver o rosto dele.

— Ué, tu não sabe — ela disse.

— Fala alguma coisa.

O rapaz bufou, frustrado por não ter coragem de mandá-la parar de falar.

— Eu gosto de astronomia.

— Ah, tu gosta dos astros e dos planetas, então? — ela disse, virando-se para ele com um sorriso afoito.

— Então me diz, afinal, Plutão é um planeta ou não?

Ele fez uma careta de desdém.

— E isso importa?

— Ué, se não importasse, eles não teriam mudado o nome, né? Se Plutão era um planeta, e agora não é mais, algum motivo tem.

— Sim, claro que sim — ele respondeu.

— Tem uma série de características que um paneta tem que ter pra ser considerado planeta, e Plutão não têm essas características. É só isso.

— Tá, e Plutão é o que, agora, então? — ela disse.

— É um planeta-anão — ele respondeu.

— Plutão não é o único. Tem outros no Sistema Solar, só que eu não me lembro o nome. E não é grande coisa o nome que a gente dá pras coisas; Plutão continua sendo Plutão, e ele não tá nem aí pro nome que a gente dá pra ele.

— É, mas tem muita gente reclamando disso — ela disse, sentando-se em uma poltrona vermelha do outro lado do quarto, que ele sequer havia notado.

— Mas aí é porque as pessoas não têm coisa melhor pra fazer — ele respondeu.

— Gente chata que reclama de tudo tem em tudo que é lugar. Tem tanta coisa mais importante pra se preocupar.

A mulher deu-lhe um olhar fincado.

— Tipo o quê?

— Tipo as pessoas que não têm o que comer, que não têm trabalho e não têm dinheiro — ele disse.

— Tu não acha que isso é mais importante?

— Eu acho, sim — ela disse — mas as pessoas podem se preocupar com mais de uma coisa ao mesmo tempo, tu não acha?

— Talvez — ele disse, descruzando os braços — mas parece que as pessoas só querem alguma coisa sem importância pra ficar reclamando. Eu detesto isso.

— Mas tu não pode te preocupar com isso, também, querido — a mulher disse, com um sorriso caridoso.

— Se a gente for se incomodar com tudo que os outros fazem, a gente não vive.

— Que bom que tu consegue fazer isso — ele respondeu, com um leve sarcasmo.

— Mas tu vê, né? Tu achou que eu não ia me interessar sobre os teus assuntos, e a gente acabou de conversar sobre astronomia — ela disse.

— Sim, mas foi só sobre Plutão — ele retrucou, apoiando os braços na cama.

— Isso é pouca coisa.

— Então me fala de alguma coisa grande, então! — ela disse.

— Me fala de alguma coisa que tu acha importante.

O rapaz pensou por um momento.

— Bom, tem o fato de que a maioria da matéria que existe no Universo é um tipo de matéria que os cientistas não sabem o que é. Eles chamam de matéria escura.

— Então como é que eles sabem que ela existe?

—  Porque, se ela não existisse, o Universo não seria do jeito que é — ele disse.

— Eles não enxergam a matéria escura, mas eles observam os efeitos dela.

— É tipo o vento, então?

Ele cogitou por um momento, e acenou com a cabeça, hesitante.

— Acho que sim. Mas o vento a gente sabe o que é; é o deslocamento do ar. A matéria escura, ninguém sabe o que é.

— Entendi — ela disse, ajeitando-se na poltrona.

— Isso é uma coisa que eu acho estranho na ciência. Assim, como é que eles podem dizer que uma coisa existe sem poder mostrar que ela existe? Eles dizem, tá, a gente não sabe o que esse negócio é, mas a gente vê o efeito dele. Como é que eles sabem que eles não tão enxergando errado?

— É, isso pode ser — o rapaz disse, descruzando as pernas — mas eles sempre tentam buscar a explicação que faz mais sentido. Se eles descobrem que uma explicação tava errada, eles vão lá e corrigem. Tu sabe que, até uns cem anos atrás, eles achavam que a luz das estrelas chegava na Terra porque o Universo era cheio de éter. Demorou anos até eles descobrirem que não, que o Universo é vazio, e que a luz se propaga no vácuo. De qualquer forma, quando os cientistas perceberam que estavam errados, eles se corrigiram. Isso acontece.

— Sim, mas isso é o de menos — ela respondeu.

— As pessoas têm que saber admitir quando erram.

—  Tá, e por que as religiões não fazem isso? — ele disse, abrindo os braços.

— Quem disse que não fazem?

— Ué, várias delas não fazem — ele disse.

— Tá, mas não são todas.

— Até pode ser que não, mas tem muita gente que, por causa da religião, fica falando besteira — ele disse.

— A ciência tem que se corrigir quando erra, mas os religiosos dizem que, se a Bíblia fala uma coisa, então ela tem que ser verdade, e ponto.

— Quantas pessoas tu conhece que fazem isso? — ela disse, com um olhar inquisitivo.

Ele murchou um pouco, encolhendo-se na cama.

— Na minha família, tem vários.

— É mesmo? — ela disse, inclinando-se para frente na poltrona.

— Isso te incomoda?

— Sim, porque daí eles usam a religião deles pra dizer que os outros estão errados, mas eles vão lá e fazem coisa pior.

— Tipo o quê?

Ele desviou o olhar, atraído novamente pelo branco estridente do banheiro.

— Tipo meu pai, que vive reclamando que tudo é imoral, que tudo é errado, que é pecado ser gay, que a mulher tem que se respeitar, e aí me traz aqui.

A mulher acenou com a cabeça.

— E tu concorda com as coisas que ele diz?

O rapaz deu de ombros.

— Em algumas coisas, ele até tem razão, eu acho, mas, tipo, ele acha que as minhas irmãs têm que se dar o respeito, e quer saber de tudo que elas fazem na rua, mas então… por que ele não fala isso de vocês? Tipo, ele deve achar que o que vocês fazem é certo, senão ele não me traria aqui.

— E tu acha que é certo? — ela disse.

O rapaz deu um suspiro trêmulo.

— Eu sei lá. Eu não sei como é a vida que vocês levam, então eu não posso dizer. Porque assim, se isso é uma coisa que tu quer fazer, isso não devia ser da conta de ninguém, muito menos da minha, ou do meu pai.

— É o que eu acho, também — ela respondeu, levantando-se da poltrona.

— Eu não gosto quando as pessoas ficam julgando e criticando e falando mal de quem faz o que eu faço. Eu acho que eu não tô fazendo mal pra ninguém, que eu decido o que fazer com o meu corpo, e que ninguém paga as minhas contas ou cuida do meu filho pra poder opinar no que eu faço.

Ele olhou para ela, surpreendido.

— Tu tem um filho?

— Sim, tenho sim — ela respondeu — e eu cuido dele com toda a atenção e todo o carinho que eu posso dar como mãe, e, se eu tô aqui, é pra garantir o sustento dele.

— E tu não gostaria de poder trabalhar com outra coisa, ao invés disso?

— Ué, mas eu trabalho — ela disse, caminhando até o banheiro.

— Esse aqui não é o meu único emprego. Quer dizer, agora, nesse momento, é só isso que eu tô fazendo. Mas eu também tô na faculdade, cursando Engenharia Elétrica, e ainda tenho vontade de fazer um curso de pintura.

Os olhos do rapaz brilharam por um momento.

— Pintura, é?

— Sim, pintura — ela disse, parada na porta do banheiro.

— Tu gosta?

— Eu adoro — ele respondeu.

— Tipo, eu não acho que eu conseguiria aprender a pintar, mas eu adoro olhar.

— Qual é o teu pintor favorito?

Ele suspirou, a mente perdida em um maravilhoso labirinto de cores e imagens que ele acumulara ao longo daqueles anos.

— Ah, são tantos… Eu adoro os modernistas. Adoro a Tarsila. Mas são vários, vários.

— Eu já vi algumas coisas dela num museu — a mulher respondeu.

— É lindo ver ao vivo. Tu costuma ir em museu?

O olhar dele caiu de novo.

— Algumas vezes, só. Eu gostaria que o meu pai me levasse, mas ele acha isso uma bobagem.

— Mas que pena — ela disse, sentando-se na cama.

— Mas tu tem que aprender a ir sozinho. Tu tem as tuas próprias pernas, não?

— É que eles sempre querem saber o que eu tô fazendo — ele disse.

— Se eu digo que eu fui num museu, eles dizem que é perda de tempo.

— Tu tem que mostrar pra eles que isso é importante pra ti, e que, se é isso que importa na tua vida, eles não têm que dar opinião.

— Ah, e tu acha que é fácil pra mim dizer alguma coisa? — ele retrucou.

— Tu acha que eu queria tá aqui? Tu acha que eu não preferia tá num museu, se eu tivesse escolha? Pra mim, isso aqui é que é perda de tempo.

Ela lhe deu um olhar interrogativo.

— A nossa conversa tá sendo uma perda de tempo pra ti?

— Na verdade, não — ele disse, olhando para o outro lado — mas não foi pra isso que ele me trouxe, né? Ele me trouxe aqui pra eu virar homem, mas, pra mim, ser homem não tem nada a ver com isso aqui. Ser homem é ter caráter, é ter cabeça, é ter um futuro, é tratar bem as pessoas. Isso sim é que importa pra mim.

— E tu acha que sexo é perda de tempo? — ela disse, com uma voz suave.

— Pra mim, é — ele respondeu bruscamente, cruzando os braços.

— Mesmo com uma pessoa que tu ama?

— Não tem ninguém que eu ame.

— Tu nunca teve uma namorada?

— Não, e isso é problema meu, tá? — ele disse, fincando-a um olhar atravessado.

— Quer dizer, nem problema é, eu é que não quero uma namorada só pra eu dizer que eu tenho.

— Mas não é só pra dizer que tu tem — ela respondeu, compassiva.

— O bom é a gente namorar alguém que gosta de verdade. E, assim, se tu nunca encontrou uma pessoa pra namorar, é uma pena, mas tu não tem a obrigação de namorar ninguém.

— Diz isso pro meu pai, então — ele disse.

— Tenta convencer ele de que eu tô bem assim, que eu não preciso de uma namorada. Ele é que fica dizendo que não quer filho viado.

Ela fez uma breve pausa, tentando ler a expressão dele.

— E tu não é gay?

— Se eu fosse, eu tava morto, já — ele disse, com um pequeno riso frouxo.

— Tipo, se eu quiser continuar vivo, é melhor que eu não seja.

— Teu pai te bate?

Ele deu um suspiro pesado.

— Às vezes, só.

— Entendi — ela disse, acenando com a cabeça.

— Eu entendo que tu tenha medo, mas tu tem que lembrar que tu não tem que fazer nada só pra agradar teu pai, e nem deixar de fazer alguma coisa só porque ele quer que tu faça.

O rapaz olhou para ela, com a testa franzida.

— Tu tá tentando me convencer a ir pra cama contigo, é isso?

Ela encolheu os ombros, sorrindo.

— Eu é que não. Pra mim não faz diferença. Eu recebo por hora.

— Ah, melhor — ele disse.

— E tu nem pensa em dizer pro meu pai que a gente ficou só conversando. Aí é que ele me mata de vez.

— Não, nem te preocupa, eu não vou dizer nada — ela disse, pensativa.

— Mas, assim, se ele perguntar o que a gente fez, a gente tem que saber o que responder.

Ele lhe deu um olhar preocupado.

— Tá, e o que a gente diz?

— Não precisa ser nada de mais — ela disse.

— Eu digo que eu te chupei, e que depois tu me comeu pela frente, e depois por trás, e que foi gostoso. Só isso. Não precisa de muitos detalhes.

O rapaz não pode deixar de sentir uma repulsa.

— Eu espero que eu não precise falar nada.

— É, mas, se ele perguntar, é bom que tu fale — ela disse — e sem essa cara de nojo.

— Eu vou me esforçar — ele disse.

A mulher ficou observando-o por um tempo.

— Tu tem certeza que tu não quer fazer nada comigo? — ela disse, consultando o horário no celular.

— A gente ainda tem tempo.

— Não quero nada, não — ele disse, com um tom suave.

— Eu não… conseguiria fazer isso com alguém que eu mal conheço.

— Mas tu nunca tentou, né?

— Não, mas é que…

Ele bufou, frustrado.

— Eu não vou me forçar a fazer alguma coisa só porque os outros dizem que eu tenho.

— Eu sei, eu te entendo — ela respondeu.

— Mas assim, se tu tiver te reprimindo de fazer uma coisa que tu queira, que tu tenha vontade, isso também não é bom. E eu tô aqui pra ti.

Os olhos dele ficaram úmidos, e ele apertou os lábios.

— Eu não sei se eu tô me reprimindo ou não — ele disse.

— Tipo… isso faz algum sentido? Eu não deveria saber?

— Olha, nem tudo é tão simples, querido — a mulher disse.

— É complicado saber o que a gente sente, às vezes.

— Pois é, sabe, não é que… Eu não quero ficar sozinho pra sempre, sabe? — o rapaz disse, enxugando os olhos.

— Eu gostaria sim de ter alguém um dia, mas, tem que ser alguém que eu goste de verdade. Eu queria que o meu pai entendesse que isso não faz de mim menos homem. Sabe, eu não me sentiria homem se eu fosse pra cama contigo, sabendo que o meu pai tá pagando por isso. Isso faz parecer que eu… que eu não tenho capacidade de fazer isso por conta própria, entendeu? Mas, se eu disser isso pra ele…

— É, eu acho que eu te entendo — ela respondeu.

— Tu acha que, se tu tentar chegar numa guria, tu vai fazer isso só pra agradar o teu pai?

O rapaz olhou para o chão, pensando por um momento.

— Eu acho que sim… Será que eu consigo mudar isso?

— Consegue, sim — ela disse, com uma confiança tão tranquila que quase deixou o rapaz perturbado.

— Mas isso vem com o tempo. Um dia tu vai sentir que tu é dono da tua vida, e que tu não deve nada pro teu pai. Mas essas coisas nunca são de uma hora pra outra, e nem sempre é fácil. Eu demorei muito tempo até conseguir me livrar dos meus pais e tomar conta da minha vida, mas é porque eu demorei pra perceber que esse era o problema. Depois que eu entendi isso, foi bem mais fácil.

— E tu tinha medo dos teus pais?

— Durante um tempo, eu tinha, sim — ela disse, sem qualquer vestígio de vulnerabilidade.

— Mas foi passando, eu fui criando coragem com o tempo. Não é fácil, querido, mas tu precisa pensar que tu tem essa capacidade. Enquanto tu pensar que não tem coragem, vai ser muito mais difícil.

Ele fez uma pausa, e olhou para ela, com o canto dos olhos.

— Mas não é só pensar, né? Entre pensar e fazer, tem uma distância grande.

— Sim, claro que tem — ela disse.

— Não é só pensar. Mas esse é um começo. É isso que tu precisa entender. Só lembra que nada que o teu pai pense ou fale ao teu respeito vai mudar aquilo que tu é. Por mais que ele diga que tu não é homem, ou que o que tu faça não é coisa de homem, isso não muda nada. Tu tem que ser aquilo que tu é, e ponto. Se tu não quer transar comigo, não transa. Se tu não quiser namorar, não namora. Agora, quando tu sentir que quer namorar, quando tu sentir que quer transar com uma guria, lembra que isso é uma coisa que tu tá fazendo por ti mesmo, e por mais ninguém. Nunca esquece disso.

O rapaz acenou com a cabeça, e ficou ouvindo o som daquelas palavras ecoar nos ouvidos. Jamais alguém lhe dera um conselho como aquele, e, por mais que isso parecesse uma coisa óbvia de se pensar, escutar essas palavras da boca de alguém fazia uma grande diferença.

— Obrigado por isso — ele disse, enfim.

— Que nada, querido — ela respondeu.

— Já tô me sentindo melhor em te ver mais leve.

— Me dá um abraço?

Ela quase riu.

— Mas claro, guri, vem cá!

Então, a mulher acolheu o rapaz, com toda a suavidade possível, como se tivesse medo de quebrá-lo. Ele parecia fraco, diminuto, mas o abraço dele foi firme, com o vigor de alguma vontade dormente de existir, e a respiração dele era quente, vibrante.

Ainda havia tempo sobrando, então os dois deitaram-se na cama, e ficaram em silêncio. Ele ousou até colocar o braço ao redor dela, apenas para sentir alguma vida pulsante junto a ele. Ela respirava devagar, com calma, aproveitando o momento de tranquilidade em um dia que ainda estava longe de terminar.

 

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