opinião

Troque Thaís por Maiara; atentado em Gravataí é o ’novo normal’

Reprodução de vídeo divulgado pela Polícia Civil que mostra momento do atentado de 2017 | ARQUIVO

Não é paramnésia. Gravataí revive a realidade do 22 de outubro de 2017, quando um atentado vitimou duas pessoas e feriu outras 33, na Morada do Vale. Pedem-me para comentar o ‘incidente’ no campo do Três Estrelas, mas não há mais a dizer do que o que já escrevi no artigo Atentado na Morada é Somália, não Paris, publicado pelo Seguinte: há dois anos e, infelizmente, resta arquivado para ser reproduzido hoje, amanhã ou, invariavelmente, em breve, e novamente.

Substitua Thaís Pires da Silveira, 24 anos, trabalhadora, mãe, que ao lado do marido buscava um churrasquinho para o filho de 7 anos, e Gabriel Ataíde, 21, que tombou a tiro, sem antecedente criminal nas costas, arrancados de suas famílias em 2017 por Maiara Emili Silveira da Silva, 20 anos, a menina vítima de tiros aleatórios, que trabalhava com crianças com crianças com deficiência e tinha plano de ser bombeira.

Dilacerado ao ouvir os depoimentos dessa família, reproduzo o texto que postei à época da Blitzkrieg que inscreveu Gravataí como “zona de atentado” no Facebook. Nada mudou. Aguardemos preparados sempre para o pior.

É o novo normal.

 

“(…)

O que houve na Morada II nesta madrugada foi um atentado com duas mortes e 33 feridos, não apenas mais um confronto entre facções rivais.

O próprio delegado de homicídios Felipe Borba está tratando assim o caso.

Mesmo que tenha havido troca de tiros segundos antes em um bar na Eurico Lara, na Felipe Mate dezenas, centenas de pessoas da comunidade, principalmente meninos e meninas, se divertiam na rua e viraram alvos.

Como Gabriel Ataíde, 21, que tombou a tiro, sem antecedente criminal nas costas. Ou a Thaís Pires da Silveira, 24 anos, trabalhadora, mãe, que ao lado do marido buscava um churrasquinho para o filho de 7 anos. 

Só que um atentado na Morada do Vale é como um atentado na Somália, não em Paris. Rápido se esquece, a repercussão dura menos. Afinal, a Casa Grande só se choca quando as mortes em produção industrial saem das periferias e escapam das estatísticas do cabelo crespo e pele escura.

Mas o ‘menos um’ de ontem, tão comemorado nas redes sociais pelo ‘cidadão de bem’, significa a tomada do território pelo ‘menos um’ de amanhã. E inocentes, com o mesmo cheiro do sangue de ‘coringas e arlequinas’, inevitavelmente vão tombar nessa guerra onde se arrancam corações e é o estado que cava a própria cova sob os fuzis 5.56 e .30 desse poder paralelo.

Em tragédias sempre é fácil achar culpados, principalmente quando não temos soluções além de mais violência contra a violência. É a trincheira perfeita para o preconceito e a segregação. Ou o crucificar das vítimas no altar da hipocrisia. É terreno fértil para politicagem e teorias de diferentes matizes ideológicas que crescem em popularidades infladas pela desinformação e o ódio.

Depois desse domingo sangrento, o governador Sartori tem que agir por obrigação de ofício, mas lamento supor que pouco adiantará. Dando tudo certo, o máximo que poderia acontecer é o problema descer a ladeira de Gravataí e se entrincheirar em uma vila fundão qualquer de alguma cidade vizinha.

Dois ‘sociólogos’ da periferia, Mano Brown e Edy Rock, já descreviam cruamente, lá no início dos anos 2000:

(… ) Ei, senhor do engenho / eu sei bem quem você é / sozinho você não güenta / você disse o que era bom / e a favela ouviu / uísque, Red Bull, tênis Nike, fuzil/ seu jogo é sujo / e eu não me encaixo / eu sou problema de montão / de Carnaval a Carnaval / eu vim da selva, sou leão / sou demais pro seu quintal (…)

Enfim, quando qualquer coisa vale mais que a vida, o problema não atende mais por nome, sobrenome, patente ou cargo.

Falimos todos, como sociedade.

(…)”.

 

Alguém contesta?

 

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