MARCILENE FORECHI

A cultura de um país é a sua alma; a do município também

Posse de Margareth Menezes no Ministério da Cultura

O entendimento da nova ministra da cultura, enfatizado em seu discurso de posse, deu o tom da importância que esse campo adquire na gestão do presidente Lula. Ao tomar posse, Margareth Menezes disse que a nossa casa, o Brasil, estava sendo demolida de dentro para fora. Nossa casa começa a ser arrumada com o resgate do Ministério da Cultura pelo presidente Lula, por meio do Decreto 11.336, de 1º de janeiro desse ano. Retomamos a missão de situar o campo da cultura como transversal e fundamental para o desenvolvimento do país.

De início, a nova ministra afirmou que estar à frente da cultura representa enormes responsabilidades e desafios. A expectativa é grande. Assistir a Margareth Menezes cantando logo após sua posse, ler as referências técnicas e profissionais dos ocupantes das sete secretarias criadas na nova estrutura do ministério e perceber toda a movimentação em torno do tema é um alento e motivo de sobra para festejar.

A retomada das rédeas da cultura como política pública no país, após quatro longos anos de descaso, desmonte e ataques, exige um esforço que não virá apenas do campo da cultura e não se esgotará nele. Não há milagres na gestão pública. O momento exige articulação e vontade política, exige um movimento que fortaleça as políticas públicas de cultura e que combata o fascismo, uma espécie de ovo da serpente que, uma vez chocado, tem contaminado as relações com discursos de ódio alimentados pela ignorância.

O Ministério da Cultura tem como maior desafio criar as condições para que haja uma nova percepção de Estado e de sociedade, algo apenas possível de ser pensado no interior das práticas culturais que engendram modos de ser, de pensar e de agir, coletiva e individualmente. Ao recriar o Ministério da Cultura e nomear para os principais cargos pessoas qualificadas, que entendem de cultura e que são capazes de pensar de forma multidisciplinar o campo, o governo federal mostra a responsabilidade com que os desafios serão enfrentados.

Digo isso porque sabemos que a questão da qualificação de pessoas chamadas a ocupar cargos no setor cultural representa um dos grandes gargalos para o desenvolvimento do segmento, especialmente em municípios onde é preciso acomodar os diferentes interesses políticos e as alianças que garantem a “governabilidade” do poder executivo. Tomada como uma área menos importante, geralmente não há critérios mais rigorosos para a indicação de quem irá ocupar os cargos. O resultado pode ser visto na pouca capacidade de articulação com os demais segmentos e na falta de conhecimentos técnicos que permitam o planejamento e a execução de projetos alinhados ao desenvolvimento das cidades.  

Precisamos – e isso diz respeito a todos que de alguma forma participam da cadeia produtiva da cultura – ter muito clara a compreensão de que a cultura é, sempre foi e sempre será um território de disputas. Assim, não é por acaso que faltam pessoas qualificadas nas pastas da cultura, que falta previsão orçamentária e que sobram achismos e ideias mirabolantes. O fazer cultural, por falta de pessoas que entendam da cultura e que pensem estrategicamente o seu desenvolvimento, acaba limitado à execução de agendas, à realização de eventos, sem preocupação com a consolidação de uma política pública de cultura.  

O movimento que podemos denominar de “ideologização” da cultura é outro dos grandes desafios que se apresentam não apenas no âmbito do Ministério da Cultura, mas nos governos estaduais e municipais. A “ideologização” da cultura diz que seria esse campo domínio de uma “esquerda”, ideia essa que sustenta um emaranhado de discursos preconceituosos, racistas, homofóbicos e ultraconservadores.

Não se trata, eu insisto nisso, de uma discussão que ocorre no campo da cultura apenas, uma vez que ela possui em sua essência o germe da mutabilidade e da disputa entre diferentes modos de ser e perceber o mundo. Mais que isso, entre diferentes modos de perceber as diferenças no mundo. Já disse em outro momento que pensar a gestão cultural na perspectiva das políticas públicas não é uma responsabilidade de governos de esquerda ou de um bando de esquerdistas.

Pensar estrategicamente a cultura em uma cidade, um estado ou no município, envolve uma mudança de perspectiva. É preciso sair da ideia de que cultura é gasto e passar a encará-la como investimento, como um bem intangível. É preciso deixar de lado a ideia de que qualquer pessoa pode ser um bom gestor da área cultural, afinal, é só fazer um “eventozinho” aqui e outro ali e está tudo certo. Nada está certo.

Sei que sou repetitiva ao lembrar que é preciso entender que cultura são gestos, são histórias, são memórias, são significados compartilhados. Cultura é o que há de comum e, também, o que há de singular, uma teia de significados que nos constitui e que por nós é constituída. Não se faz cultura por decreto ou por capricho. Muito menos ignorando a multiplicidade de manifestações de um povo. Cultura é identidade e, como tal, nunca está completa, nunca está pronta, nunca está dada.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade