Os mais antigos têm um dito popular – ‘desgraça pouca é bobagem!’ – que se aplica bem à história de Luciane Lima dos Santos, que no dia 18 deste mês completa 41 anos. Mãe de seis filhos, ela já perdeu dois maridos e, vítima de um atropelamento – quando andava na calçada da rua em que mora, com um filho pequeno – ficou 33 dias em coma no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre.
Do acidente restou com sequelas na visão, coordenação motora e danos cerebrais. É obrigada a tomar cinco diferentes medicamentos diariamente, e pelo resto da vida. Por causa do atropelamento e das consequências que carrega no corpo, não pode trabalhar. Como vive só, mantém a casa com a pensão mensal que recebe. É conta de água, de luz, roupas para pelo menos quatro dos filhos, alimentação, escola…
Esta é a ‘difícil vida nada fácil’ de Luciane que, lá em 1992, então com 15 anos, classificou-se no concurso Garota Verão mas não chegou a ir para Capão da Canoa onde era realizada a etapa final porque a mãe não permitiu. Ela era muito nova, necessitava da companhia de um adulto, mas faltava dinheiro à família.
Vaidosa, sempre que podia participava de desfiles, de concursos, e tinha o sonho de ser modelo. Chegou a ser chamada – em reportagem publicada no jornal Correio de Gravataí quando ainda era do Grupo CG – de “miss sem teto”. Hoje ela continua desfilando. Mas a passarela agora é as ruas de Gravataí, onde peregrina em busca de auxílio para comprar comida, principalmente.
Na chuvarada
O drama de Luciane se agravou nos últimos dias com as fortes chuvaradas, que entram pelo teto e pelo forro de madeira sem dó nem piedade. Encharcaram sofás, roupas de cama, colchões, as roupas dela e das crianças. A água castigou sem dó nem piedade o casebre de pouco mais de 20 metros quadrados.
— O único lugar em que não entra água é no banheiro. Até já pensei em botar a minha cama lá, mas não cabe — ela disse para o Seguinte: nesta semana, procurando manter bom humor mesmo diante do quadro caótico.
Não bastasse molhar móveis e roupas, o aguaceiro queimou o que servia de distração para as crianças, uma pequena televisão de 14 polegadas, daquelas antigas, de tubo. E a máquina que lhe facilitava a vida e usava para lavar as roupas da família. Na minúscula peça em que estão sala e cozinha, ela esfrega com força as mãos para falar.
— Se alguém tiver sobrando e quiser me dar eu aceito, estou precisando muito — diz, referindo-se ao aparelho de tevê e à maquina de lavar roupas.
O telhado
O problema na cobertura do casebre erguido com tijolos, mal pintado, é que não tem caimento, inclinação. Ou seja, a água cai sobre as telhas e não escorre. Acaba entrando nas emendas entre uma e outra telha, desce pelo forro de madeira e faz o estrago. Até isso é uma necessidade da “miss sem teto”.
— É que eu ganhei, e fizeram assim. Eu não entendo disso, então não podia nem reclamar. O ideal é se alguém ajeitasse isso — afirma.
Fala, Luciane:
Desfilando
Quase todos os dias a viúva – pela segunda vez há oito anos – vai ao centro da cidade onde é conhecida de muita gente. Nem paga a passagem do ônibus. Usa da sinceridade para dizer ao motorista e cobrador que não tem recursos. Nas lojas e às pessoas, em meio ao agito comercial, apela por ajuda para comprar comida. E roupas. É no que emprega o pouco que consegue.
— Essa minha situação é toda resultado do acidente. Eu sempre fui bem disposta, estudei e terminei o ensino médio, cheguei a trabalhar, mas hoje não posso por causa dos problemas que tenho e dos medicamentos controlados que tenho que tomar — explica.
Para agravar o quadro, os filhos mais velhos, de 21 e 19 anos, que poderiam ajudá-la, estão desempregados. O apoio que tem é dos pais, que auxiliam na manutenção de dois dos filhos, de 16 e 14 anos. Os dois menores, de nove e sete anos moram com Luciane no casebre que fica nos fundos da casa dos pais, no 1.128 da rua Dom Feliciano.
A gremista fanática, que já ganhou até camisa oficial do Grêmio, que se expressa com facilidade e demonstra ter bons conhecimentos de português, não professa nenhum credo religioso, mas garante que acredita em Deus.
— Se Deus não existisse, certamente eu e meu filho não estaríamos aqui. Foi Ele quem nos salvou. Se estamos vivos foi por milagre — garante a mulher que já tem rugas no rosto e as mãos calejadas, do alto do seu 1,60 metros e 49 quilos.
PARA AJUDAR
Rua Dom Feliciano, 1.128
Telefone: (51) 993830751