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A disparada da violência em Gravataí e no Rio Grande

A tragédia em uma festa na Morada do Vale, onde duas pessoas morreram e várias ficaram feridas, veio para confirmar o que nós já intuímos: a criminalidade explodiu em Gravataí nos últimos anos. Toda semana há algum tiroteio, guerra do tráfico na periferia e até a filmagem da execução de dois criminosos por uma quadrilha rival, na qual eles foram obrigados a abrir a própria cova, em um vídeo que correu o mundo. Eu me lembro que, quando era adolescente, era muito mais seguro andar à noite em Gravataí e quase não nos preocupávamos com assaltos – bem diferente da realidade de Porto Alegre e de outras cidades da região metropolitana na época.

Bem, como separar a impressão da realidade? 10 em cada 10 pessoas costumam dizer que “no passado tudo era melhor”. Para evitar esse subjetivismo, dei uma olhada nos dados da segurança pública estadual, compilados pela Fundação de Economia e Estatística do Estado (FEE), que, aliás, o atual governador pretende extinguir). Como é de praxe em criminologia, utilizei a taxa de quantas pessoas são assassinadas a cada 100 mil habitantes em um ano. Homicídios são os dados mais confiáveis sobre segurança pública, pois, quase sempre, são registrados, ao contrário de roubos, agressões ou furtos – os quais, grande parte das pessoas nem se dá ao trabalho de registrar. Assim, se os furtos registrados aumentam em dado lugar, isso pode indicar apenas que as pessoas estão mais dispostas a registrá-los, ao contrário dos homicídios. O resultado é o seguinte:

Quando comparamos Gravataí com as grandes cidades da região metropolitana de Porto Alegre, notamos que, de fato, Gravataí era bem menos violenta há alguns anos e hoje está quase tão violenta quanto Porto Alegre ou Canoas – mas ainda menos violenta do que Viamão ou Alvorada (cujos dados confirmam a fama). Chama a atenção, também, que a violência cresceu em todas as cinco cidades desde o início do milênio. E o pior é que até 15 de setembro de 2017 (última informação que encontrei na imprensa) ocorreram 120 homicídios na cidade. Se o ritmo se mantiver até o final do ano, com base em uma regra de três simples, chegaremos a 170 homicídios. Isso levaria à terrível taxa de 61,8 homicídios a cada 100 mil habitantes, o que nos colocaria próximos da taxa do segundo país mais violento do mundo, Honduras, com 63,75. Ou seja, se Gravataí fosse um país, em 2017, seria o terceiro país mais violento do mundo. Porém, com a chegada dos reforços da Brigada Militar nos últimos dias, felizmente, espera-se que haja menos homicídios do que essa projeção. Cabe lembrar que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera uma taxa superior a 10 homicídios a cada 100 mil como “epidemia de violência”. Ou seja, estamos há cerca de uma década vivendo na pele as consequências dessa triste epidemia.

Esses dados podem nos causar uma impressão bem ruim sobre o que o futuro nos espera. Ocorre que, hoje, já se sabe que o passado foi muito pior. Estudos de criminologia histórica mostram que a agora pacatíssima Europa chegava a ter taxas de homicídios na casa dos 100 por 100 mil habitantes no final da Idade Média (hoje tem menos de 1 por 100 mil) e os EUA, que hoje tem cerca de 4 por 100 mil, tinham um número na casa das centenas durante o período colonial e a conquista do Velho Oeste (os filmes de cowboy não exageravam a violência daquela época). Pior ainda – estudos arqueológicos mostram que, entre os homens pré-históricos, a taxa poderia chegar aos milhares para cada 100 mil. Ou seja, a pré-história, a Europa Medieval e o Velho Oeste ainda eram muito piores do que a Gravataí de 2017. O sociólogo alemão Norbert Elias chamou essa incrível redução da violência no longo prazo de “processo civilizador” (incrível é o fato de ele ter previsto o fenômeno já nos anos 1930, muito antes desses dados que citei acima se tornarem disponíveis).

No Brasil, infelizmente, não temos nenhum dado nacional anterior a 1980. Apesar disso, nada nos leva a pensar que aqui tenha sido diferente da Europa medieval e dos EUA da “conquista do oeste”. É muito provável que nossas taxas de violência no período colonial (e, talvez, no século XIX) fossem muito maiores do que hoje. O fato, porém, é que desde 1980 a violência tem crescido muito. Saímos de uma taxa de cerca de 10 homicídios naquele ano para quase 30 no final dos anos 1990. Desde então, com algumas flutuações, a taxa nacional brasileira se mantém mais ou menos a mesma. Ou seja, em nível nacional, não há um crescimento significativo da violência. Isso ocorre porque alguns estados tiveram reduções da violência incríveis (como São Paulo e, em menor grau, Rio de Janeiro, por exemplo), enquanto, em outros, ela não para de crescer (especialmente no Nordeste e no nosso querido Rio Grande do Sul). Abaixo comparo as taxas de homicídios de Gravataí com as do Brasil, do RJ e de SP (infelizmente, não tenho disponíveis os dados de 2016 nesses casos. Para os dados de outros estados e do Brasil, a fonte é o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, IPEA.

Gravataí, no começo dos anos 2000, tinha taxas de violência inferiores às da média do RS e muito menores do que as do Brasil, do RJ e de SP. Desde então, porém, a criminalidade gravataiense disparou, a do Brasil se manteve mais ou menos estável, a de SP caiu muito e do RJ também, em menor grau. Hoje, Gravataí é mais violenta do que o Rio de Janeiro. Pior ainda é quando comparamos a proporção das taxas de violência de Gravataí e de outros lugares ao longo dos anos.

 

Esse gráfico pode parecer mais complicado, mas é muito fácil de ler. Em 2003, Gravataí teve uma taxa de violência quase 11 vezes menor do que a do Rio de Janeiro. Hoje está praticamente igual. Em 2003, o estado de São Paulo era 7 vezes mais violento do que Gravataí. Hoje é 60% menos violento. Mesmo em comparação com nossas vizinhas Porto Alegre e Alvorada, a situação é dramática. Em 2003, Gravataí era 5 vezes menos violenta do que Alvorada e mais de 4 vezes menos violenta do que POA. Em 2016, essas cidades eram apenas levemente mais violentas do que Gravataí. Ou seja, a bucólica Aldeia dos Anjos perdeu sua relativa tranquilidade de forma acelerada. Não é apenas uma “sensação” de insegurança. Gravataí e o Rio Grande do Sul estão se tornando bem mais violentos.

Por que isso aconteceu? Por enquanto, eu apenas descrevi o que se passou nos últimos anos. Na coluna da próxima semana, tentarei lançar algumas hipóteses para explicar essa escalada da violência na nossa querida cidade.  

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