jeane bordignon

A doce delícia de ’saruazear’

Nas nuvens ainda com o sarau da última quinta-feira. Depois de quase dois anos restrita aos encontros poéticos virtuais, aos poucos vinha tendo o prazer do retorno às atividades do Clube Literário de Gravataí. Mas este sarau Mulheres em Destaque foi especial.

Nosso querido Quiosque da Cultura ficou cheio de arte, poesia e boas energias. Tantas mulheres poderosas com versos de força. Alguns homens também participaram, com homenagens carinhosas. Todos os presentes pareciam sintonizados na mesma vibração. Coisa que há tempos eu não via (apesar de algumas ausências sentidas – Max e Sandra, nenhum evento é o mesmo sem vocês).

E foi lindo ver o microfone recebendo não só a “velha guarda”, mas também a nova geração, como a Dandara Cruz Ennes e Laís Ramos. Como tia quarentona que sou, fico com o coração quentinho de saber que novas poetas estão surgindo e descobrindo a magia dos saraus.

Eu até descobri tarde. Já havia participando de alguns encontros do Clube Literário de Gravataí, mas foi só em 2013, já com meus 30 e poucos anos, que fui “picada” pelo bichinho do sarau. Mais especificamente em outubro, no aniversário de um ano do Gente de Palavra. Já havia publicado em algumas edições, mas pela primeira vez participei do evento, no finado bar Tutti Giorni II, em Porto Alegre.

Como já contei em outra coluna, cheguei completamente introvertida. Comprei uma taça de vinho e me escondi num canto, convencida a ficar apenas assistindo. Só que me escondi tanto que não conseguia enxergar os poetas… tive que me aproximar mais do centro da ação. Até que o Renato de Mattos Motta me olhou e disse “Vem ler esse”, de um jeito impossível de fugir. Ou talvez o vinho já estivesse fazendo efeito.

Passado o primeiro bloqueio, passei a frequentar o Gente de Palavra e a tomar gosto pela poesia falada. De início, ainda lia baixinho e encabulada, mas depois de uns toques do Renato, soltei a voz. Até comecei a interpretar poesia, com Santa Sangre, que nasceu nessa época (mas está melhor agora, com um melhor parceiro de cena).

No ano seguinte fui morar no Rio de Janeiro e cheguei lá numa época de efervescência. Se você quisesse, podia ir a sarau todos os dias, até mais de um por dia. De diversos formatos: em centros culturais, bibliotecas, livrarias, praças, nas calçadas… Um mapeamento feito pelo Coletivo Peneira em 2015 registrou mais de 130 saraus periódicos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Eu frequentei muitos, desde a livraria chique do Leblon, o auditório da Casa da Leitura em Botafogo, até o viaduto de Realengo e a biblioteca pública de Bangu. Com um microfone e uma caixa de som, qualquer lugar vira palco. O que faz um sarau acontecer é o encontro de pessoas com vontade de dizer e trocar poesia.

E quando essa vontade é intensa, nem microfone precisa. Sinto saudade dos saraus mais informais, como Ratos DiVersos, Ameopoema e Boto Fé, onde era apenas livro na mão e voz ao vento. Na pracinha da Lapa, numa calçada, na Cinelândia, numa escadaria… apenas poetas e poesias, sem artifícios.

Confesso que concordo com Sergio Sampaio: “Lugar de poesia é na calçada”, e esses saraus me faziam vivenciar esse verso. Se o artista tem que ir aonde o povo está, nada mais certo do que partilharmos nossa poesia com quem estiver com os ouvidos abertos a ouvir. É uma forma também de desconstruir uma imagem elitizada que muita gente tem da literatura.

Outra iniciativa do tipo, ideia do amigo Conrado Gonçalves, foi o Círculo de Leitura de Poemas na Rua. Basicamente era a mesma turma do Ameopoema, que se reunia ao pôr do sol, numa rodinha no chão mesmo, ou em bancos, e lia poesia enquanto fosse possível enxergar as letras. Fizemos na praça do Museu do Amanhã, na Cinelândia, na Praça XV… e a Cidade Maravilhosa tem a vantagem de ser sempre um belo cenário.

Tínhamos, de certa forma, a energia do artista mambembe cantado pelo Chico Buarque: “No palco, na praça, no circo / Num banco de jardim…”

Saudades desses momentos…

Aqui em Gravataí temos o Parcão, que bem que seria um espaço bacana para uma roda de leitura despretensiosa. Se alguém tiver a fim, levo esteira e livros. Inclusive o Clube já fez saraus no Parcão, mas dentro de evento, com palco, estrutura grande, uma outra dinâmica. Toda troca poética é gostosa, mas podemos pensar em possibilidades mais simples também.

Também não vejo a hora de estar presencialmente com os amigos do Gente de Palavra, coisa que a pandemia e o bolso ainda não permitiram desde a minha volta. Mas nos encontramos virtualmente, o que não deixa de ser ótimo.

Os saraus virtuais, assim como os presenciais, têm sido alimento e energia. Nesses dois anos de recolhimento, ouvi tanta poesia de qualidade, conheci pessoas maravilhosas e encontrei mais uma porção de amigos. Atualmente, começo e termino a semana no sarauzeando. Na segunda-feira, com o Reverbera Poesia, do Dan Juan, e no sábado com o Sarau da Invencionática, da Manuela Dipp. Meus saraus-xodós.

No meio ainda tem a Pelada Poética nas quartas-feiras, do Eduardo Tornaghi. Tem sarau na terça e na quinta também, eu é que não dou conta de participar todos os dias. Mas a cada três sábados, faço uma maratona emendando o Sarau das Minas com a Invencionática. A coluna grita, mas a alma fica leve…

Sarau é vida!

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