coisas da vida

A estante, o livro e o poeta

O marceneiro ia de ônibus para o trabalho e levava, sobre sua mala de ferramentas, um livro de Mário Vargas Llosa. Contou que as pessoas olhavam-no de forma estranha: um operário lendo no ônibus era algo um tanto raro.

Naquele dia, recebeu um serviço: fazer estantes de livros, na casa de um escritor famoso, mais precisamente um poeta. Ao fazer as medições necessárias, disse que havia livros espalhados por todos os lados da sala, e por isso lembrou da sua filha.

A filha do marceneiro estudava Letras na Universidade em que o poeta dava aula. Ia de trensurb e levava, sobre a bolsa de trabalho, um livro de poemas. Sem saber, reproduzia inconscientemente o ensinamento do pai.

Numa das noites de aula, organizou um trabalho com a turma da faculdade: escrever, editar e publicar um livro de contos.

O almoço, no domingo seguinte, foi a ocasião em que pai e filha comentaram suas tarefas cotidianas:

– Estou fazendo uma estante de livros na casa de um poeta.

– Vou lançar um livro de contos com uns colegas.

Depois de algumas semanas, a estante ficou pronta. O livro de contos também.

No dia do lançamento, a Livraria de Porto Alegre estava lotada. Havia fila.A filha do marceneiro estava nervosa com tantos autógrafos. Mesmo sendo um livro coletivo, aquela era sua estreia.

Escreveu algumas dedicatórias e levantou a cabeça, enxergando quem estava ali: o escritor, em cuja casa o marceneiro havia feito estantes de livros. Não pode deixar passar a oportunidade:

– É uma honra eu estar aqui autografando um livro pra ti. Mas quero te fazer um pedido: coloca este livro na estante que meu pai fez, na tua casa.

O poeta estranhou. Mas, depois de receber a devida explicação, disse que não havia poema – nem encontro – mais belo que esse.

Naquela noite, a estante feita pelas mãos calejadas do marceneiro recebeu o livro que sua filha escrevera.

Um pai sorria de orgulho, com a sensação de dever cumprido.  Um poeta sorria da coincidência do encontro. Uma filha sorria porque estava feliz, e muitos eram os motivos.

 

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O marceneiro é Álvaro, meu pai. Eu sou a estudante de Letras. O poeta é o Fabrício Carpinejar.

E eu tenho muito orgulho dessa história e desse feliz encontro.

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