Há uma certa excitação em torno da convocação de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro, para depor na CPI do Genocídio. É como se enxergassem uma pequena chance de chegar ao resto da família com alguma consequência. Porque até agora não há quase nada de efetivo.
Os Bolsonaros parecem relaxados. No fim de semana, Flavio Bolsonaro foi flagrado, poucos dias depois do que deveria ter sido o anúncio do golpe, no 7 de setembro, estirado sob uma tenda com a família nas areias de uma área de proteção ambiental dos lençóis maranhenses.
Os filhos de Bolsonaro fazem questão de nos insultar com essa aparente certeza de que nenhum deles teme nada, porque nunca serão punidos.
A ostentação dos garotos nos joga na cara a empáfia da ociosidade exibicionista dos que se consideram blindados e impunes. Os Bolsonaros são folgados.
São atitudes que ofendem e ampliam o cansaço diante da ausência de perspectivas mais concretas de que um dia eles cairão. Travam ou adiam no Ministério Público e no Judiciário tudo o que envolve Flavio e as rachadinhas.
Andam para os lados as investigações sobre os rolos semelhantes de Carluxo. Não se sabe nada da evolução das sindicâncias sobre fake news e os atos pró-golpe comandados por Eduardo e os outros dois rapazes.
Todas as notícias sobre crimes, delitos e desvios da família Bolsonaro nos conduzem para o mesmo lugar, como se a repetição de informações fosse o que as instituições podem nos oferecer para nos aquietar.
Por isso a convocação da ex-mulher de Bolsonaro sugere a chance da novidade e de alguma ação consequente que fure a blindagem da estrutura familiar. Mas quem seria Ana Cristina Valle nos esquemas dos Bolsonaros?
A CPI descobriu que ela trocava mensagens com o lobista da Precisa Medicamentos Marconny Albernaz de Faria e atuaria como lobista de lobistas para indicar amigos para cargos públicos. Parece pouco.
Ana Cristina teria tentado convencer alguém de dentro do governo a indicar alguém ligado a Faria para o cargo de defensor público-geral federal, que atua na Secretaria Geral da Presidência.
A família atua em todas as áreas, das rachadinhas, da cloroquina e da Ivermectina, passando pelo mercado imobiliário e pelas vacinas. Que mal tem fazer lobby, se os garotos fazem coisa muito pior?
O que pode acontecer no depoimento de Ana Cristina é a perda do controle da situação, com algum fato ou um gesto que desestruture a testemunha. Bolsonaro não vai querer ver a ex-mulher em situação difícil.
Nem a ex-mulher nem o filho Renan, o 04, que aparece como promessa de ser um dia o melhor de todos, o mais completo, o mais dinâmico, o que joga em todas as posições.
A turma de oposição na CPI espera pegar Ana Cristina para se aproximar de 04? Mas o rapaz nem tem ainda, pela pouca idade, um acervo de confusões capazes de configurar um grande escândalo. Até porque nada mais é escandaloso em Brasília.
Ana Cristina já coordenou rachadinhas e agora faz lobby e protege o filho, que é protegido e dá proteção às facções que circulam em torno do governo, pegando sobras do butim da guerra de gangues.
Lobistas dão presentes e ajudam Renan a abrir sua empresa. É quase singelo, ainda é um aprendizado, é amador, é menos do que uma Fiat Elba.
Mãe e filho surgem como peças novas de parte de uma engrenagem antiga, que envolve facções profissionais do centrão, coronéis atrapalhados do time de Pazuello, cabo da polícia militar e escroques de todos os tipos misturados às milícias sem fuzis criadas pela pandemia.
Acreditar que o depoimento de Ana Cristina pode fazer a roda girar é apostar no improvável. A ex-mulher e o filho menor são da periferia da estrutura da família.
O núcleo gestor dos negócios próprios e das franquias dos Bolsonaros, em todas as áreas, continua intacto, apesar das notícias de que pai e filhos estão cercados.
Um chefe de quadrilha, assim enquadrado pelo Ministério Público do Rio, não viaja tão longe, para ficar com os pés de molho nas águas dos lençóis maranhenses, se estiver de fato sob o cerco da Justiça.