A Varanda do Frangipani, romance do autor moçambicano Mia Couto, traz uma história intrigante. Um xipoco, ou melhor, um fantasma, passa a habitar o corpo de um investigador, que vai até uma comunidade isolada investigar a morte do diretor de um asilo.
Todos os personagens dão suas próprias versões para o fato, em relatos contraditórios nos quais, muitas vezes, declaram-se culpados. A narrativa é repleta de humor, suspense e lirismo, elaborados numa linguagem apaixonante, como costumam ser os romances do autor.
O livro, porém, está longe de ser apenas um romance policial. Traz consigo os conflitos característicos da história de Moçambique: colonizador e colonizado, brancos e negros, paz e guerra.
Além disso, ao desvelar histórias individuais, ecoa a história de uma grande comunidade que – aqui reside o aspecto universal – ao ignorar e perder, pouco a pouco, os seus “mais velhos”, está perdendo também o seu passado.
“O mundo, lá fora, tinha mudado. Já ninguém respeita os velhos”, pensa o personagem Salufo Tuco, que sai do asilo e retorna profundamente magoado com o que viu.
A memória individual que perece reflete-se na perda da memória coletiva. Dessa trajetória e desse enredo, tiramos proveitosas reflexões. É fácil, hoje, encontrarmos um jovem olhando para o celular, mas é difícil acharmos quem tenha a paciência de escutar os relatos dos mais velhos.
Ou até nos deparamos com “ahãs” ditos sem pensar, para fingir uma escuta atenta, quando, na verdade, o olho ainda está grudado na tela.
No que isso se reflete? Numa sociedade que não valoriza o passado e que, portanto, não tem como aprender com os próprios erros.
Tornar optativa grande parte da carga horária do ensino de disciplinas humanas, como História, Sociologia, Filosofia é uma consequência direta disso.
No contexto pragmático e consumista em que vivemos, talvez poucos estudantes (eu até gostaria de crer que isso é pessimismo meu) tenham paciência para “perder tempo” estudando o pensamento filosófico e o passado.
É preciso aprender a trabalhar logo, para sustentar a família, para comprar um celular, para viver o hoje. Somente o hoje.
E, assim, acumulamos equívocos.
“É um golpe contra o antigamente”, como bem diz a personagem Marta.
Que a Literatura ainda nos permita esse espaço: de sentir prazer em ler, em conhecer outras culturas, outras realidades, e de termos contato com outras reflexões tão locais e, ao mesmo tempo, tão universais.
Mia Couto é um ótimo autor para enveredar por esse caminho.