A aposta na eleição futura une um conjunto de passados em torno de Daniel Bordignon. Além de seu legado, o popular ex-prefeito testará a fama de ‘Grande Eleitor’ tendo a frente três mulheres: a esposa Rosane, vereadora eleita e segunda colocada na eleição suplementar de 2017 com 44 mil votos; a candidata a prefeita Anabel Lorenzi, 40 mil votos em 2012, 25 mil em 2016 e 23 mil em 2017 e, a novidade, Lisiani dos Santos, filha do lendário ex-prefeito Abílio Alves dos Santos, que em 27 de agosto completa três anos de falecimento.
Na eleição para a direção do PDT neste julho, Bordignon, ainda com os direitos políticos suspensos até 29 de setembro de 2020, o que, na última década, o tirou das urnas ao ‘pedir música no Fantástico’ em impugnações, recebeu a deferência de presidente de honra; Anabel foi eleita presidente e Rosane e Lisiani as vices.
O Seguinte: foi até a casa de Lisiani ouvi-la sobre a decisão de trocar os bastidores da política pelas urnas. Ela ainda não admite, mas dirigentes que pedem anonimato confirmam que será ou vice de Anabel ou candidata à Câmara de Vereadores.
Na entrevista, produzida nesta manhã, na casa de Lisiani, no Dom Feliciano, além dos traços no rosto, a educadora organizacional e dona do tradicional posto de gasolina da família, em Morungava, parece o pai na empolgação com que fala daquilo que descreve como a causa que herdou: fazer política para os mais pobres.
– Meu pai era meu super-herói. Pequenina, eu ficava maravilhada com a festa de Natal que ele fazia para as crianças pobres no Cerâmica. Eu não ganhava brinquedo, mas pensava: meu pai traz o Papai Noel para todas essas crianças! E assim ele foi pela vida, sempre ajudando pessoas que às vezes pareciam invisíveis aos outros – emocionou-se, ao lembrar histórias do ‘pai dos pobres’, enquanto a cadelinha Dori fazia a festa roendo tapetes pela casa e a veterana Puca observava a conversa, deitada numa caminha.
– Está bem velhinha. Foi o pai que me deu.
Siga a conversa como transcorreu.
– Só não faz como fazias às vezes com o pai, dando muito pau (risos)
Seguinte: – Ser filha do Abílio é uma grife na política de Gravataí. Quais teus planos?
Lisiani – Demorei quase três anos para me permitir pensar em voltar a viver a política com intensidade. Com a morte do pai, perdi a base familiar. Primeiro perdemos o Vânius (irmão, falecido em 1987, aos 27 anos, em um acidente automobilístico), depois a mãe (Ireny, em 2011) e, em 2016, o pai. Sofremos com o luto, ele era um avô-pai para minhas meninas (Paloma, 27, psicóloga e Cássia, 18 anos, estudante e ex-jogadora do Inter). As pessoas me diziam, desde o velório, que eu deveria manter vivo o legado do pai. Senti que não poderia ser omissa, que algo estava faltando. Ele mesmo dizia que tínhamos nascido políticos. O vô Almiro dos Santos foi vereador na época em que não se recebia nem salário. Sempre acompanhei o pai e gostava como ele de andar na vila, de ver onde a vida acontece; que não é e nunca foi aqui no Centro, nem atualmente nas redes sociais. A gente pobre experimenta um descrédito muito grande com a política, mas não pode ser abandonada. O pai vivia para ajudar ao próximo, principalmente os mais carentes. É também a minha causa. Sobre concorrer a algo, ainda não sei.
Seguinte: – Abílio passou por altos e baixos na política. Tiraste qual lição?
Lisiani – Nunca esqueço um dia que, adolescente, comentei com o pai que algumas pessoas o chamavam de ladrão. Ele disse: filha, tu pode andar no Centro e em qualquer lugar de cabeça erguida que nunca peguei um tostão de ninguém! Ele perdeu os direitos políticos por oito anos por dar ranchos, dentaduras, telhas, chão e emprego para as pessoas. Era outra época! Restava fazer isso aos políticos que queriam ajudar o povão. Não tinha grandes projetos, financiamentos e recursos como há hoje em dia. Dar essa ajuda era a grande causa do pai. Ele sofreu, mas tinha orgulho de ter ficado afastado da política por ter ajudado tanta gente. Orgulho que tinha e tenho dele. Não só eu, muita gente.
Seguinte: – No século passado, em entrevista na casa de Morungava, Abílio me disse acreditar que foi induzido por Edir Oliveira a renunciar e apoiá-lo à Prefeitura, em 92, sob a justificativa de que seria impugnado e o partido ficaria sem candidato. Publiquei na época no Correio de Gravataí.
Lisiani – (silêncio) Se ele te disse que foi enganado é porque foi. O pai não mentia. Naquela eleição, transferiu os votos para o eleito (Edir). É uma semelhança que ele e Bordignon têm, além de gostaram do povo. As pessoas sentem isso. Em 2004 só não foi prefeito por detalhe, mesmo enfrentando toda máquina da Prefeitura. E ele não guardava rancor, era puro coração.
Seguinte: – Ao dizer que Abílio “não guardava rancor” justificas a aproximação dele, em 2012, com um adversário desde sempre, que era Bordignon; e à reaproximação em 2016 com Marco Alba, que tinha sido seu secretário, mas, da mesma forma que Bordignon, votou pela rejeição das contas como prefeito em 88?
Lisiani – (silêncio) Você que está dizendo. O pai falava que isso era da política, mas acho que são casos diferentes. O adversário é o adversário, já traição por alguém que participou de teu governo, ou era do teu partido, é diferente… Quando o pai apoiou o Bordignon em 2012, eu votei na Anabel. E ele me disse: filha, a gente não faz política pelos interesses pessoais, ou com rancores e picuinhas, vou me unir com Bordignon pelo bem do povo.
Seguinte: – A última entrevista de Abílio foi para mim, publicada no Seguinte:, em 2016, quando ele anunciou apoio a Marco Alba.
Lisiani – À época o pai já estava sofrendo as conseqüências da quimioterapia e nem podia fazer campanha. Mas o pai era assim, bondoso. Solidarizou-se com o pedido do Marco. O pai era nobre.
Seguinte: – Marco foi o idealizador da UPA da 76 se chamar Abílio Alves dos Santos. Discursaste na inauguração inclusive. Teu ex-marido, Laone Guimarães, também fez parte do governo. Por que estás na oposição ao Marco?
Lisiani – Votei na Anabel em 2012 e 2016, mas pela questão familiar, não fiz campanha. Aceitamos com orgulho a homenagem ao pai, principalmente num serviço de saúde que recebe as pessoas mais necessitadas, um lugar onde o povo está. O Marco tem seus méritos, mas minha causa é outra. Entendo que não adianta ter 20 pontes do Parque dos Anjos, 20 avenidas Centenário, e faltar pediatra, faltar creche, ter esgoto a céu aberto, o professor estar desvalorizado… Para mim, como para o pai, cuidar das pessoas é outra coisa! Muita gente quando me encontra lembra que o pai ajudou algum parente, que estudou porque o pai conseguiu uma bolsa. Pode chamar de populismo, mas era a época dele. Com o orçamento que Gravataí tem hoje dá para fazer muito mais coisas pelos pobres. Hoje vejo muito concreto e pouca humanidade.
Seguinte: – Achas que o eleitor entende essas idas e vindas da política, com ex-adversários hoje unidos?
Lisiani – Anabel, Rosane, Bordignon e eu procuramos unir o que temos de melhor. Já aprendemos com erros e falhas do passado. Eu e o pai debatíamos muito, da mesma forma que acontece com minhas filhas. Adoro o barulho da minha casa. Vejo a política da mesma forma.
Seguinte: – Insisto: és candidata a vice ou a vereadora? Tua eleição como vice-presidente logo após a filiação mostra prestígio no partido e junto a Anabel e os ‘Bordignon’.
Lisiani – No momento só penso em me dedicar para eleição da Anabel. Lembro da eleição de 98, quando o pai voltou e foi eleito deputado. Fazíamos xerox de santinhos, não tínhamos um real, mas andávamos toda cidade, o pai com aquele abrigo dele, aquela empolgação de conversar com as pessoas. Emociono-me a cada vez que me pedem para concorrer, para representar meu pai. Inclusive preciso trabalhar isso, porque sempre choro.
Seguinte: – O PDT parece usar vocês, as três mulheres, como um símbolo. Mas a única prefeita mulher foi cassada em 2011, e Gravataí nas eleições do ano passado, apesar das pesquisas mostrarem maior popularidade entre os homens, deu sete a cada dez votos para Jair Bolsonaro. O machismo não assusta?
Lisiani – O caso da Rita Sanco foi ímpar. Tiraram-na mais por maldade do que por machismo. Eu, Anabel e Rosane estarmos à frente desse projeto não tem a ver com enfrentar Bolsonaro, mas sim com o empoderamento feminino. Somos três mulheres da área da educação, que é o que transforma. Nossa mensagem é simples: somos das causas populares, queremos governar para os mais pobres e valorizar os professores porque só a educação muda a vida das crianças, dos jovens e das famílias. Quero manter vivo o legado do pai e, para isso, estou dando a cara a tapa. Não adianta me dar flores que não vou aceitar. Minha missão é a causa social.
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