A freira má
Fiquei de cabelos em pé na primeira vez em que ouvi falar sobre o Index Librorum Prohibitorum, o índice dos livros proibidos pela Igreja Católica, criado em 1559 e atualizado até 1948, mas que só foi abolido de fato em 1966.
Até então, não tinha ideia de que livros pudessem ser proibidos, pois estava acostumada a ler o que bem entendesse dos que havia lá em casa, a maioria da mãe.
Aos dez anos, quando minha irmã Bia e eu fomos para o internato, descobri que havia por lá algo bem parecido com o Tribunal do Santo Ofício, que administrou o Index por séculos.
Passávamos a semana inteira naquele colégio tedioso, e só nos deixavam ir para casa no domingo, depois da missa. Então, eu aproveitava para pegar ao menos um livro, lá em casa, para ler até a próxima saída, se passasse pelo crivo da Madre Catarina.
Alguns passavam, mas chegava a levar semanas para que me fossem devolvidos, ou seja, o tempo necessário para que ela não só os analisasse, mas também os lesse de cabo a rabo.
Em outras ocasiões, ela devolvia o livro ao pai, quando ia nos buscar — nunca antes do tempo que precisava para lê-lo —, recomendando que fosse guardado fora do meu alcance. Foi esse o destino da maioria das obras de Jorge Amado, que só consegui ler nas férias.
Um dia, ganhei o Joana D’Arc, de Mark Twain, que estava louca para ler, e, quando o entreguei à Madre Catarina, percebi um brilho estranho no seu olhar.
Dali em diante, supliquei que o devolvesse durante meses, e nada. Quando, afinal, voltou a minhas mãos, estava bem deteriorado, e deduzi que havia sido lido por todas as freiras do colégio.
Anos depois, a mãe chegou em casa, um dia, com a notícia de que a Madre Catarina havia morrido, e a Bia que, como eu, tinha péssimas lembranças dela, correu pra se explicar: “Mãe, eu juro que não fui eu que lhe roguei praga!”.
Eita freira sacana aquela!
E a freira boa
Pois é, aquela era a típica “escola de esperar marido”, onde, além das matérias regulares, apreendíamos tudo o que era supostamente necessário para nos tornarmos moçoilas prendadas, capazes de administrar uma casa.
Isto incluía os mais variados trabalhos manuais, e eu abominava todos eles, sobretudo os bordados: ponto cheio, ponto atrás, ponto de cruz, ponto corrente… Aquilo não acabava nunca!
E daí chegamos ao famigerado bordado de vagonite, que consistia em criar desenhos passando a linha pelos buraquinhos de um tecido especial.
Lembro de mim chorando sobre um bordado desses, que precisava apresentar no dia seguinte, pois valia nota. Mas, quando estava ali, me sentindo mais infeliz do que a Gata Borralheira, apareceu a Madre Conceição, uma freira jovem que cuidava dos banheiros do Internato, e sussurrou no meu ouvido: “Quando fores tomar banho, deixa o bordado comigo e fica o máximo de tempo possível no chuveiro.”
Fiz isso e, uma hora depois, eu o recebi de suas mãos prontinho para ser entregue. Era como se a Fada Madrinha tivesse aparecido para me salvar de uma desgraça iminente.
Eu sempre achei que aquela freira devia ser canonizada…