ANDREA CANTELLI

A galinha desinformada: o realismo de Marlon Brando

Sabe quando você lê algo tão genial que imediatamente pensa: “Preciso escrever sobre isso”? Foi exatamente o que aconteceu quando me deparei com uma crônica do icônico Luis Fernando Veríssimo, que me fez dar boas risadas e, ao mesmo tempo, refletir profundamente sobre a vida e sobre o que, afinal, significa realmente “interpretar”. O tema central era uma história curiosa e quase hilária sobre Marlon Brando, o gigante do cinema, e um exercício nada convencional proposto por Lee Strasberg, seu mestre no famoso curso de interpretação. E é sobre isso que vou contar agora, inspirada por Veríssimo, claro, e pela história da galinha de Brando.

Imagine a cena: um galinheiro, aparentemente comum, mas com um toque de surrealismo. Lee Strasberg, o renomado professor de atuação, propôs um exercício nada menos que intrigante para seus alunos. A tarefa era simples: todos deveriam se comportar como galinhas dentro de um galinheiro prestes a sofrer um ataque nuclear. Um cenário apocalíptico e angustiante, certo? O caos seria inevitável. As galinhas, criaturas instintivas por natureza, começariam a ciscarejar desesperadas, os olhos arregalados, as penas eriçadas, tentando entender o que estava acontecendo. Todos, sem exceção, deveriam reagir a essa iminente tragédia. Todos, menos um.

Lá estava Marlon Brando, em seu poleiro imaginário, inabalável, com os olhos serenos, como se o apocalipse fosse algo perfeitamente normal. Era como se o mundo estivesse acabando ao redor, mas Brando, em sua galinha desinformada, permanecia imóvel e tranquilo. Quando o exercício terminou, Strasberg, esperançoso por alguma explicação brilhante, olhou para Brando, que, com sua calma característica, respondeu: “Como uma galinha saberia que está prestes a acontecer um ataque nuclear?”
Silêncio.

E ali estava a chave para entender o que Brando queria nos ensinar: a galinha não sabia do cataclismo, e por isso não se agitou. Sua natureza não envolvia antecipação ou preocupação com algo que não era real para ela. Brando, com sua genialidade, havia se desapegado da visão dramática e do medo, abraçando o que era, na verdade, o realismo puro: a galinha não sabia e, portanto, não se abalaria.

A história, hilária e ao mesmo tempo reflexiva, foi meu ponto de partida para essa crônica. Enquanto me divertia com a situação — o mestre Strasberg tentando incutir pânico nas galinhas e Brando, o “estranho” do grupo, mantendo-se tranquilo em seu poleiro —, comecei a refletir sobre a nossa própria maneira de viver. Quantas vezes não nos agitamos sem necessidade, antecipando catástrofes que sequer existem? Às vezes, vivemos como aquelas galinhas nervosas, correndo de um lado para o outro, nos preparando para um apocalipse que só existe em nossas cabeças.

O exercício de Strasberg, que inicialmente parecia ser sobre como reagir ao caos, se transformou, na verdade, em uma lição de como a verdade de uma personagem deve ser compreendida. Marlon Brando não estava apenas atuando como uma galinha; ele estava desconstruindo o conceito de reação exagerada, de medo do desconhecido. Sua galinha não sabia que estava prestes a ser destruída, e por isso ela não se desesperava.

A lição que Brando nos oferece, com sua galinha desinformada, vai além do palco. Ele nos ensina que, muitas vezes, o segredo do realismo e da tranquilidade está em não antecipar o que não sabemos. O segredo está em aceitar o desconhecido sem medo, sem ansiedade. Não é sobre ignorar as dificuldades da vida, mas, sim, sobre entender que, assim como a galinha de Brando, podemos viver sem a necessidade de saber tudo sobre o que está por vir.

E assim, como Veríssimo nos faz rir e refletir, essa história de Brando e sua galinha se tornou para mim uma metáfora viva. Às vezes, devemos ser mais como a galinha desinformada: não sermos obcecados pelo  futuro e, por isso, não nos desesperarmos por antecipação. Quem sabe, se fizermos isso, viveremos mais tranquilos, sem as corridas frenéticas pelo galinheiro da vida.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade