Uma pesquisa realizada em Chicago, nos Estados Unidos, e publicada pelo site Scientific American, aponta que quem costuma conversar com desconhecidos é mais feliz do que quem não faz isto. Bah, então sou feliz à beça, porque converso com desconhecidos o tempo todo! Nas paradas de ônibus e dentro deles; esperando abrir o semáforo, para atravessar a rua; nas filas dos bancos e em qualquer outro lugar, estou sempre puxando conversa com gente que nunca vi antes.
Por esta mania, já fiz um monte de amigos por aí. Lembro, por exemplo, de Hernán e Estelita, um casal de chilenos que conheci no Mercado Santa Clara, em Quito, quando vivia por lá. Eu comprava brócolis e escutei quando ele perguntou à mulher o que seria aquilo. Virei pra eles e disse que se chamava brócolis e que era uma delícia. Então, ela me perguntou como se preparava e foi se aproximando para examinar de perto a novidade.
Eu, que naquela época ainda gostava de cozinhar (Faz algum tempo que me aposentei destas lides…), resumi três ou quatro receitas fáceis e, dali a pouco, estávamos almoçando juntos, na minha casa, e, naturalmente, preparei uma salada de brócolis.
Aqui em Cachoeirinha, tem sido assim desde que cheguei à cidade. Um dia, quando vivia lá na Parada 59, sentou-se ao meu lado, no ônibus da Vicasa (Assim se chamava a Transcal naquele tempo.), uma senhora bem magrinha, que chamou minha atenção por sua tristeza.
De repente, vi que tratava de disfarçar as lágrimas, que escorriam pelo seu rosto.
Sem perguntar o que havia ocorrido (Seria demasiado invasivo, né?), puxei conversa sobre um assunto qualquer, ela se acalmou e passamos a viagem toda no maior papo. Quando desembarcamos do ônibus, ela me abraçou e, num jorro de palavras, contou-me como era difícil sua vida, sobre sua pobreza e sua solidão.
Dias depois, encontrei Dona Magrinha (Não vou contar seu nome, que ainda lembro, por motivos óbvios.), e ela me mostrou um convite que havia recebido: “Olha só, minha patroa me convidou para a formatura do esposo! Mas imagina se vou! O convite inclui a solenidade na UFRGS e festa em um clube de Porto Alegre. Pra isto tem de ter roupa chique, né?”. E eu falei, na hora, que talvez tivesse a solução para esse problema e a convidei a ir a minha casa, quando chegássemos a nossa parada.
Ocorre que, dias antes, meu primo Willy havia aparecido por lá com duas malas grandes, cheias de roupas que haviam sido da tia Alice, sua mãe, falecida há pouco. Ele me falou que não tinha para quem doá-las e pediu que eu as passasse adiante. No dia seguinte, eu as mostrei a uma moça que trabalhava na casa da mãe, que vivia na mesma rua, e ela levou tudo o que lhe interessou, mas deixou para trás alguns vestidos de festa, explicando que não teria onde usá-los.
Quando cheguei em casa com dona Magrinha, abri uma das malas e lhe disse que podia levar o que quisesse, ela nem acreditou. Logo, foi-se embora, toda pimpona, com dois vestidos que lhe agradaram.
Dias, depois, voltamos a nos encontrar, em um ônibus, e ela me contou que tinha abalado na formatura: “Pois te conto que fui à solenidade com o vestido verde, que era mais pra dia, e, depois, saí correndo até meu trabalho, pus o branco, longo, que era mais pra noite, e fui correndo, de táxi, para o tal clube. Eu me senti, Sônia! ”. Quem se sentiu fui eu, pois não sabia o que fazer com aquelas roupas, e serviram para lhe dar um pouco de alegria.
Também foi em um ônibus, aqui em Cachoeirinha, que conheci a “Garota Ilustrada”, uma jovem que tem o corpo coberto de tatuagens coloridas. Como era verão, e estava com os braços e as pernas de fora, observei os motivos de suas tattoos e deduzi: “Ela é de esquerda!”.
Começamos, então, a conversar, e foi me mostrando suas tatuagens e contando a história de cada uma, além dos nomes dos diferentes tatuadores que havia procurado para realizá-las. E, a partir de então, ficamos amigas no Facebook, e adoro ler seus posts, que têm uma baita coerência com suas tattoos.
Anos atrás, veio me visitar um amigo equatoriano e, depois de alguns dias, disse-me que estava tentando entender os brasileiros, e que algo que o desconcertava era o fato de conversarmos com qualquer pessoa na rua.
Daí me lembrei dos meus primeiros tempos no Equador, na década de 80. Os quitenhos me pareciam tão formais e conservadores que decidi descobrir em que bar se reuniam os malucos, na cidade, pois tinha medo de não sobreviver se ficasse convivendo só com os ditos sãos.
Foi daí que conheci o Hojas de Hierba (Folhas de Relva, título de um livro maravilhoso do poeta norte-americano Walt Whitman), frequentado por estrangeiros e gente local que não dava muita bola para as normas sociais vigentes.
Graças àquele paraíso, onde todo mundo falava com todo mundo, meu período de adaptação ao Equador não foi tão traumático quanto se anunciava.