A justificativa da Ford para dar pinote do Brasil é uma cegonha desgovernada no fim do túnel para Gravataí. Pelos mesmos motivos dá para temer que a GM também possa ir embora da aldeia, e da América Latina, como já ameaçou, e fui chamado de urubu em uma série de artigos como O blefe da GM; quem paga esse almoço? e O pinote da Ford e a GM de Gravataí sob ameaça; um test drive do futuro.
Era fevereiro de 2019 e os governos federal e estadual estenderam um ‘auxílio emergencial’, que volta e meia se dá às grandes empresas, gigantes da economia e maiores geradores de emprego, não só no Brasil, como nos EUA.
Sinal vermelho é que, ao anunciar que vai fechar as fábricas de Camaçari, na Bahia, de Taubaté, em São Paulo, e de Horizonte, no Ceará, em 2021, a Ford explicou que o ‘Tchau, Brasil!’ se deve “à persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas”.
Reafirmo meu medo:
Quase 3 a cada 10 veículos novos deixaram de ser vendidos em 2020, conforme a Fenabrave, a associação dos concessionários.
Os 26% de queda nas vendas representam o pior resultado do setor no país desde 2016. Foi a primeira queda nas vendas em 4 anos e o maior tombo anual desde 2015 (26,55%), reflexo do coronavírus.
Se hoje chega a boa notícia de que a GM injetou mais R$ 23 milhões na economia local, com a participação nos lucros e resultados, fechando R$ 51 milhões desde 2020, a empresa anunciou férias coletivas por “falta de peças”.
Em Gravataí, a medida inclui a suspensão da hora a mais diária que vinha ocorrendo e dos sábados de trabalho, além de duas semanas de férias coletivas programadas para março – período que pode ser ampliado para três semanas.
A parada inclui a unidade da montadora e as 18 sistemistas, complexo que conta com cerca de 5 mil trabalhadores.
Só na unidade de Gravataí, em períodos normais, são fabricados cerca 1.320 carros por dia da linha Onix, sorte nossa ainda o mais vendido do Brasil. Mais de 4 milhões de automóveis já foram fabricados no complexo industrial, que completou 20 anos em 2020. Antes das interrupções motivadas pela pandemia, a rotina de produção de montadora e sistemistas era de três turnos, em um esquema sequencial.
Ao fim, a GM ficar mais fechada do que aberta desde março, devido à pandemia, e agora anunciar férias coletivas, já representa um mega contágio econômico da pandemia infectando Gravataí.
A GM responde por 10% do PIB, que per capita ficou em 42.820,82 no ano passado, além de 45% da arrecadação do ICMS, ou R$ 300 milhões nos últimos 12 meses.
Uma GM parada corresponde a um rombo de R$ 10 milhões a cada mês. Ou quase duas pontes do Parque dos Anjos a cada 30 dias.
O efeito está chegando e em 2022 será pior, que é o ano de referência para o ICMS de 2020.
O prefeito Luiz Zaffalon, em sua primeira live, foi transparente ao avisar sobre a crise. Além dos efeitos da ‘GMdependência’ na economia local, tudo o que não foi pago por Gravataí, e pedalado com autorização do governo federal, como a Previdência, cai na conta de 2021 e além.
E é um momento que precisa ser enfrentado sem a ajuda federal para repor os impostos não arrecadados com a economia parada, o que aconteceu ano passado, e, ao menos por enquanto, também sem o auxílio emergencial para manter a economia minimamente funcionando.
A GM nunca fala sobre coisas ruins. Nem para a competentíssima colunista Giane Guerra, de GaúchaZH, muito menos para este aldeano. A manchete deste artigo é uma provocação para a nossa amada empresa responder à sua comunidade.
Ao fim, preparemo-nos. A GM ficar não terá heróis. A GM pinotear não terá vilões. Reputo não é algo que esteja ao alcance de Zaffa, Eduardo Leite ou Jair Bolsonaro.
Olha o que postou nesta segunda-feira a insuspeita Rosane Oliveira, mãe da política no Grupo RBS:
– Vinte anos se passaram desde que o então governador Olívio Dutra (PT), atacado pelos adversários por “ter mandado a Ford embora”, fez uma espécie de profecia (sem estudos técnicos, naturalmente): “Essa empresa quer incentivos fiscais que as nossas não têm. O dia que achar que o Brasil não serve mais, vai embora e não dá nem tchau”.
Concluo eu, parafraseando James Carville, marqueteiro do Bill Clinton: "É o ‘Deus (e o Diabo) Mercado na Terra do Sol’, estúpido!"