No artigo A estratégia por trás do projeto para manter Ipag Saúde; é pedalada para 2021, publicado quarta pelo Seguinte:, escrevi, sobre a ameaça de greve em defesa do Ipag Saúde, confirmada nesta quinta, em concorrida assembléia do sindicato dos professores de Gravataí:
“(…)
É aquela coisa, o direito de cada um acaba quando alguém reage ou chama a polícia. Na guerra de narrativas entre o sindicato e o governo, em tempos binários como os de hoje, inevitavelmente alguém será o vilão da história. Durmam a ideia, que a princípio pode parece tresloucada, mas uma greve só ajuda Marco Alba ganhar apoio popular – e volto a isso num próximo artigo.
Imagina se o prefeito enlouquece e propõe um plebiscito para consultar a população, a maioria usuários do SUS, se a Prefeitura tem que contribuir, ou ser a fiadora de um plano de saúde dos servidores e familiares?
Não é torcida ou secação, porque só um sádico não fica preocupado com a possibilidade das 10 mil pessoas atendidas pelo Ipag Saúde engrossarem as filas do SUS. A única coisa fácil é dizer que o jornalismo é a empregada doméstica do poder. Quando ouço isso, sempre recomendo: experimenta perguntar a opinião da diarista…
(…)”
Vamos à idéia – o leitor avalie se é tresloucada ou não – que na noite de ontem, após o Seguinte: noticiar em primeira mão a deflagração da greve e a reação do governo, já repercutiu no Grande Tribunal das Redes Sociais.
– Sou contra a greve – postou Iolando Tosmann no Reclama Gravataí, grupo de Facebook que administra e, apesar de notoriamente bolsonarista, compila mais críticas do que elogios ao prefeito Marco Alba.
A polarização imperou: nos comentários, moderação quase nenhuma, apenas a previsível eleição de heróis e vilões.
Em outros fóruns da internet, a mesma coisa: de um lado, mães e pais, e perfis mais ‘conservadores’, muitos mostrando desconhecimento dos motivos da greve, perguntando onde deixariam seus filhos e condenando a paralisação por resultar em aulas a mais no verão; de outro, professores, familiares e perfis mais ‘progressistas’, defendendo a greve como instrumento de pressão dos trabalhadores numa democracia e argumentando que o plano de saúde não é uma questão particular, já o benefício garante mais tranqüilidade para prestar serviços para toda população.
Perceberemos o alcance da greve e suas consequências a partir da próxima segunda-feira. Nos Jogos Vorazes que contrapõe o SPMG e o governo, qual narrativa vai colar junto ao ‘conjunto da sociedade’?
Arrisco dizer que – apesar de Vitalina e as professoras que comandam desde sempre o sindicato terem mostrado mobilização ao lotar duas assembléias com cerca de mil pessoas, deixarem gente de fora devido à superlotação da Câmara, terem articulado a apresentação de um projeto alternativo por Dimas Costa e preparem uma forte campanha nas redes sociais, carros de som e outdoors para pressionar o governo e os vereadores – Marco Alba pode se beneficiar, se não num primeiro momento, a medida em que as horas de greve se tornarem dias.
Explico.
Na Gravataí onde sete a cada dez votos foram para o ‘mito’ Jair Bolsonaro, greve é um substantivo feminino (aqui alguns já podem ter lido ‘feminista’ e preparado os dedos para metralhar as teclas gastas de ‘p-e-t-r-a-l-h-a’, ‘c-o-m-u-n-i-s-t-a’ e ‘m-i-m-i-m-i’) que pode povoar o imaginário de muita gente como ‘coisa de petista’.
Será também um teste de simpatia das famílias e alunos pela luta dos professores para manter um benefício que muitos pais, mães e filhos usuários do SUS não tem: um plano de saúde. É um sentimento cuja temperatura certamente será medida na proporção em que cada estudante, mãe e pai projetar os dias necessários para recuperação das aulas no calorão do verão – o ano letivo é sempre cumprido, não há para a educação o arrego de outras categorias de desconsiderar os dias parados.
Como a greve, a princípio, não tem adesão de outros setores fora da educação, que já não participam do Ipag Saúde, como o sindicato dos municipários, as versões serão disputadas nas comunidades e no ambiente escolar.
Marco Alba vai usar como nunca o '300 mil pessoas não podem pagar por 5 mil funcionários', para justificar na 'ideologia dos números' a extinção do plano de saúde, que chama de 'privado', por beneficiar apenas metade do funcionalismo e seus dependentes mesmo custeado em quase metade pela Prefeitura 'e a população que usa o SUS'; e, na 'ideologia política', por óbvio o prefeito e os seus buscarão identificar a direção do sindicato como um braço da esquerda para desestabilizar o governo.
Em resumo: a greve chamará atenção de toda Gravataí para a disputa entre o SPMG que quer manter o plano de saúde dos servidores e familiares e o prefeito que defende desde que tomou posse em 2013 a fórmula '300 mil não podem pagar por 5 mil'.
Em prévia da estratégia, que sindicalistas e oposicionistas chamam de 'jogar a população contra o funcionalismo' já está em Nota do governo alerta que greve penaliza famílias e alunos.
Sigo afirmando: não por torcida ou secação, o Ipag Saúde será extinto. O prefeito não vai recuar (isso não é chute, é informação) e já tem uma base acostumada a, sob apupos e vaias, votar projetos impopulares – principalmente envolvendo o funcionalismo. A alternativa que o governo sinaliza é a adesão da categoria a planos privados, como apresentei em Conheça as propostas de planos privados para substituir Ipag Saúde e que, conforme o governo, poderiam ter negociações favoráveis de carência, valores e serviços, porque reuniriam grande número de servidores e a garantia do desconto em folha, como nos empréstimos consignados.
Já a direção do SPMG precisa mostrar para a categoria que tentou alguma coisa, apesar do desânimo ser visível no rosto de sindicalistas que conhecem bem Marco Alba e, nas campanhas de 2016 e 2017, fizeram de tudo, até pesquisa na véspera do pleito, para atrapalhar a tentativa de reeleição. O projeto que construíram junto a Dimas é apenas uma genial jogada política, demagógica e uma aventura que aposta na eleição em 2020 de alguém que ajude os servidores a tapar o rombo e manter vivo o Ipag Saúde, como já tratei no artigo A estratégia por trás do projeto para manter Ipag Saúde; é pedalada para 2021 e seguirei comentando nos próximos dias, quando a proposta começa a tramitar para votação na Câmara.
Ao fim, aguardemos para medir o tamanho e a duração da greve, quem ganha e quem perde financeiramente e politicamente. Certeza apenas que o plano de saúde seguirá cortando atendimentos nos próximos dias, enquanto desconta regiamente, a cada fim de mês, a contribuição da Prefeitura e dos servidores.
Os números do Ipag Saúde já expus nos artigos Projeto de extinção do Ipag Saúde leva a greve; chamem o povo para festa Prefeitura envia extinção do Ipag Saúde à Câmara; leia projeto e justificativa; A pressão pelo Ipag Saúde chega à Câmara; a inevitável greve; e em outros. Antes do meio do ano, todo orçamento de 2019 já terá sido gasto.
Começaram, vorazes, os jogos.