3º NEURÔNIO

A Guerra de Terror de uma Superpotência Vilã: Cui Bono?

Vazamento no Nord Stream 2 perto de Bornholm, na Dinamarca, em 27 de setembro de 2022

“O que o relatório Hersh deixa marcado, em gigantescas letras vermelho-sangue, é que a Superpotência Vilã é um estado patrocinador do terrorismo”. Recomendamos o artigo do jornalista Pepe Escobar, publicado pelo Asia Times e traduzido por Patricia Zimbres para o 247


Qualquer pessoa dotada de cérebro já sabia que o Império havia sido o autor. Agora, o relatório-bomba de Seymour Hersh  não apenas traz os detalhes de como os Nord Stream 1 e 2 foram atacados, mas também cita nomes: do tóxico trio de conservadores-neoliberais straussianos  Sullivan, Blinken e Nuland até o Leitor de Teleprompter-em-Chefe.

É possível afirmar que a informação mais incandescente da narrativa de Hersh é a que mostra que a responsabilidade última cabe diretamente à Casa Branca. A CIA, de sua parte, consegue escapar ilesa. Todo o relatório pode ser lido como uma tentativa de incriminar um bode-expiatório. Um bode-expiatório muito frágil e fuleiro – pensem naqueles documentos confidenciais guardados na garagem, nos infindáveis  olhares fixos no vazio, na cornucópia de resmungos incompreensíveis e, é claro, em todo o medonho e já antigo carrossel de corrupção familiar na Ucrânia e à sua volta, ainda a ser desvendado em sua totalidade.   

O relatório de Hersh, por acaso, veio à tona imediatamente após os mortíferos terremotos na Turquia e na Síria. O documento, em si, é jornalismo investigativo com a força de um terremoto, transpondo  falhas geológicas e revelando incontáveis fissuras a céu aberto, torrões de verdade ofegando por ar em meio às ruínas. 

Mas será que isso é tudo? A narrativa se sustenta do começo ao fim? Sim e não. Antes de mais nada, por que agora? Trata-se de um vazamento – feito, essencialmente, por alguém de dentro do Deep State, a principal fonte  de Hersh. É bem possível que essa versão século XXI de um “Deep Throat” remixado se horrorize com a qualidade tóxica do sistema mas, ao mesmo tempo, ele sabe que, diga ele o que disser, não haverá consequências. 

A covarde Berlim – desconhecendo desde o início as engrenagens do esquema – não vai dar um pio. Afinal, a Gangue Verde entrou em êxtase porque o ataque terrorista promoveu  na íntegra sua agenda medieval de desindustrialização. Paralelamente, como um bônus extra, todos os outros vassalos europeus recebem uma confirmação adicional do destino que lhes espera caso eles não sigam A Voz do Dono.

A narrativa de Hersh aponta para os noruegueses como o acessório essencial do terror. Nada surpreendente: Jens “Paz é Guerra” Stoltenberg, da OTAN, é operativo da CIA há pelo menos meio século. E Oslo, é claro, teve seus próprios motivos para participar da negociação: ganhar muito dinheiro extra vendendo sua sobra de energia a seus desesperados clientes europeus. 

Um pequeno problema nessa narrativa é que a Noruega, diferentemente da Marinha dos Estados Unidos, ainda não possui Poseidons P-8  em operação. O que ficou claro àquela época foi que um P-8 americano  fazia viagens de ida e volta – com reabastecimento em pleno voo – entre os Estados Unidos e a ilha de Bornholm.

O melhor de tudo é que Hersh – ou melhor, sua fonte – fez com o que o M16 desaparecesse de todo da narrativa. À época, a SVR, o serviço de inteligência russo, havia focado como um laser o M16, e também os poloneses. O que ainda cimenta a narrativa é que o combo por trás de “Biden” forneceu o planejamento, a inteligência e a coordenação logística, enquanto o ato final  – no caso, a boia de sonar que detonou os explosivos C4 – talvez tenha sido perpetrado pelos vassalos noruegueses. 

O problema é que a boia talvez tenha sido lançada de um P-8 americano. E não há a menor explicação para o fato de uma das seções do Nordstream 2 ter escapado intacta.  

O  modus operandi de Hersh é lendário. Da perspectiva de um correspondente internacional que atua desde meados da década de 1990 nos Estados Unidos e no OTANistão, e também em todos os cantos da Eurásia como eu, é fácil entender de que forma ele usa fontes anônimas   e como ele acessa – e protege – sua extensa lista de contatos: a confiança como via de mão dupla. Seu histórico de desempenho é absolutamente inigualável.   

Mas é claro que resta sempre a possibilidade: e se ele estiver sendo manipulado? Seria isso nada além de um contato limitado? Afinal, a narrativa oscila loucamente entre detalhes minuciosos e um bom número de informações que não levam a nada, incluindo sempre um  excesso de papelada e gente demais envolvida – implicando um risco exagerado.  A CIA hesitando demais em entrar na briga já traz um sério alerta vermelho ao longo de toda a narrativa – principalmente porque sabemos que os atores submarinos ideais para uma operação desse tipo viriam da Divisão de Atividades Especiais da CIA, e não da Marinha dos Estados Unidos.  


O que fará a Rússia?


É possível afirmar que o planeta inteiro esteja se perguntando qual será a resposta russa.

Examinando o tabuleiro de xadrez, o que o Kremlin e o Conselho de Segurança veem é Merkel confessar que o  Minsk 2 foi apenas um ardil; o ataque imperial aos Nordstreams  (eles fazem uma ideia do que aconteceu, mas talvez não tenham todos os detalhes internos fornecidos pela fonte de Hersh); e o antigo primeiro-ministro de Israel Bennett detalhar oficialmente de que forma os anglo-americanos mataram o processo de paz para a Ucrânia, que estava em andamento em Istambul, no ano passado. 

Não é de admirar, portanto, que o Ministério das Relações Exteriores tenha deixado claro que quando se trata de negociações nucleares com os americanos, quaisquer gestos de boa-vontade sendo propostos são “injustificados, extemporâneos e indesejados”. 

O Ministério, propositalmente e de forma algo sinistra, foi muito vago quanto a uma questão de importância chave:  os “objetos estratégicos de forças nucleares” que foram atacados por Kiev  – ajudados pelos americanos. Esses ataques talvez tenham envolvido aspectos “técnico-militares e de informação-inteligência”. 

No que se refere ao Sul Global, o que o relatório Hersh deixa marcado, em gigantescas letras vermelho-sangue, é que a Superpotência Vilã é um estado patrocinador do terrorismo: o enterro ritual – no fundo do Mar Báltico – do direito internacional, e até mesmo do vagabundíssimo simulacro do Império, a “ordem internacional baseada em regras”. 

Levará algum tempo até que possamos identificar com certeza qual facção do Deep State teria usado Hersh para promover sua própria agenda. É claro que ele  tem consciência desse fato – mas isso jamais bastaria para impedi-lo de investigar essa bomba (três meses de trabalho duro). A mídia convencional dos Estados Unidos fará tudo para suprimir, censurar, vilificar e ignorar seu relatório, mas o importante é que, por todo o Sul Global, ele vem se alastrando como fogo no mato.

Enquanto isso, o Chanceler Lavrov, de forma muito semelhante a  Medvedev, partiu para falas sem nenhuma censura, denunciando que os Estados Unidos “desencadearam uma guerra híbrida total” contra a Rússia , colocando as duas potências nucleares em rota de confronto direto. E como  Washington declarou que a “derrota estratégica” da Rússia é sua meta, convertendo as relações bilaterais em uma bola de fogo, é claro que não pode mais haver qualquer tipo de  “funcionamento normal”.

A “resposta” russa  – mesmo antes do relatório Hersh – foi de um nível totalmente distinto: o avanço da desdolarização por todo o espectro, da União Econômica Eurasiana aos BRICS e ainda mais além, e uma total reorientação do comércio em direção à Eurásia e outras regiões do Sul Global. A Rússia vem criando condições firmes  para uma maior estabilidade, já antevendo o inevitável: a hora de se chocar frontalmente com a OTAN.  

Até onde vão as respostas cinéticas, os fatos do campo de batalha mostram a Rússia esmagando com força ainda maior o exército de procuração Estados Unidos/OTAN em pleno modo de Ambiguidade Estratégica. O ataque terrorista aos Nord Streams, é claro, estará sempre à espreita no fundo da cena. Haverá retaliações. Mas elas ocorrerão na hora, da forma e no local que a Rússia escolher. 

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