coluna da teresa

A inimiga

A fome do outro é estigma na alma de quem tem na mesa, a cada dia, o prato suculento. 

Comer é a higiene do corpo, princípio e fim da dignidade. Ao comer, lava-se o corpo, enfeita-se a cara, compra-se com o consumo diário de um prato a beleza pessoal e cívica. 

Odeio a fome, minha inimiga. Ela, sozinha, interfere na minha felicidade. 

(Nélida Piñon, em O pão de cada dia)

 

Odiar a fome, inimiga pessoal. 

E a fome do outro? 

A fome do outro têm de me afetar. É a condição de humanidade que me pertence, a porção de comoção que me cabe, a sensação que me torna comum a todas as pessoas. 

Enquanto números obscenos escorrem pelas telas dos noticiários, todos os dias, (milhões, bilhões, zilhões em propinas, em desvios), uma proporção igual de brasileiros passa fome. 

Não é possível aceitar. Não é possível sentar-se à mesa farta e não ter um estigma na alma.

Eu tenho. 

A fome que me dói não é a que me aperta o estômago. É outra, a inimiga. 

 

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