3° Neurônio | fábula

A Justiça e as teias de aranha | João Carlos Pacheco

Havia  há muito tempo numa floresta dum país distante uma aranha faminta.

Um dia, pulando de galho em galho em busca de comida, descobriu um enxame de abelhas bem perto do seu ninho. Falou “oba, abelhas! Milhares de abelhas, comida pra muito anos!” E logo tratou de estender sua teia no galho ali perto por onde algumas abelhas voavam em busca do néctar.

Logo a primeira abelhinha alçou voo e psssss!, se enredou toda na teia da malvada aranha. E pôs-se a se debater para se livrar. Puxa que puxa, bate que bate as asinhas e nada de se livrar da teia.

Logo outra abelhinha alçou voo na mesma direção e pimba!, ficou presa igualmente. Outra abelhinha mais esperta que passava por ali, vendo suas amiguinhas enredadas, tentou livrá –las  e não conseguindo, foi correndo avisar a Rainha.

A Rainha logo acionou seus advogados para que entrassem com “habeas corpus” junto ao juiz da floresta para libertar suas súditas presas, alegando os direitos de ir e vir de  suas operárias e de todos naquela região ameaçados pela teia da poderosa aranha.

Passaram-se vários meses até que saiu a primeira decisão do juiz: negado o “habeas corpus”.  Alegava o meritíssimo  que a aranha também tinha o direito de se alimentar e colocar suas teias onde bem quisesse, que a natureza é de todos e que todos que habitavam aquela árvore poderiam usá-la como quisesse, etc.

Enquanto isso, dezenas de outras abelhinhas já haviam sido presas e comidas pela aranha e outras mais em seus voos em busca de néctar erravam as flores e se enredavam nas teias assassinas que agora já se estendiam por todos os galhos da árvore num emaranhado infernal.

Os advogados das abelhas entraram com novos “habeas corpus” e mais “agravos” e "medidas cautelares " e liminares" e  "recursos" de toda ordem para soltá-las, mas nada, o juiz sempre os negava com os mesmos argumentos. E assim foi.

Passaram-se anos e milhares e milhares de abelhas morreram enredadas nas teias da aranha e nunca saía uma decisão da justiça favorável às abelhas para fazer com que a aranha recuasse e retirasse suas teias assassinas para uma distância razoável para que as abelhas pudessem voar livres em busca do néctar das flores. 

Até que dezenas de anos depois, quando a aranha já havia tomado quase toda a árvore com suas teias assassinas, finalmente saiu uma sentença dum Tribunal Superior, mandando a aranha afastá-las do enxame.

Mas já era tarde, as últimas abelhinhas operárias já tinham morrido presas nas teias, a Rainha já não tinha mais quem colhesse o néctar e fizesse o mel, o enxame desapareceu e aranha ficou sem ter o que comer e morreu também. 

 

Moral:

Justiça com teias de aranha? Todos perdem. Ninguém ganha.  

 

João Carlos Pacheco é publicitário e humorista, vive em Porto Alegre. Participou da antologia de humor QI 14, de 1975. Para nosso prazer e do leitor, o Seguinte: passa a publicar uma série de suas fábulas, inéditas. 

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