como foi julgamento no tre

A noite em que Bordignon dormiu tranquilo

Julgamento durou duas horas no início da noite da segunda-feira

Condenados a oito anos de inelegibilidade pela Justiça de Gravataí, Daniel Bordignon, Rosane Bordignon, Alex Peixe e Cláudio Ávila foram absolvidos pelo TRE nesta segunda. O Seguinte:, a única mídia presente ao julgamento, tenta nesta reportagem traduzir o juridiquês, contar um pouco dos bastidores, colocar o leitor dentro do plenário da corte estadual, trazer o voto completo que levou ao 7 a 0 e as entrevistas com os quatro, além de tratar da pergunta mais feita de ontem para hoje nas redes sociais:

– Então Bordignon está livre para concorrer a prefeito em 2020?

 

Com um currículo de secar as lágrimas das impugnações de Daniel Bordignon em 2008, 2012 e 2016, além de apagar a luz da Prefeitura junto à prefeita Rita Sanco no impeachment de 2011, Diego Pereira foi um dos primeiros a entrar no plenário do Tribunal Regional Eleitoral, na Duque de Caxias, no Centro Histórico de Porto Alegre.

Aos 37 anos, goza da maior confiança de Daniel, de quem foi secretário de governo e assessor na Assembleia Legislativa, e de Rosane, de quem é chefe de gabinete na Câmara de Gravataí desde a posse em 2017. É tratado como um familiar e possivelmente tem até uma cópia da chave da residência do casal, no Parque dos Anjos. Caberia ele, pelo WhatsApp, mais uma vez dar boas ou más notícias.

– 7 a 0 – foi como comemorou baixinho, de punhos cerrados mas em sua característica discrição, sossegando as pernas e digitando rápido as mensagens de alívio àqueles que acompanha desde menino, de quem sua esposa Daniela é fã e a quem seu filho Douglas trata como ídolos políticos.

Era parte do presente, e muito do futuro dos ‘Bordignons’ que estava em jogo no julgamento do recurso à sentença da juíza Quelen Van Caneghan, da 173ª Zona Eleitoral de Gravataí, que em janeiro condenou o casal, mais o vereador Alex Peixe e o ex-presidente do PDT Cláudio Ávila a uma inelegibilidade de oito anos pela suposta manipulação do eleitorado a partir do uso indevido da imagem do ex-prefeito durante a eleição suplementar de março de 2017.

À época, Rosane, como candidata a prefeita, e Peixe, como candidato a vice, foram os substitutos da chapa formada por Bordignon e Ávila, que teve a vitória nas urnas anulada ainda em 2016 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decretar como pena ao ex-prefeito a suspensão dos direitos políticos por cinco anos por supostas contratações irregulares nos governos de 1997 a 2004.

Sem uma reforma da sentença, Bordignon corria o risco de só estar livre para concorrer a prefeito daqui a dez anos, aos 69 anos, desenrolando ainda mais um tapetão que, pela condenação de 2016, já se estende para ele até 29 de setembro de 2020, antes da eleição municipal, mas período após o agosto que é prazo final para registro das candidaturas – o que, talvez respondendo com mais dúvidas à pergunta tanto feita nas redes sociais, em tese o tira da disputa, sobre a qual ele próprio evita falar na entrevista ao final desta reportagem.

Rosane, apesar do julgamento não ameaçar seu mandato como vereadora, poderia ser impedida de concorrer a outros cargos – a deputada estadual, em 2018, ou a prefeita, em 2020, por exemplo – já a partir deste ano. Por sofrer uma condenação em segunda instância e cair no enquadramento das inelegibilidades pela Lei da Ficha Limpa, poderia só voltar às urnas na eleição municipal de 2024.

Até Diego mandar os joinhas e o “justiça sendo feita” pelo Whats assim que uma maioria se formou em consonância com o voto do relator João Batista Pinto Silveira, foram quase duas horas de nervosismo, testemunhado também por Alex Peixe, quase que catatônico até cruzar a porta do tribunal e explodir num “sou elegível, sou elegível”, que o permite estar nas urnas e prosseguir com uma dinastia iniciada pelo pai, Carlinhos, vereador por quatro mandatos.

– O prefeito e a primeira-dama são os culpados por tanta judicialização na política de Gravataí. Não se garantem nas urnas? É o DNA golpista do PMDB – desabafou, olhos marejados com a abraço da esposa Rose Vargas, fazendo o link político por Patrícia Alba, ainda na eleição vencida pelo marido Marco Alba, ter sido a autora da ação inicial que depois foi endossada pelo Ministério Público e pela Justiça de Gravataí, além de ganhar tintas ainda mais fortes no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral que, no julgamento desta quarta, pedia a rejeição aos recursos dos até então réus.

– É mais uma sentença da justiça de Gravataí que é reformada pelo TRE – lembrou o também absolvido Cláudio Ávila que, advogado, fez a sustentação oral da própria defesa e desfez os temores de que pudesse se imolar e servir como uma espécie de ‘delator’ para prejudicar os Bordignons, de quem voltou a ser adversário após as eleições.

Pelo contrário. Como fizera em 2016, quando era vice e principal mentor da defesa de Bordignon, Ávila chegou a defender em sua manifestação no julgamento de ontem a elegibilidade do ex-prefeito em 2020.

– O Daniel manda uma saudação para todos os advogados – coincidentemente ou não, avisou, com o celular ao ouvido, Lúcia Liebling Kopittke, defensora de Daniel e Rosane, que por oito anos até 2012 descia as mesmas escadas do TRE como juíza da corte.

 

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A ‘Facedenúncia’

 

Nas reportagens sobre o caso, coberto com exclusividade pelo Seguinte:, a condenação era descrita como ‘Facedenúncia’, por postagens na rede social terem sido usadas como as principais provas na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime), na sentença e no parecer do procurador regional eleitoral Luiz Carlos Weber.

E foi atenção ao pilar da sentença condenatória, o “uso indevido dos meios de comunicação”, que a ex-juíza Kopittke pediu aos julgadores ao abrir as sustentações orais em plenário.

– Está em julgamento se houve ou não esse uso para trazer benefício à candidatura. O abuso de poder político e econômico, apontado na denúncia inicial, não foi aceito como mostra a sentença de condenação da juíza – alertou, citando decisões do TRE e do TSE que afastavam condenações por uso de redes sociais, considerando meios de comunicação apenas TV, rádio e jornal.

A advogada também mensurou as postagens como “de baixa potencialidade” para influir na eleição.

– Cinco, seis postagens de Facebook usando o nome de Daniel Bordignon não tem potência para mudar os rumos de uma eleição – avaliou, apresentando um histórico da militância conjunta do casal.

– Em Gravataí quem conhece Daniel, sabe quem é Rosane. Conheceram-se nos anos 80 numa greve de professores e sempre militaram juntos. Sempre foram inseparáveis, são nomes indissociáveis. Enfim: são marido e mulher. Seria uma eleição a separá-los?

 

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Cuidando de Peixe

 

Lieverson Pereira, advogado de Peixe, buscou uma defesa mais individual do vereador, apesar de citar decisão de Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal, em 2014, que garantia liberdade de expressão a réu com direitos políticos suspensos – caso que apontou como análogo ao de Daniel Bordignon.

– Para cassar registro, a chapa é indissociável. Mas para pena, não. A Constituição mostra isso. Atos do presidente não atingem o vice. Nem do vice atingem o presidente. Como condenar Alex Peixe a oito anos de inelegibilidade sem constar na sentença nenhum ato praticado por ele?

 

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A ‘capital da judicialização’

 

Cláudio Ávila também vestiu a toga. Antes da defesa técnica dele próprio, lembrou que Gravataí é a ‘capital da judicialização’ das eleições na última década e fez uma cronologia política das idas e vindas de Bordignon pelos tapetões das cortes e apontou o ‘GreNal’ político de Gravataí, entre os grupo do ex-prefeito e do atual, Marco Alba.

– O autor da ação é o PMDB, não o MP. Querem mais uma vez evitar a disputa nas urnas, tirando Bordignon, a esposa e aqueles que estiverem entre suas relações. Não aceitam que o povo votou nele mesmo sabendo da impugnação – disse, em sua análise tratando o ex-prefeito como “elegível em 2020”.

– Depois da anulação da eleição de 2016 e a realização de uma eleição suplementar amplamente divulgada, aceitar essa condenação seria atestar a total incapacidade do eleitor. Ou quem vota não sabe distinguir o homem da mulher, a esposa do marido?

 

Candidatura ‘laranja’

 

Um dos advogados do PMDB presente em todas as impugnações de Bordignon, Paulo Moraes fez a sustentação oral pela manutenção da sentença da justiça de Gravataí:

– A juíza, que conhece a realidade local, expôs bem em sua sentença como transcorreram as coisas durante a eleição e como ocorreram as tentativas de iludir o eleitorado, criando quadros mentais que levassem ao erro de que Daniel e não Rosane é quem governaria.

Para o advogado, os autos traziam provas suficientes para apresentar a candidatura de Rosane como ‘laranja’, tanto pelo conteúdo de postagens, como áudios e vídeos anexados à denúncia.

– Foi escancarado! – resumiu, citando trecho da sentença que considerou “plenamente delineada a manipulação do eleitorado” e também pedindo para os julgadores irem além da decisão da juíza e observarem elementos que, para o MP e a PRE, comprovariam o abuso de poder político.

– Foi tão grave que a juíza determinou que materiais fossem substituídos e que Bordignon não circulasse mais no carro de som e nas ruas fazendo a campanha irregular.

 

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A falsa garantia do poder

 

O procurador regional eleitoral Luiz Carlos Weber apelou pela negativa do recurso e reforçou seu parecer – em trechos mais pesado que a própria sentença da juíza de Gravataí.

– Rosane e Peixe valeram-se da imagem de Daniel Bordignon tanto em postagens, quanto em materiais de propaganda e em campanha nas ruas, nas visitas aos eleitores, dando a entender que ele seria o real detentor do cargo de prefeito.

– Não houve apenas a tentativa de ressaltar o elo conjugal, mas de colocar Daniel Bordignon no plano principal, como se a nova eleição pudesse dar a ele a garantia do poder – concluiu, considerando “decisiva” a manobra na votação de Rosane.

– Ela fez 1.578 votos para vereadora em 2016 e 44.195 para prefeita em 2017.

A tese da defesa acabou atendida na íntegra pelo relator. Traduzindo o juridiquês, o desembargador federal João Batista Pinto Silveira não considerou o Facebook como um “meio de comunicação”:

– (…) Ainda que não haja prévio rol dos fatos que podem dar ensejo à configuração do uso indevido dos meios de comunicação, não há controvérsia de que esses fatos devem ser cometidos por veículo de comunicação social, rádio, jornal e que sejam suficientemente graves a causar benefício indevido a candidato, partido ou coligação. Essa compreensão decorre da semântica do texto e da interpretação dada pela doutrina e jurisprudência. No caso, não há sequer a participação de veículo de comunicação social ao qual pudesse ser imputada a conduta. Ao que se verifica da narração dos fatos na exordial, há narrativa de realização de propaganda irregular e não de circunstâncias de abuso de poder. Portanto, a descrição dos fatos não se amolda ao objeto da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, que tem por hipóteses de cabimento a prática de abuso do poder econômico, abuso de poder de autoridade (ou político), utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social e transgressão de valores pecuniários – leu trecho do voto, onde cita decisões análogas no próprio TRE e no TSE, concluindo:

– Com efeito, inequívoco que a publicidade veiculada durante a campanha eleitoral valeu-se da figura de Daniel Bordignon, mas essa circunstância não se amolda ao instituto jurídico do uso indevido dos meios de comunicação. Portanto, a dimensão dos fatos demonstrados no processo, ainda que possam ter configurado propaganda irregular, não desbordaram da normalidade e do razoável, merecendo reforma a sentença.

O voto completo do relator pela aceitação do recurso, que foi seguido pelos outros seis julgadores, você lê clicando aqui.

– Lembra caso, já decidido pelo TSE, do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, que impugnado apoiou a esposa, Weslian. O nome Roriz aparecia como principal na propaganda, inclusive. Aqui, é impossível dizer para Rosane não usar o nome Bordignon – avaliou o único dos demais julgadores a se manifestar ao microfone, o juiz Luciano André Losekann.

O procurador regional eleitoral não informou ainda se vai recorrer da decisão ao Tribunal Superior Eleitoral.

 

Bordignons: influência na eleição

 

Os ‘Bordignons’ falaram ao Seguinte: na tarde desta quinta.

– Depois de muito tempo, dormi tranqüilo por uma noite inteira – desabafou Daniel Bordignon, num intervalo das aulas que leciona na escola estadual Carlos Bina.

– Já sofro com a suspensão dos meus direitos políticos, que para quem vive por isso, milita desde os 15 anos, é pior do que matar. Matar a alma, como dizia Jesus.

Para o ex-prefeito, a decisão do TRE corrige “uma violência grave” contra ele, Rosane “e as garantias individuais” previstas na Constituição.

– Tentaram me privar da liberdade de expressão. Então eu não poderia dar minha opinião, meu apoio numa eleição? Sobre abuso de poder político e econômico, nem vou falar porque a denúncia feita pelo PMDB nem foi aceita. Mas que poder teria eu, um professor? – argumentou, citando decisão do ministro Dias Toffoli em 2014, no STF, garantindo a liberdade de expressão em eleições para cidadão com direitos políticos suspensos.

– O MP ainda pode recorrer ao TSE do julgamento de ontem, mas acredito que a coisa está julgada. Não acredito que tentarão novamente, de forma medieval, retirar de mim uma garantia constitucional. O que fizeram foi feio para a democracia – concluiu, avaliando que a decisão da justiça local de retirá-lo das ruas nas últimas duas semanas de campanha influenciou na derrota de Rosane.

– No mundo, nunca vi isso. Alguém não poder sair para a rua fazer campanha para outra pessoa.

Sobre a esperança de poder concorrer em 2020, já que há diferentes leituras sobre a possibilidade de registro de uma candidatura, e também porque move ação rescisória no STJ para tentar reverter a suspensão dos direitos políticos, Bordignon é cauteloso:

– Esperarei pela justiça. Não quero criar expectativas.

Pouco antes da sessão, Rosane Bordignon também atendeu ao Seguinte:.

– O Pompeu de Mattos (presidente estadual do PDT e advogado em parte da ação) sempre nos deu tranqüilidade de que ganharíamos, ou no TRE, ou no TSE. Mas nos preocupava esse ataque não só a nós, a quem parecem querer banir da política, como às garantias individuais de liberdade de expressão.

Rosane tem o mesmo entendimento de Bordignon: a decisão de tirar o ex-prefeito da campanha influenciou na derrota nas urnas.

– Perdi por apenas 4 mil votos. É o eleitor quem foi enganado por, numa campanha curta, não poder saber até o dia da eleição quem o agente político mais popular de Gravataí apoiava para a Prefeitura.

Ainda sob o sonho de ser candidato em 2020, apesar de apontar Rosane como candidata a deputada estadual em 2018 e, depois, “candidata a prefeita ou vice”, Bordignon mantém vivo o ‘GreNal’ político da aldeia.

– Espero que dessa vez o povo possa decidir.

 

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