A maior arma que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 79 anos, tem nas mãos não são as Forças Armadas, muitos menos as milhares de bombas atômicas armazenadas nos silos ou mesmo as agências de espionagem. É algo cobiçado por todos os países: o gigantesco mercado consumidor americano. Sem apelar para o economês, os juros e a inflação baixa permitem aos americanos se endividarem para adquirir bens e serviços e movimentar a economia do país. São esses consumidores que decidirão o destino do governo de Trump. Caso o tarifaço decretado pelo presidente, que atinge praticamente todos os países que exportam para os Estados Unidos, cause inflação, ele não fará o seu sucessor nas eleições presidenciais de 2028. Se não houver uma subida expressiva dos preços, Trump elegerá o sucessor – por ser este o seu segundo mandato, ele não pode concorrer novamente. Seu provável substituto poderá ser o vice-presidente J. D. Vance, 40 anos. Atualmente, os consumidores americanos não estão sentido os efeitos do tarifaço porque os importadores estão pagando parte dos impostos e também porque estocaram mercadorias. Mas esta situação não vai durar muito tempo, acreditam os analistas do mercado, que apostam na subida da inflação.
No caso do Brasil também serão os consumidores que decidirão a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, que concorre à reeleição em 2026. Em torno de 60% dos produtos brasileiros exportados para os americanos foram tarifados em 50%, entre eles café e carne bovina. Esta semana é decisiva para as negociações entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. Caso as negociações fracassem, a previsão é de fechamento de muitas pequenas e médias empresas no Brasil. Também nos Estados Unidos as empresas que vendem os produtos brasileiros terão prejuízos. A previsão é que o tarifaço comece a valer nesta quinta-feira (7). Trump alinhou uma série de argumentos para justificar as tarifas, sendo o principal o déficit comercial dos americanos com a maioria dos países. Em relação ao Brasil, no entanto, os Estados Unidos são superavitários. Mesmo assim, o país recebeu a maior tarifa: 50%. O motivo é político. O presidente americano exige que o governo de Lula anistie o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, e seus seguidores no processo que respondem na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) por formação de uma organização criminosa com a finalidade de dar um golpe de estado. A anistia não vai rolar porque o Brasil é um país democrático, em que existe a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A turma do “deixa disso” está tentando separar a questão econômica da política. Saberemos esta semana se terão sucesso.
A questão é a seguinte: subiu a temperatura na história da anistia. Os bolsonaristas estão sendo chamados de “traidores da pátria” por terem feito lobby junto a Trump pela taxação e por ter desrespeitado a soberania brasileira se intrometendo em assuntos internos. O centro desta história é o filho do ex-presidente, Eduardo, 41 anos, deputado federal por São Paulo. Ele tirou licença no seu mandato na Câmara dos Deputados e mudou-se para os Estados Unidos, onde, auxiliado por amigos e seguidores do seu pai, conseguiu armar um eficiente lobby na Casa Branca que resultou no tarifaço contra o Brasil. E nas sanções impostas ao ministro do STF Alexandre de Moraes, 56 anos, que é o relator do processo do ex-presidente na Primeira Turma. Moraes foi enquadrado pelo governo americano na Lei Magnitsky, usada contra os piores criminosos do mundo – há abundância de matérias sobre o assunto na internet. Sem mencionar o nome do deputado licenciado, na sexta-feira (1º), na abertura dos trabalhos no STF, Moraes disse que a atuação de brasileiros contra o país nos Estados Unidos era “traição à pátria”. O ministro não foi o primeiro a usar a palavra traição. O próprio Eduardo vem chamando de traidores os parlamentares e governadores que se elegeram em 2022 graças ao prestígio político do seu pai e que, segundo ele, atualmente estão fazendo “corpo mole” em relação ao apoio à anistia. Conversei com colegas repórteres calejados na cobertura de debates políticos sobre o peso que pode ter a palavra traição na disputa política. Um deles disse o seguinte: “Imagina o impacto no eleitor ao ouvir num debate na televisão alguém ser chamado de traidor da pátria?”. Tive esta conversa com os colegas porque me lembrei de uma história que aconteceu com o ex-governador gaúcho Leonel de Moura Brizola (1922 – 2004).
Brizola era um mestre em resumir toda uma conversa em apenas uma palavra, no máximo duas, que caíam no gosto popular e tornavam-se referência de uma situação. Das muitas vezes que Brizola traduziu uma situação em poucas palavras vou citar duas que aconteceram durante um episódio importante na história do Brasil: a primeira eleição direta para presidente da República depois do fim da ditadura militar (1964 – 1985), realizada em 1989. Eram 22 candidatos, entre eles Brizola (PDT), Lula (PT), Paulo Maluf (PDS), partido que apoiava os militares golpistas, e Fernando Collor de Mello (PRN). Durante um debate na televisão, Brizola chamou Maluf de “filhote da ditadura”, acusando-o de se beneficiar política e economicamente do regime militar. Foram para o segundo turno das eleições Collor e Lula. Ao anunciar o seu apoio a Lula, Brizola disse: “As elites vão ter que engolir o Sapo Barbudo”, referindo-se ao petista, que era sindicalista, esquerdista e usava uma espessa barba negra. Durante muitos anos, nas disputas eleitorais, ouviu-se muitos candidatos chamarem o seu adversário de “filhote da ditadura” ou de “sapo barbudo”. Só para constar, Collor ganhou a eleição, e a história do seu governo está disponível na internet. Tudo indica que “traidor” será uma palavra muito usada na campanha eleitoral de 2026. Por sintetizar o atual momento político e econômico do país. Claro que se Brizola estivesse vivo daria um toque de genialidade à palavra.






