JEANE BORDIGNON

A pé se vai mais rápido

Uma das coisas que sinto saudade do Rio de Janeiro é do transporte público. Sério. Lá eu raramente andava de ônibus. Ia de Madureira à Cinelândia, Tijuca, Leblon, da Lapa a Bangu, da Glória (quase Zona Sul) a Pavuna (no extremo da Zona Norte, divisa com a Baixada), tudo de trem e metrô. Sem correria, sem ônibus passando reto pela parada, sem motorista achando que está em Interlagos.

No metrô ainda ia sempre no fresquinho do ar condicionado. É verdade que no trem era questão de sorte. Se conseguisse pegar uma composição nova, era geladinha. Mas pelo menos até 2020 (não sei agora), a Supervia ainda mantinha uns trens que pareciam da época do filme Central do Brasil. Daí era corrida para sentar na janela.

E quando chovia, às vezes quase era preciso abrir o guarda-chuva dentro do trem. Mas isso geralmente acontecia na linha Belford Roxo, que ficava com os veículos mais velhos por um simples motivo: o trajeto literalmente atravessava algumas comunidades da Zona Norte. Vez em quando, a linha parava por causa de tiroteio. Dá pra entender porque era difícil destinarem trem novo pra Belford Roxo.

Meu privilégio era ter duas estações em Madureira, então podia pegar todas as linhas. Só pegava BR quando estava tranquilo, porque a estação Mercadão era mais perto de casa. De manhã eu sempre preferia caminhar mais duas quadras e pegar na outra, porque a viagem era até mais rápida. Descia na Central, por dentro dela mesma já pegava a entrada do metrô, mais uma catraca.

Entre a Central e a Cinelândia eu podia pegar qualquer uma das duas linhas, porque elas compartilham parte do trajeto (não tentem entender, doideiras do Rio). Então rapidinho eu já estava embarcada, eram só 4 estações até meu destino diário.

Para passeios e outros compromisos também era tranquilo fazer a baldeação entrem o trem e o metrô, e vice-versa. Sem ficar fritando em parada de ônibus e se preocupando com trânsito. Nos horários de pico é um mar de gente se espremendo e se acotovelando, é verdade. Mas ainda assim, é bem melhor do que as latas que voam pelas ruas da cidade.

Aqui em Gravataí, desde que voltei, é só decepção com o transporte público. Já tive que chamar Uber da parada de ônibus pra não perder o horário, porque nada de municipal nem Ponte aparecerem (para os amigos de fora: Ponte é a linha que vai até a ponte que faz divisa de Cachoeirinha com Porto Alegre, então a gente usa também pra se deslocar dentro de Gravataí).

Por falar em ponte… depois da duplicação das pontes do Parque dos Anjos, ficou mais rápido ir a pé do que de ônibus ao Centro. Pra quem não é daqui, do Parque (meu bairro) ao centro dá uns 5 minutos de carro, uns 10 de ônibus. Durante a pandemia eu ia andando em menos de 30min.

Mas na pandemia eu não estava trabalhando e queria evitar entrar em ônibus com outras pessoas. Agora eu tenho ido mais de Uber ao centro, porque de ônibus só se eu sair uma hora antes de casa. A gente só tem uma empresa de transporte público, e aparente ela não retornou com os horários que foram reduzidos no lockdown.

Conforme fomos acumulando as doses de vacina e podendo voltar a passear, descobrir que não tem mais direto Free-way no sábado. E que o ônibus direto para o Shopping Iguatemi aos sábados têm pouquíssimos horários, tipo um ao meio-dia e outro só às 17h. Eu e minha prima tivemos que ir de direto via Cachoeirinha até o centro, e de lá chamar um Uber. Foi a melhor solução que encontramos, porque ir “cozinhando” no “pinga” até o Triângulo não era animador.

Sei muito bem como funcionam as questões de oferta e demanda, e que os aplicativos de transporte afetaram um tanto os negócios da nossa não tão querida empresa que monopoliza o serviço na cidade. Mas limitar o transporte não deixa de ser uma forma de segregação, de selecionar quem vai poder frequentar aquele shopping. E o Iguatemi nem é mais tudo isso…

Imagina que maravilha se ampliassem o Trensurb (nosso arremedo de metrô, que pega um pedaço de Poa e da região metropolitana)? Meu sonho é ter uma linha Gravataí – Poa. Eu ouvi do falecido doutor em Engenharia do Trânsito Fernando Mac Dowell que transporte de massa é trem e metrô, os ônibus devem ser alimentadores. Tive oportunidade de entrevistá-lo quando trabalhei num jornal do Rio. Mas nem lá deram ouvidos para ele, e fizeram aquele monstro do BRT, em vez de ampliar as linhas do metrô.

Os trens do RJ dão saudade também porque eram uma aula diária de marketing. Os camelôs vendiam de bugigangas, doces, brinquedos, até lasanha congelada e remédio. Juro. Já vi venderem nimesulida no trem. Não duvido terem vendido cloroquina e teste de covid. Eu comprava mais biscoitos e chocolates, que dava pra perceber que a procedência era dos atacadões.

Porque sim, tinha muita coisa de origem duvidosa, e os vendedores ainda brincavam com isso. “O caminhão virou na porta da minha casa. Comprar barato não é vergonha, é oportunidade”. Mas também havia os mais honestos, que anunciavam tão bem seus produtos que você queria comprar só pela conversa.

Mas talvez o que dê mais saudade do transporte público do Rio é que quase toda viagem tinha algum músico cantando, tocando, fazendo do vagão seu palco (às vezes esse músico era o meu então marido com sua flauta, hehe). Ou vendendo poesia e declamando. Até apresentação de dança rolava nos horários em que tinha espaço viável. Muita gente talentosa.

O Rio transborda tanta arte, que até em ônibus tinha artista que dava um jeito de tocar. Já voltei pra casa ouvindo uma dupla executando Primavera do Tim Maia, e sabe aquelas coisas que melhoram o dia da gente?

Claro que os artistas não deveriam precisar tocar na rua para sobreviver. Mas o grande Milton Nascimento mesmo canta que “o artista deve ir aonde o povo está”. Sempre vai ter gente que torce o nariz, mas o que importa é que vai ter muita gente voltando melhor para a casa, se sentindo presenteado. “Quem tiver ouvidos para ouvir que ouça”, já dizia o cara lá de Jerusalém.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade