O Senado evitou que o Congresso Nacional se tornasse um sindicato do crime. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por unanimidade, rejeitou a ‘PEC da Blindagem’ — apelidada nas redes sociais de ‘PEC da Bandidagem’.
O texto, aprovado às pressas pela Câmara na semana passada, entregava aos próprios parlamentares o poder de decidir se poderiam ou não ser processados pelo Supremo Tribunal Federal. Um salvo-conduto para criminosos de colarinho branco, mas também para acusados dos piores crimes — do estupro ao assassinato.
Não se tratava apenas de blindar deputados e senadores. Pela lógica constitucional, as regras se estenderiam a deputados estaduais — e, de forma indireta, até vereadores. Ou seja, um efeito cascata que abriria as portas para que facções criminosas encontrassem na política um escudo quase impenetrável contra a Justiça.
A proposta incluía ainda foro privilegiado para presidentes de partidos, dirigentes de entidades privadas que controlam bilhões em recursos públicos sem terem recebido um único voto popular.
Era a institucionalização da impunidade. O PCC, por exemplo, poderia investir na eleição de seus próprios líderes, ou até comprar ou fundar sua sigla.
A história recente já nos mostrou o resultado desse tipo de privilégio. Entre 1988 e 2001, quando vigorava regra semelhante, o STF fez cerca de 300 pedidos de investigação contra parlamentares. Apenas um foi autorizado pelo Congresso. Este era o futuro que se desenhava.
O sepultamento da PEC só foi possível porque a sociedade não se calou. Nas redes sociais, nas ruas, nas manifestações do fim de semana, o grito foi claro: o povo não aceitaria que a Câmara transformasse o Parlamento em um Primeiro Comando da impunidade.
Até senadores da base governista e da oposição, como Jorge Seif (PL-SC) e Fabiano Contarato (PT-ES), convergiram hoje sobre não haver espaço para contemporizar. A PEC era inconstitucional, mas mais que isso: era imoral.
O relator, Alessandro Vieira (MDB-SE), foi direto ao ponto: “Esta é uma PEC que definitivamente abre as portas do Congresso Nacional para o crime organizado”.
Registro a posição de um político gravataiense de alto escalão que não se escondeu atrás do muro: o deputado estadual Dimas Costa (PSD) usou suas redes para criticar a PEC, quando da aprovação pelos deputados federais, e, nesta quarta-feira, se manifestou na tribuna da Assembleia Legislativa: “Não basta dizer que é contra bandido; é preciso votar contra mecanismos que beneficiem a bandidagem”.
É um contraste eloquente com a hipocrisia da política. Muitos parlamentares adoram discursar contra a criminalidade em palanques e redes sociais, mas quando chega a hora de votar, escolhem proteger a si mesmos, ou silenciar para não melindrar companheiros de partido ou ideológicos.
O episódio deixa lições. Primeiro: a vigilância da sociedade é indispensável. Foi a pressão popular que impediu que o Congresso desse um passo atrás de 20 anos no combate à corrupção e ao crime.
Segundo: é preciso nomear os responsáveis. Cada eleitor deve guardar quem votou a favor dessa PEC da impunidade na Câmara. E, na próxima eleição, lembrar que não basta prometer ser contra a bandidagem — é preciso provar no voto.
Ao fim, sigamos vigilantes. “Não tenham medo da energia nuclear, porque nenhum deles pode parar o tempo”, está em Redemption Song, de Bob Marley. No caso, essa gente é a bomba, nós o tempo.
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