A farsa “democrata” de Jair Bolonaro chegou ao público pela Folha de S. Paulo. Compartilhamos o artigo do jornalista Chico Alves, publicado em sua coluna no ICL Notícias
O artigo surgiu no site de um dos maiores jornais brasileiros como se fosse mais um texto opinativo corriqueiro, em meio aos palpites daqueles que tentam entender a complexidade da política nacional.
Chamou atenção pela assinatura do articulista, que contrastava com o título. O autor: Jair Bolsonaro (aquele mesmo!) O título: “Aceitem a democracia”.
Nas 623 palavras seguintes, um amontoado de mentiras, distorções e manipulações de fatos é apresentado no espaço jornalístico que ao menos em tese deveria ser dedicado a perseguir a verdade.
Ao contrário: em tom de tese cívica, como se fosse uma desinteressada defesa do bem comum, a Folha ofereceu ao leitor um rosário de lorotas.
“Aceitem a democracia”, diz o homem que usou a autoridade de presidente da República para tentar desacreditar o processo eleitoral de seu próprio país.
“Aceitem a democracia”, pede o sujeito que incitou seguidores a investirem contra as instituições, invadindo as sedes dos Poderes, em Brasília.
“Aceitem a democracia”, clama o homem que incentivou um hacker a invadir o sistema de informática do Tribunal Superior Eleitoral.
Tentando simular naturalidade, o ghost writer de Bolsonaro escreveu que “quando uma ideia ganha a alma do povo, é inútil tentar matá-la simplesmente por meio da violência”. Difícil definir o sentimento de ler algo assim assinado pelo personagem inspirador de grupos que levantaram detalhes da rotina dos seguranças do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e de Lula, para atacá-los.
Justamente o signatário que serviu de guia aos homens que planejaram e quase conseguiram concluir um atentado a bomba no aeroporto de Brasília.
Cheio de cinismo, o autor critica a “reação da esquerda às suas derrotas”, como se a gangue bolsonarista não tivesse perpetrado o 8/1.
O dublê de articulista e ex-presidente fala em aceitar a “vontade popular”, como se não tivesse esperneado e tentado até os 45 do segundo tempo manter-se na Presidência, mesmo derrotado nas urnas.
Termina o texto dizendo que trabalha “por um futuro melhor para as pessoas, para as famílias” — não incluídas aí as 400 mil pessoas cujas mortes poderiam ter sido evitadas na pandemia de covid-19, se Bolsonaro tivesse seguido os ditames da ciência.
Mas, convenhamos, do “mito” da extrema direita brasileira não se poderia esperar mesmo qualquer manifestação de honestidade intelectual.
O que surpreende no artigo não é o seu conteúdo, que se alinha com todas os disparates difundidos costumeiramente por Bolsonaro, mas o fato de ter sido divulgado não em uma live para a seita bolsonarista ou em algum site de extrema direita.
A farsa “democrata” de Jair Bolsonaro chegou ao público pela Folha de S. Paulo.
A partir daí , quem sabe, pode-se esperar que talvez Marcola escreva um artigo sobre segurança pública ou os promotores do Jogo do Tigrinho façam um texto sobre economia popular.
Na ânsia de exercer o democratismo (a prática de mostrar diversidade de opiniões, mesmo ao custo de abrir espaço para aqueles que querem destruir a democracia) o jornal chega ao ápice do “doisladismo”. Mostra os dois lados de quase todos os assuntos, menos quando se trata de economia. Na pauta do corte de gastos, por exemplo, só há espaço no noticiário para os porta-vozes do “mercado”.
O metaverso da democracia brasileira já tem seu órgão de imprensa oficial.
Afinal, se a extrema direita instaurar o caos institucional no país basta daqui a algumas décadas escrever um editorial pedindo desculpas.
E fazer tudo de novo.