No prefácio de Geovane Tuko Lacerda, Aparecida, o novo livro de Cidade, poeta, músico e colunista do Seguinte:, que tem ilustrações de Gabriel Renner, e terá lançamento com show e festa nesta sexta
No princípio ele era o caos. Moleque não-tão-moleque chato, irritante, inconveniente. Bom de apanhar. Genial e furioso. É daqui que sai a matéria-prima.
Inicia na banda Motor Mojo Junkie, tornada mais tarde em Viana Moog. Eis que, há mais de uma década, surgiu um guia de auto-destruição arrebatando a trilha sonora de São Hell. Como manter a “boemia adolescente após os trinta” era a premissa. Funcionou para tantos como um evangelho ao contrário, e ainda funciona. A Viana segue por anos, mas finda. E a Siléste surge.
Siléste é um novo testemunho, que parece não mais implicar tanto em correr contra a idade. Não elimina ou se afasta do passado, nem mesmo tenta redimi-lo ou qualquer coisa assim. Simplesmente uma não-tanta-pressa.
Mas não se limita ao som. As palavras por si mesmas, também. Algo que sempre esteve por lá, em pequenos cadernos de conta de mercearia e canetas bic quebradas. No aguardo das companhias em uma mesa pública e acolhedora. Lá vamos nós, mas antes (ou durante) as primeiras doses de conhaque, “lê isso aqui”.
O trajeto encontra as Crônicas de Rodoviária, aventuras pessoais inconfessáveis pragmaticamente confessadas, em objetividade de santo. Além da coluna no jornal Pois É, a parceria com a Makbo rende outro fruto: o livro Santo Pó/p.
Santo Pó/p (ilustrado por Gabriel Renner) dá a impressão de uma grande descoberta do universo de um outro. E, como toda grande descoberta, caminhamos a passos miúdos, na mão trêmula uma lanterna enquanto nos maravilhamos com intimismos propositadamente fugidios de um mundo nada perfeito.
Surge a partir daí uma série de trabalhos, em especial uma quantidade considerável de fanzines: Bonde Transmutóide (com Dirego Gerlach), Santa Réus (com Filipi Filippo), Cosmodômo, Poemas Simples sem Açúcar com Saudade, Café Torniquete, Pavão.
Seguem todos no caminho das metáforas e referências que não são floreios, mas algo a se agarrar sob uma realidade que tende à queda.
Com Quió (ilustrado por Gabriel Renner), seu segundo livro, mais um salto. É aqui estabelecido definitivamente o ato de “Expressar a visão” ao invés de “reforçar a imagem”. Não se limita a situações e termos fortes no sentido de traçar ousadias, coloca a lente da amoralidade trabalhando em um mundo imoral. O verdadeiro turismo no abismo.
O resgate dessa gente que Jack Kirby pegou pelo avesso, no sentido de abalar o universo com tanta frequência que o extremo se torna a regra. Há um novo respiro de coisas até então adormecidas nas profundezas, que voltam em seus ocultos tormentos interiores para arremessá-los ao exterior. Ao que segue, espero então pelos arquétipos cripto-carnavalescos, energias pseudo-quânticas, ousadias multidimensionais. Para além da já conhecida habilidade do autor em utilizar palavras de desconforto na feitura de cânticos espirituais, APARE-CIDA nos conforta especialmente na confrontação dramática.
E, mesmo em seu martírio solo e único, faz também o inevitável: nos estimula a confrontar também.
O LANÇAMENTO
Nesta sexta, 20h, no Oculto, em Porto Alegre, tem show de lançamento de Aparecida com as bandas EX, Pômica e Paquetá. Para saber mais sobre o evento clica aqui.