Podemos pensar a cultura de diferentes perspectivas: produção, circulação, consumo, significados, memórias e identidades, entre outras. Independentemente das lentes que se use, no entanto, mirar na cultura implica entender a teia de leis, decretos e normativas que orientam as políticas públicas no campo. Tarefa nem tão fácil e que nos últimos anos tem ocupado a agenda pública tal a intensidade das mudanças que ocorrem e das que promoveram retrocessos.
Nesse ano, três importantes instrumentos legais foram publicados e pelo menos mais um (para regulamentar a Lei Aldir Blanc II) está por vir. No dia 23 de março, o Governo Federal publicou o Decreto 11.453, que regulamenta diferentes dispositivos de fomento do Sistema de Financiamento à Cultura (SFC). Estão abrangidos por esse decreto a Lei Rouanet, o Programa Cultura Viva, a Lei Aldir Blanc II e a Lei Paulo Gustavo.
Logo em seguida, no dia 11 de maio, foi publicado o Decreto 11.525 que regulamenta a Lei Paulo Gustavo (LC 195/2020). Um pouco antes, no dia 10 de abril, o governo publicou a Instrução Normativa MinC nº 01/2023, que estabelece procedimentos relativos à apresentação, recepção, seleção, análise e aprovação de projetos na Lei Rouanet (Lei 8.313/1991).
Para entender a importância do Decreto 11.453/2023, precisamos dimensionar o seu alcance. Em primeiro lugar, devemos destacar que ele não trata isoladamente da Lei Paulo Gustavo (LC 195/2022) ou da Lei Rouanet (Lei 8.313/1991), mas se aplica a todo o arcabouço legal de fomento do Sistema Nacional de Cultura (SNC), disposto no Artigo 216-A da Constituição Brasileira.
Esse artigo, incluído pela Emenda Constitucional 71, em 2012, surge para estabelecer no plano constitucional o Sistema Nacional de Cultura. Ele trata, em seu parágrafo 1º, dos princípios e dos fundamentos do SNC, e, no parágrafo 3º, determina que uma lei federal irá regulamentar esse sistema. Assim, fica claro que ainda não temos um marco legal para a cultura no país e que isso pode acontecer com a aprovação do Projeto de Lei 3.095/2021, proposto pela deputada Aurea Carolina, do Psol, e que tramita no Congresso Nacional.
Antes da Emenda à Constituição, o Artigo 216 não tratava do Sistema Nacional de Cultura e dos mecanismos de financiamento e fomento ao setor, previstos na Lei Rouanet, de 1991, e em leis posteriores. O parágrafo 3º do Artigo 216 da Constituição apenas diz que: “A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais”.
Então, é bom destacar que o Decreto 11.425/2023 não se constitui em uma regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, não representando, portanto, um marco legal da cultura no país. Podemos dizer que ele antecipa, mas não coloca um ponto final na necessária regulamentação do setor. Confira do que trata cada uma das leis que se encontram abrangidas pelo Decreto 11.453/2023.
Lei Rouanet (Lei 8.313/1991) – Institui o Programa Nacional de Incentivo à Cultura (Pronac), o Fundo Nacional de Cultura (FNC) e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). A Lei Federal de Incentivo à Cultura leva o nome de seu criador Sérgio Paulo Rouanet, ministro da Cultura no governo Collor de Mello, quando a lei foi sancionada. De modo geral, a Lei Rouanet institui o financiamento privado para projetos culturais com dedução do valor investido no imposto de renda, de acordo com percentuais e critérios previstos na própria lei.
Programa Cultura Viva (Lei 13.018/2014) – Institui a Política Nacional de Cultura Viva, programa criado pelo Governo Federal, em 2004, por meio de uma portaria do Ministério da Cultura e que, apenas em 2014, com a Lei 13.018, passou a ser uma política pública. O seu principal objetivo é ampliar o acesso da população brasileira aos seus direitos culturais, valorizando a cultura de base comunitária. A primeira regulamentação da lei que institui o Programa Cultura Viva veio com a Instrução Normativa n° 1, publicada pelo MinC em 2015, tendo sido substituída pela Instrução Normativa n° 8/2016.
Lei Aldir Blanc II (14.399/2022) – Institui a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura e não deve ser confundida com a Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc (14.017/2020), criada para destinar recursos ao setor cultural afetado pela pandemia da Covid-19. A Lei Aldir Blanc II, que ainda não foi regulamenta, irá destinar recursos aos estados e municípios até 2027, mediante propostas de aplicação desses recursos.
Lei Paulo Gustavo (LC 195/2022) – Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural. Regulamentada pelo Decreto 11.525, essa lei lança mão de recursos do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual, num total de 3,8 bilhões. Estados, municípios e o Distrito Federal recebem recursos de acordo com critérios estabelecidos na própria lei, como por exemplo a população e o Fundo de Participação dos Municípios e DF.