RAFAEL MARTINELLI

Após ‘moção da vergonha’, Câmara de Gravataí mostrou grandeza ao recuar e repudiar ‘PL do Estuprador’

Câmara de Vereadores de Gravataí / Foto: Tiago Cechinel

Na política, admitir um erro — ainda que de forma parcial — é gesto raro. Que, por acontecer em um ambiente egocêntrico, guarda algo de nobreza, até. Pois a Câmara de Vereadores de Gravataí, como Poder, foi grande ao aprovar, mesmo que não tenha sido por unanimidade, a Moção 92/2025, que repudia aquele que o jornalista Reinaldo Azevedo chamou de “PL do Estuprador” (PL 1904/2024) e o PDL 3/2025, que tramitam no Congresso Nacional.

O placar de 10 a 4, entre 21 parlamentares, mostra que ainda há resistência a reconhecer o absurdo, mas é um movimento relevante diante da vergonha anterior: a aprovação, em julho, pelo mesmo Legislativo, da Moção 71/2025, que apoiava esse conjunto de medidas perversas e inconstitucionais; leia mais em Vereadores de Gravataí escolheram o lado do estuprador: A vergonha da Moção 71/2025.

A nova moção, proposta pelas vereadoras Anna Beatriz, Márcia Becker e Vitalina Gonçalves, integrantes da Procuradoria Especial da Mulher, coloca Gravataí novamente no lado certo da história. E não se trata de uma disputa ideológica sobre aborto, mas da defesa de direitos fundamentais de meninas e mulheres vítimas de estupro, reconhecidos há décadas pela legislação brasileira.

Os projetos repudiados pela Moção 92 não apenas criminalizam mulheres que interrompem a gestação após 22 semanas, mesmo quando a gravidez é fruto de violência sexual, como equiparam o ato a homicídio simples — punindo a vítima mais severamente do que o próprio estuprador. É um contrassenso jurídico, um atentado à dignidade humana e um estímulo à revitimização.

O quadro local torna a decisão ainda mais urgente. Em 2024, Gravataí registrou 153 casos de estupro, ficando atrás apenas de Porto Alegre. Proporcionalmente, a probabilidade de uma mulher ser vítima de violência sexual na cidade é 60% maior que na capital. E o dado mais estarrecedor: em 80% dos casos, eram crianças e adolescentes, muitas abusadas dentro de suas próprias casas. Diante disso, apoiar um projeto que transformaria essas vítimas em criminosas beira a crueldade.

A Moção 92 também cumpre um papel fundamental ao proteger profissionais da saúde que, pela proposta original, poderiam ser tratados como cúmplices por prestarem atendimento legal. E reforça algo que deveria ser óbvio: o aborto, nas hipóteses previstas em lei, é um direito humano ligado à saúde, à vida e à integridade física e psicológica das vítimas.

Ainda que nem todos os vereadores tenham votado pela revisão, a aprovação desta nova moção é um recado: Gravataí não precisa ser cúmplice de projetos que afrontam a Constituição, a ciência e a compaixão.

E aqui vale a provocação feita por um vereador que se ausentou na votação da primeira moção, Claudio Ávila, aos que se dizem “pró-vida” e “anti-abortistas”: que tal, então, unir forças para garantir mais recursos para as áreas sociais, para as crianças que já nasceram?

Porque, como ele bem disse, “na hora de reivindicar espaços no governo e disputar o orçamento, essa nunca é prioridade dos políticos”.

Ao fim, defender a vida é muito mais do que fazer discursos inflamados no plenário. É agir para que nenhuma criança — dentro ou fora do útero — seja condenada à miséria, ao abandono ou à violência.

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A Câmara não está mais transmitindo as sessões pelo YouTube. Mas o Seguinte: teve acesso ao áudio completo das 4h de debate, que teve na platéia grupos de apoio de lado a lado e até suspensão dos trabalhos quando o clima esquentou. Clique aqui para ouvir.


OS VOTOS

A favor da moção de repúdio:  Airton Leal (MDB), Anna Beatriz (PSD), Aureo Tedesco (MDB), Beto Bacamarte (MDB), Claudecir Lemes (MDB), Claudio Ávila (União Brasil), Dilamar Soares (Podemos), Marcia Becker (PSDB), Paulinho da Farmácia (Podemos) e Vitalina Gonçalves (PT).

Contra a moção de repúdio: Bombeiro Batista (Republicanos), Hiago Pacheco (PP), Policial Coruja (PP) e Roger Correa (PP).

: Não estavam em plenário: Alex Peixe (PSDB), Bino Lunardi (PSDB), Carlos Fonseca (Podemos), Fabio Ávila (Republicanos), Guarda Moisés (Republicanos) e Mario Peres (PL).

*O presidente do legislativo, Clebes Mendes (PSDB), só precisa votar em caso de necessidade de desempate.

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