Se em seu governo o ‘Grande Eleitor’ Marco Alba (MDB) era saudado por prefeitos impressionados sobre como tinha aprovado ‘pautas-bomba’ como o aumento na contribuição previdenciária do funcionalismo, Luiz Zaffalon (MDB), outsider da política, deu aula aos governantes gaúchos que penam para aprovar suas reformas da previdência – e Porto Alegre é o principal exemplo.
Em segundo turno, com os mesmos 16 votos a 5, a Câmara de Vereadores aprovou aquela que o prefeito chama da ‘reforma das reformas’, como já detalhei em artigos como Uma Reforma da Previdência para salvar não só aposentadorias, mas investimentos por 20 anos em Gravataí; A Falha de San Andreas e A vitória política do governo Zaffa com aprovação da Reforma da Previdência de Gravataí; Entre o milagre e a cruz..
A aprovação com facilidade, que agora só corre risco caso a justiça aceite pedido de anulação liminar do primeiro turno feita por vereadores do PSD, o que reportei em Ação judicial pede anulação da Reforma da Previdência de Gravataí, surpreendeu até experientes colunistas gaúchos, como Rosane Oliveira, que comentou em seus espaços em GZH e Rádio Gaúcha a amplitude da reforma, quase um Control C + Control V da aprovada no governo Jair Bolsonaro em 2019.
Mesmo que para o funcionalismo seja um fim de mês perpétuo, inegável é legitimidade de Zaffa. Para horror dos marqueteiros, avisou em todos os debates eleitorais que iria apresentar o conjunto de projetos aumentando o tempo de serviços, contribuição e taxação de inativos. Venceu com 52% dos votos, mais do que os adversários somados. Ou seja: por lógica mais da metade dos eleitores concordaram com suas propostas.
Há de se admitir também a inevitabilidade da reforma, que não teve nenhuma proposta alternativa à do governo (que racha a conta com os servidores, 51% a 49%) apresentada por sindicatos ou políticos de oposição – ao menos baseada na ‘ideologia dos números’ para enfrentar, e não apenas pedalar para o futuro, o déficit de R$ 1 bilhão que ameaça com a insolvência o IPG, instituto de previdência municipal.
Limitaram-se os sindicatos dos professores e dos municipários a lamentar que pagarão por um déficit que, de fato, não criaram, já que é oriundo de uma equivocada formatação do instituto de previdência, criado em 1996, e por calotes até 2011.
A falta de propostas alternativas foi sublimada em manifestação de um vereador da própria oposição: Cláudio Ávila (PSD) disse que reconhecia o rombo bilionário, o esforço do governo em dividir a conta usando de recursos livres do caixa, como o Imposto de Renda, e confirmou o voto contrário no último segundo, alegando orientação partidária. Politicamente, Ávila, que entregou a liderança da bancada na sessão e tem sido crítico do governo, garantiu um ‘placar moral’ de 17 votos a favor da reforma.
Se para horror dos servidores homens terão que se aposentar com 65 anos e mulheres com 62, o que aumenta o tempo de contribuição em 5 e 7 anos, e ambos com pelo menos 25 anos de contribuição, exceto os professores, que podem se aposentar com cinco anos a menos, a Prefeitura pagará uma alíquota maior, de 15,7 para 20%, os ativos seguirão contribuindo com 14% e os quase 2 mil aposentados, que eram isentos até o teto do INSS (R$ 6,4 mil), passarão a contribuir, a partir de outubro, com 14% sobre o valor que excede o salário mínimo. Também foi aprovado um regime de previdência complementar municipal, que limita o valor das aposentadorias. Para quem já obteve o direito de se aposentar antes da publicação da nova lei, vale a regra antiga.
Conforme os cálculos da Prefeitura, entre 2013 e 2021 foram pagos R$ 238 milhões entre déficit e dívida. Só em alíquota suplementar são R$ 45 milhões somente neste ano. Sem a reforma, seriam mais R$ 295 milhões nos próximos quatro.
Caso não fosse aprovada a reforma, o calote nos repasses para as aposentadorias já começaria em agosto, a partir do zeramento do orçamento de 2021, combalido pelos gastos com a pandemia, a queda de receita e a ausência do socorro federal que encheu os cofres municipais em 2020.
– Agradeço aos vereadores que tiveram discernimento e coragem para mudar. Assim, resolveremos definitivamente o déficit bilionários da previdência municipal, garantindo a aposentadoria dos servidores e investimentos na cidade – manifestou-se Zaffa, pelo site da Prefeitura, na matéria “Vitória da sociedade: aprovada a Reforma da Previdência Municipal”.
A promessa do prefeito é de que os recursos economizados “poderão ser revertidos para a cidade, em obras e serviços” nas áreas de “saúde, educação, assistência social e obras”.
– Com os recursos que deixaremos de repassar por meio da alíquota extraordinária poderemos fazer aquilo que toda a sociedade pede, que são melhorias estruturais no município”.
No texto, Zaffa projeta o impacto imediato da reforma na redução da alíquota extraordinária.
– Com o aumento da contribuição patronal que foi aprovada e a nova contribuição que será realizada pelos inativos (aposentados e pensionistas), teremos uma redução significativa dos parâmetros de cálculos – disse, lembrando que outras medidas serão tomadas a médio e longo prazo para “equilibrar financeiramente o Instituto de Previdência de Gravataí”.
Uma delas já antecipei em Reforma da Previdência de Gravataí: Novo Centro Administrativo entra na conta da ’salvação das aposentadorias’; O ganha-ganha: o IPG usaria parte do fundo de aposentadorias para construir um Centro Administrativo e depois locar para a Prefeitura. O cálculo, que inclui também a rentabilização de outros ativos, é de que, projetando dois anos para conclusão da obra, seriam arrecadados R$ 74 milhões em 34 anos.
Hoje o gasto da Prefeitura com aluguéis é de R$ 320 mil por mês. O valor seria pago ao IPG.
Assista vídeo de agradecimento de Zaffa e, abaixo, concluo
Ao fim, concluo da mesma forma que todos os artigos anteriores sobre a reforma, quando apelei para ser convencido do contrário: “A previdência é uma ‘Falha de San Andreas’. Só que a cada ano as placas tectônicas se abrem mais. Como está, vai engolir Gravataí, com funcionalismo & tudo. É a ‘ideologia dos números’. É a realidade que se impõe, mesmo que ao pagar uma conta que já pagou, o funcionalismo experimente um fim de mês ainda mais perpétuo”.
Fato é que a Reforma da Previdência não é nenhuma surpresa. Inclusive nas sabatinas que fiz na semana da eleição de 2020, na série A LIVE É O SEGUINTE:, os principais candidatos à Prefeitura, Luiz Zaffalon (MDB), Dimas Costa (PSD) e Anabel Lorenzi (PDT) admitiram a inevitabilidade da ‘pauta-bomba’.
Se alternativa não foi apresentada, talvez milagre não haja.
Infelizmente.
A boa notícia é que, se governantes que ainda nem nasceram não forem irresponsáveis, a 'Falha de San Andreas' não vai mais engolir Gravataí com funcionalismo & tudo.
OS VOTOS
: A favor da Reforma da Previdência – Alan Vieira (MDB), Alison Silva (MDB), Áureo Tedesco (MDB), Claudecir Lemes (MDB), Clebes Mendes (MDB) ,Márcia Becker (MDB), Carlos Fonseca (PSB), Paulo Silveira (PSB), Demétrio Tafras (PSDB), Fábio Ávila (Republicanos), Mario Peres (PSDB), Policial Federal Evandro Coruja (PP), Roger Correa (PP), Alex Peixe (PTB), Bino Lunardi (PDT) e Dilamar Soares (PDT).
: Contra a Reforma da Previdência – Anna Beatriz da Silva (PSD), Bombeiro Batista (PSD), Cláudio Ávila (PSD), Fernando Deadpool (DEM) e Thiago De Leon (PDT).
O DEBATE
Assista no vídeo a íntegra das falas dos vereadores do governo e oposição na sessão, que teve protesto de servidores, que carregaram pela Câmara um caixão com os dizeres “a reforma mata”, apitaço, gritos e até uma tentativa de invasão do plenário que suspendeu a sessão.