Precisamos falar sobre o caso de professora agredida por uma mãe em escola municipal de Gravataí. Ainda não tinha abordado o tema e terei o cuidado que reputo necessário. Considero errada a forma como envolvidos – da comunidade escolar às autoridades, passando pela mídia – trataram o episódio, assim como foi uma sucessão de erros caso de aluno de 8 anos de escola estadual que, a pedido da mãe, foi levado para uma delegacia de polícia após agredir uma professora, dias atrás.
Em ambas as tragédias sociais, o nome da escola foi exposto – o que coloca crianças ao alcance do julgamento de colegas, vizinhos e do abjeto Grande Tribunal das Redes Sociais. Os mais frágeis poderiam ter sido preservados. Mas não é esse o foco deste texto. Sigamos.
No caso da escola municipal, a professora teria sido agredida fisicamente por uma mãe após se recusar a amarrar o cadarço de um aluno. O caso, repudiado pelo Sindicato dos Professores Municipais de Gravataí (SPMG), não é isolado. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) revelam que denúncias de violência em escolas explodiram nos últimos cinco anos. Professores são alvos frequentes: 10% relatam intimidação semanal, índice três vezes maior que a média global, segundo a OCDE.
A pandemia e a bomba-relógio emocional
Especialistas apontam a pandemia como catalisadora da crise, em uma série de publicações que li para elaborar este artigo.
– O lockdown obrigou a sociedade a confrontar fragilidades emocionais não resolvidas – analisa María Elena Duarte, psicóloga chilena.
Teresa Hernández, da Associação Nacional de Profissionais da Educação (ANPE), acrescenta: “Distúrbios mentais e agressividade nas redes sociais se refletem nas salas de aula”.
A falta de estrutura para lidar com essas questões transforma escolas em campos de tensão, onde educadores, como a professora de Gravataí, tornam-se alvos de frustrações alheias.
“Precisamos Falar Sobre Kevin”: quando a violência é um espelho
Faço a conexão com o filme Precisamos Falar Sobre Kevin (2011). Assim como Eva, mãe do protagonista Kevin – um adolescente que comete um massacre –, a sociedade busca culpados individuais para problemas estruturais. No filme, a culpa recai sobre Eva, cujo relacionamento conturbado com o filho é pintado como origem da tragédia. Na vida real, professores são criminalizados por supostamente “falharem” em funções que transcendem o pedagógico.
A obra, repleta de simbolismos, retrata a normalização da violência e a solidão de quem tenta combatê-la. Em Gravataí, a professora agredida personifica essa solidão: sua integridade foi violada, mas a responsabilidade é coletiva.
– A escola perdeu seu significado como instituição respeitada – reflete Duarte, ecoando a desvalorização que permeia o filme.
Desafios estruturais e a banalização do conflito
Estudos mostram que 62,2% dos professores já sofreram violência no exercício da profissão, majoritariamente de alunos, mas também de familiares, como no caso gravataiense. Elaine Cristina Simões, pesquisadora da USP, alerta: “A violência está tão disseminada que começa a ser banalizada”. Miriam Abramovay, especialista em juventude, reforça: “A indiferença ao professor mina o processo educativo”.
Enquanto isso, discursos que deslegitimam educadores ganham espaço. “A quem interessa uma escola fragilizada?”, questiona o SPMG em nota. A Prefeitura de Gravataí e o Governo do Estado, embora solidários, enfrentam a demanda por ações concretas: mais segurança, suporte psicológico e políticas de mediação de conflitos. Vale também para escolas particulares – onde casos também acontecem, mas são ‘resolvidos’ entre bonitas paredes; por vezes, com a demissão de professores.
Concluo, com o que é está sendo e será
O filme de Lynne Ramsay termina com Kevin, enfim vulnerável, abraçando a mãe em uma prisão. A cena, ambígua, questiona se o amor distorcido entre eles poderia ter evitado a tragédia. No Brasil, a pergunta é outra: como evitar que a violência nas escolas se torne uma tragédia anunciada?
Paulo Freire lembra que “o mundo não é, está sendo”. A educação, porta de entrada para transformação, exige que poder público, famílias e sociedade assumam suas partes. Como escreveu o SPMG: “Basta de violência”. Urge falar sobre Kevin, sim, mas também sobre valorização, diálogo e esperança. Se abandonarmos os professores, tudo isso que já “é”, e “está sendo”, pior restará.