Sete vidas
Dizem que, algumas décadas atrás, um grupo de publicitários estava reunido em um brainstorming, para criar a marca de um calçado super durável que um cliente pretendia lançar no mercado, mas, horas depois, nada de surgir uma ideia original.
Lá pelas tantas, entrou pela décima vez, na sala, o menino que servia o cafezinho e falou: “Olha aqui, pessoal! Durável é o gato, que tem sete vidas. Então, o que acham de propor este nome ao cliente?” E assim, teriam surgido as alpargatas Sete Vidas, que muito usei na minha infância…
Cheguei à conclusão de que a lenda das sete vidas do gato tinha fundamento lá pelos meus treze anos.
Certo dia, no momento em que eu cruzava o portão de casa, na volta do colégio, meus dois irmãos me avistaram e voaram para o fundo do pátio, e eu deduzi: “Aí tem! Alguma esses dois aprontaram!”.
Corri atrás deles e os encontrei na lavandeira, cochichando e manuseando rapidamente algo que não identifiquei à primeira vista. Ao me aproximar, fiquei aterrorizada. Ali estava o meu gato, Alemão, pintado de verde (haviam utilizado a tinta esmalte que o pai comprara para pintarem as janelas da casa), e o Toni o esfregava com um pano empapado com o solvente Isa Raz, que tinha um cheiro fortíssimo.
Eu já entrei ali gritando: “Parem! Parem! Assim vocês o matam de vez! Xispem daqui antes que lhes dê uma tunda de laço!”.
Sozinha com o Alemão, liguei a ducha elétrica do banheiro que havia ali ao lado, enchi uma bacia de água e o lavei devagarinho, com sabão de coco, tratando de eliminar o fedor do Isa Raz (a tinta ainda levaria alguns meses para desaparecer totalmente).
Mas fazia um frio imenso, e o pobre gato não parava de tremer. Então o enrolei em uma toalha felpuda, e nada! Seguia tremendo e assustadíssimo.
Daí tive uma ideia brilhante. Liguei o ferro de passar roupa, coloquei o gato enroladinho em uma toalha mais fina, sobre a mesa, e, bem devagarinho, o esquentei até que parou de tremer.
E não foi dessa vez que o Alemão esgotou suas sete vidas…
Vovó Princesa
Na primeira vez em que vi aquela idosa sentadinha em um banco da Praça da Alfândega — por cujas alamedas eu voava o dia inteiro, em função do meu trabalho na equipe da Feira do Livro de Porto Alegre —, o que chamou minha atenção não foi tanto seus cabelos oxigenados ou os lábios pintados de batom vermelho carmim, mas sua postura.
Embora se vestisse de maneira simples, aquela velhinha tinha o porte de uma princesa. Cada vez que eu passava por ali, ela me acenava, sorrindo: “Vai com Deus, minha filha!”.
Geralmente, a Vovó Princesa não estava sozinha em seu banco, e eu ia adiando o dia de me sentar, a seu lado, e puxar uma conversa.
Quando isto, finalmente, ocorreu, ela ficou muito contente. Contou-me que vivia ali pertinho e que costumava passar os dias de sol na Praça, pois se sentia só em casa. Falou do filho e dos netos, que encontrava nos fins de semana, e do quanto gostava do centro de Porto Alegre.
De repente, aproximou-se um senhor, e ela pediu que ele voltasse mais tarde. E, nessas alturas, achou que me devia uma explicação: “Sabe, minha filha, tem muita gente maledicente nesta praça. Imagina que falam que sou prostituta! Mas juro que não sou! Esses senhores que vês sentados, aqui ao meu lado, quando passas, me procuram porque sou uma boa contadora de histórias. Então, é isto o que faço aqui: eu lhes conto histórias!”.
Tudo a ver com a Feira do Livro a Vovó Princesa, não é? Pena que, no ano seguinte, ela já não estava por lá, e fiquei sabendo que tinha ido contar histórias no céu.