A Fundação de Arte e Cultura será extinta, por mais que artistas de Gravataí se mobilizem.
A decisão já foi tomada pelo prefeito Marco Alba (PMDB), que tem 13 entre os 21 vereadores para aprovar a reforma administrativa que já está na Câmara.
Nas sensibilidades da política, é uma polêmica que não fere o governo, escudado frente à população com, em meio a tanta crise, o símbolo da economia de R$ 2,4 milhões em quatro anos com a redução de 23 para 19 secretarias, fundações e autarquias.
Até porque a sequência da mobilização do #FicaFundarc, que nesta quarta teve sua apoteose numa audiência pública na Câmara, tende a se tornar uma confraria, com os contrários à extinção falando quase que exclusivamente a si próprios.
Aqui não se configura nenhum juízo de valor deste articulista, e artista. Muito pelo contrário. É apenas uma constatação.
Nos tempos em que vivemos, em que as pessoas chegam felizes em casa quando não são vítimas de assalto, uma espera de cinco horas por atendimento em saúde é padrão de plano de saúde, alunos do terceiro ano pouco sabem ler e escrever, e tantas mães e pais se humilham nas portas das empresas atrás de emprego, defender a cultura raramente rende mais da maioria das pessoas do que uma pecha de vagabundo, acompanhada da recomendação para se mudar (não mais para Cuba) para Venezuela.
Os comentários nas redes sociais aos artigos sobre a extinção estão aí, desvelando ódios mútuos e posições antagônicas semelhantes a quando o governo, pouco tempo atrás, acrescentou ‘Família’ ao nome da Secretaria de Assistência Social.
Na audiência convocada pelo ‘vereator’ Wagner Padilha, youtubber criador da personagem ‘Tô de Olho no Buraco’, artistas e governo não se acertaram nem na hora de chegar e ir embora.
– Foi vexatório – diz o ator Paulo Adriane, com a experiência de Projac na bagagem, sobre a diretora-presidente da Fundarc Fernanda Fraga, o secretário de Governança Comunitária Claiton Manfro e o vereador Alan Vieira terem saído mais cedo.
– O Conselho de Cultura, os artistas e todos os envolvidos foram desrespeitados. Queríamos ser ouvidos, mas quando os representantes da Prefeitura falam e na hora de escutar a comunidade artística vão embora, não parecem estar abertos de verdade ao diálogo – lamenta.
Fernanda Fraga responde que a audiência começou com atraso e todos teriam sido avisados de que o trio – inegavelmente assistido por quase todo público presente (basicamente artistas e pessoas identificadas com a oposição) como intérpretes do papel de ‘vilões’ – poderia participar por duas horas, antes de se dirigir a outro compromisso.
– Ficamos 2 horas e 22 minutos e apresentamos as justificativas do governo – alega a diretora.
Por mais que incomode à classe artística, o argumento de que o governo vai ‘acabar’ com a cultura é de difícil compreensão da população, já que ela terá status de secretaria e, conforme a diretora, mais orçamento, porque em 2016 a metade dos R$ 2 milhões destinados à Fundarc foram para pagamento de CCs e funcionários.
Atendendo recomendação de 2011 do Tribunal de Contas e do Ministério Público, os governos Rita Sanco, Acimar da Silva e Marco Alba criaram concurso e chamaram servidores de carreira para a fundação, engrossando uma folha que era praticamente zerada pelo corpo funcional do passado ser formado quase na totalidade por servidores cedidos de outras secretarias.
– Mesmo com orçamento menor retomamos oficinas nas comunidades, reeditamos o Festil que não acontecia desde 2008 e fizemos a primeira captação de recursos da história de Gravataí, na Semana Farroupilha de 2014. Estranho muitos que fecharam o Cine-Teatro, que deixaram de fazer o Festil, falarem que nós somos contra a cultura. Pelo contrário, em vez de custear grandes shows nacionais, ou trazer escritores de renome, valorizamos artistas e autores locais na Feira do Livro, por exemplo, e abrimos editais para participação de toda classe artística. Nunca chamamos amiguinhos para os projetos – argumenta Fernanda, que sustenta que a Fundarc é hoje uma ‘miniprefeitura’ que não consegue se sustentar sem recursos da Prefeitura.
– De que adianta manter uma estrutura apenas por sua simbologia? – questiona, dizendo que é integrante do Conselho Nacional de Cultura, reconhece a importância do Plano Municipal de Cultura e, aprovada a transformação da Cultura em Secretaria, o governo enviará projeto à Câmara apenas adequando o órgão gestor do plano.
O discurso não convence Paulo Adriane, um dos principais porta-vozes da classe artística.
– Falar em economia e mais orçamento é balela. A redução de custos é irrisória e poderia ser feita em outras secretarias. E os recursos da Cultura, que já são pequenos, serão divididos com o Esporte e o Lazer – critica.
Mesmo dizendo que o #FicaFundarc não é “contra o governo”, em sua argumentação Paulo Adriane demonstra que há uma espécie de barreira ideológica entre artistas e governo.
– O desmonte da cultura vem de cima e agora chegou a Gravataí, com a extinção da Fundarc pelo Marco Alba. Quando assumiu, Temer extinguiu o Ministério da Cultura e só voltou atrás por pressão da classe artística. Sartori está extinguindo a TVE – compara.
Como deliberação da audiência pública, será apresentada na Câmara uma moção contrária à extinção e manifestações de artistas levarão o protesto a diferentes lugares da cidade. Por trás das cortinas fala-se inclusive em uma ocupação do Cine-Teatro.
Sem vestir um lado ou outro como mocinho da história, inegável é que o discurso está do lado do governo. Alguém duvida do resultado de um plebiscito perguntando ao povo se quer economizar com a cultura e investir mais em segurança, saúde e educação?
Até a aprovação da extinção no palco da Câmara, que não deve demorar mais de duas semanas, artistas e políticos do #FicaFundarc e a Prefeitura seguirão se jogando tomates argumentativos. Mas o último ato da ópera, todo mundo sabe. A Fundarc morre no final.
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