O Seguinte: teve acesso a um dos áudios que estão na representação feita pelo vereador Dilamar Soares (PDT) ao Ministério Público Eleitoral pedindo investigação em Gravataí por “(…) Fake News. Criação e administração de páginas e grupos de comunidade. Perfis falsos. Propaganda eleitoral antecipada por via difusa (…)”.
Tratei da ‘denúncia’ nesta terça em Vereador de Gravataí denuncia ao MP uso de fake news e páginas de Facebook por políticos; há um ’gabinete do ódio’?. A suspeita levantada pelo político é de que páginas, grupo e comunidade de Facebook, ou ‘gabinetes do ódio’, são criadas, e até negociadas, para favorecer políticos e candidatos nas eleições de 2020.
Na ‘entrevista-bomba’, feita por videoconferência, o político não revelou o nome dos envolvidos, mas na peça entregue por ele ao MP agentes públicos são citados. Um deles é Bombeiro Batista, que, conforme o documento, “administra uma rede das mencionadas páginas, que segundo o último levantamento ultrapassam a três dezenas (…) o vereador do PSD de Gravataí cria e administra controlando todo o tipo de informação que circula por essas plataformas”.
Em um dos áudios dos anexos da peça que está com o MPE, é Bombeiro quem supostamente conversa com o então coordenador de Comunicação da Prefeitura, Luiz Fernando Aquino. Procurado pelo colunista às 9h da quarta, o vereador não retornou até o fechamento deste artigo, às 16h desta quinta.
O áudio teria sido captado dia 6 de junho do ano passado, às 14h44, em circunstâncias nas quais o autor do pedido de investigação não revela, ainda. O coordenador teria cobrado um administrador de página pela publicação de informações erradas e alertado que o denunciaria. Minutos depois o vereador teria ligado.
Ouça o áudio. Reproduzo a transcrição abaixo e sigo o artigo.
(…)
Bombeiro – Porque… tipo assim, ó, no grupo que deu stress lá eu sou moderador. Só que eu não tenho como ver tudo, entendeu? Qualquer coisa que tu precisar manda para mim, manda pros guri aqui que a gente dá um jeito… só pra te dar uma dica…
Aquino – Não entendi…
Bombeiro – … te dar uma dica para ti que eu não tenho nada a ver com essas coisas aí e… eu vou falar meio em código… tu vai entender, só pra te dizer isso…
Aquino – Tá, mas não entendi: tu é o moderador do grupo aquele?
Bombeiro – Eu sou o moderador do grupo, sou moderador do grupo lá…
Aquino – Aquele é o Acorda Gravataí, né?
Bombeiro – É, tá excluído lá o troço lá… Quando tiver me mandar, manda pra mim no privado.
Aquino – Mas eu não sei que tu é o moderador. Nem me passou pela cabeça que um vereador fosse moderador do grupo…
Bombeiro – Me manda o que tiver de dúvida, alguma coisa eu posso ter conhecimento, conhecer os caras
Aquino – Mas…
Bombeiro – Entendeu?
Aquino – Mas tu fala por eles?
Bombeiro – Não, eu não falo por eles, não falo por eles não…
Aquino – Mas qual é a tua autonomia em relação aos grupos?
Bombeiro – Não, não, eu tô falando nesse que tu, que tu, que deu ali, tá? Quando tu tiver alguma coisa que tu precisar tu me chama aí, a gente conversa pessoalmente.
Aquino – Mas é tu que modera aquele grupo?
Bombeiro – Oi?
Aquino – É tu que modera aquele grupo?
Bombeiro – Sim, sim, eu tô de moderador ali, é só tu entrar que vai ver que aparece eu.
Aquino – Tá, então tu é responsável pelo que é publicado ali, tu sabe, né?
Bombeiro – Não, mas é aí que tá… não tem como a gente ver todas as publicações, né? Tem que entender que quando tu reclama, não teve nenhuma reclamação, entendeu? Nenhuma reclamação de denúncia, alguma coisa… quando tem denúncia a gente vai lá e observa e olha, entendeu? Quando tiver alguma coisa manda que é mais fácil. Manda pra mim: “ô vereador, não tem como dar uma olhadinha?”, porque às vezes eu não consigo, entendeu? Mas quando eu estiver atento eu consigo dar uma olhada ali. E também a gente não tem, a gente não quer esse tipo de coisa do grupo também.
Aquino – Nem me passou pela cabeça que tu pudesse ser moderador do grupo, né?
Bombeiro – (ininteligível)
Aquino – Eu vou pelo meio formal, entendeu? Tem algo contra ali, aí é o procedimento que a gente tem feito com todos, não é exclusivamente com vocês, né. Tudo aquilo que implica acusação…
Bombeiro – Sim, sim, sim… ofensa a gente não deixa também, a gente não quer… Manda pra mim. Tu vê que eu tô lá de morador, me avisa. A gente não tem porque não, não ajudar, tá?
Aquino – Tá bem.
Bombeiro – Só pra te deixar aberta essa porta. Só aí, conversa comigo daí.
Aquino – Tá bem, tá certo.
Bombeiro – É isso que eu te peço só…
Aquino – Arrã.
Bombeiro – … pra não dar mais esse stress aí.
Aquino – Ok.
Bombeiro – Um abraço.
Aquino – Abraço.
(…).
O áudio da conversa entre Bombeiro e Aquino é assim citado na representação ao Ministério Público: “anexa-se ainda áudio no qual o supramencionado vereador em conversa com o coordenador de comunicação da Prefeitura Municipal de Gravataí, se autointitula como moderador de páginas entre elas a “Acorda Gravataí”, uma das maiores e com maior alcance no município. Vale ressaltar ainda, que no áudio o vereador afirma “falar em código”, o que de pronto levanta suspeita sobre a conduta do edil, pois ninguém que não tema a justiça e a verdade precisa falar em códigos, prática própria daqueles que burlam a lei”.
A representação indica que “conforme demonstrado pelos documentos acostados, as mesmas figuras são administradoras de dezenas de páginas no facebook (…)” e “o método utilizado é o mesmo em praticamente todos os casos: buscando atrair o público, as páginas criadas utilizam nomes atrativos e manchetes sensacionalistas, por exemplo, SOS Gravataí” e “mais do que administrar as páginas o mencionado vereador exerce tutela sobre o que é divulgado, impedindo que aqueles que discordam do seu posicionamento possam publicar qualquer conteúdo nas páginas”.
A ‘denúncia’, ao tratar que o “mercado de compra e venda de páginas já é uma realidade no Brasil”, descreve que “há pessoas que criam páginas com engajamento e uma vez atingido um alto nível de envolvimento do público desejado realizam a venda para um terceiro que possui interesse em chegar a esse público alvo, seja para oferecer um produto, ou um serviço”.
– Nesta lógica, chama a atenção de qual o interesse possui um vereador de Gravataí em sustentar essa rede – alerta a representação de Dilamar ao MP, produzida em conjunto com o advogado Bruno Kologeski e o delegado aposentado da Polícia Federal Átilo Cerqueira, que cita também que “figura como administradora de outras dezenas de páginas a senhora (…), não por acaso contratada pelo mencionado vereador para lhe assessorar em seu gabinete por um período no ano de 2019, o que levanta de pronto a suspeita sobre a moralidade administrativa em tal contratação”.
A peça lembra que “o próprio Facebook recentemente tirou do ar diversas páginas que promoviam desinformação e sensacionalismo, além de eventualmente gerarem notícias falsas. Ainda ao atrair pessoas de boa-fé que acreditando estar seguindo uma página de cunho informativo acabam se vendo vinculadas a um determinado político ou candidato, os administradores de tais páginas podem estar cometendo o delito de estelionato ao induzir pessoas ao erro”.
E segue: “o próprio vereador Bombeiro Batista administra ainda 5 perfis do “Aliança pelo Brasil” em Gravataí, e através desses perfis comanda ainda mais páginas em Gravataí e no Rio Grande do Sul, tais como: “Política RS”, “Gravataí é Bolsonaro”, “Endireita Gravataí” que somadas ultrapassam a marca dos 500 mil seguidores. Tais páginas promovem a distorção dos fatos e a divulgação de notícias falsas”.
A ‘denúncia’ também trata como “principal personagem que administra páginas em Gravataí” um digital influencer “não por acaso filiado ao PSD partido do vereador Bombeiro Batista”, e, o próprio (…) sabidamente pré-candidato a vereador”.
– Tal relação estreita entre as personagens citadas e o PSD merece uma atenção especial, não se descartando a hipótese de uso da estrutura pública para realizar os atos mencionados – alerta o pedido de investigação feito por Dilamar, que aponta que “a luz da legislação eleitoral pátria um agente público que se presta a inobservar a legalidade pode estar diante do abuso de poder”.
Como sustentação para o suposto abuso de poder econômico, de autoridade e político, a representação do vereador cita Rodrigo López Zilio, coordenador do Gabinete Eleitoral do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que em trechos de “Direito Eleitoral” (6ª ed., Ed. Verbo Jurídico, 2018, pp. 643-645) conceitua:
– Caracteriza-se abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito (…) o abuso de poder de autoridade indica a prática de um ato cometido por pessoa vinculada à administração pública, mediante desvio de finalidade e com o objetivo de causar interferência no processo eleitoral (…) o abuso de poder político se caracteriza pela vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo.
A representação ao MP considera que “administrar e produzir informações para todo o conjunto de páginas citadas demanda por certo tempo, dedicação e dinheiro, só a ingenuidade extrema nos levaria a crer que tal serviço se dá de maneira totalmente gratuita e por puro altruísmo. Há fortes indícios de que a ação orquestrada de controle da informação também é patrocinada por aqueles que têm interesse em propagar fake news”.
E conclui que “tudo indica que a criação da rede de páginas servirá a um propósito eleitoral: ser o palanque pessoal e digital do candidato a prefeito do PSD, do próprio vereador e por fim um orquestrado instrumento de divulgação de fake news e ataques contra eventuais adversários político. Prática que pode significar o uso indevido dos meios de comunicação social (…), que ocorre sempre que se existam excessos capazes de influenciar a consciência do eleitor de forma positiva ou negativa em relação a determinado candidato e sua legenda partidária, colocando o em posição de destaque ou de inferioridade em relação aos seus adversários políticos”.
Ao fim, quem dirá se há elementos para abrir um inquérito em Gravataí é Roberto José Taborda Massiero, promotor de Justiça da 173ª Zona Eleitoral, sorteado para o caso.