Os fatos que estão acontecendo no término do mandato do presidente Jair Bolsonaro (PL) dão a impressão que ele resolveu castigar o povo brasileiro pela sua derrota nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Falta dinheiro para as universidades e cursos técnicos federais, hospitais, Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Sistema Único de Saúde (SUS) e uma enorme lista de serviços prestados pelo governo federal. E a cereja do bolo dessa situação é a ameaça que ele tem feito de não entregar a faixa presidencial para Lula, desrespeitando um dos protocolos da sucessão presidencial. Vai sair pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. Ele pretende voltar a ser presidente da República nas próximas eleições. Deu o primeiro passo da sua campanha na sexta-feira (9/12), quebrando um silêncio de 40 dias. Conversou com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada. Foi uma conversa esquisita, cheia de mensagens nas entrelinhas. Sendo que a mais forte é que ele continua questionando o resultado das eleições presidenciais. Na grande imprensa, a conversa de Bolsonaro foi notícia de pé de página. Aliás, até a primeira indicação de ministros por Lula foi ofuscada nas manchetes pela grande notícia do dia: a derrota da Seleção Brasileira para a Croácia pelas quartas de final da Copa do Catar.
Depois de quatro anos, nós jornalistas aprendemos como o presidente opera no campo político para conseguir os seus objetivos. Pelas entrelinhas da conversa que teve com os seus apoiadores e a lambança que deixou nos serviços públicos federais para se vingar dos brasileiros por sua derrota nas urnas nós podemos dizer duas coisas. A primeira é que vai tentar complicar o governo Lula conspirando entre os graduados e oficiais das Forças Armadas, das polícias (principalmente as ostensivas) e entre os caminhoneiros. E a segunda é que vai criar e tentar consolidar na opinião pública a narrativa do seu renascimento político. A respeito do tamanho da influência que Bolsonaro terá no Congresso e nos governos dos estados, aqui quero fazer uma reflexão com os colegas. Vejamos: no papel, Bolsonaro foi responsável pela eleição de mais de 100 parlamentares (deputados federais e senadores) e governadores, entre eles Tarcísio de Freitas, de São Paulo. Teoricamente, significa que terá uma grande força política. Mas, para se tornar uma referência na conspiração, terá que pegar pesado contra as instituições do país, em especial os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Também terá que empunhar a bandeira dos costumes com pautas polêmicas, como aborto, consumo de bebidas alcoólicas e outras coisas do gênero. Frente a essa situação, fica a pergunta: quantos dos eleitos pelo prestígio do presidente vão arriscar o seu futuro político apostando no radicalismo? Só o tempo dirá.
Nos dias atuais, os grupos de radicais, que a imprensa chama de bolsonaristas raiz, seguem o seu líder porque ele tem a caneta na mão para distribuir cargos no governo com gordos salários. E também porque tem gente de sua confiança colocada em importantes órgãos federais, como PF, PRF e Procuradoria-Geral da República (PGR), que o ajudam quando transgride a lei. Isso tudo, empregos no governo e a proteção para crimes, vai desaparecer com a troca do governo. Será interessante observar o comportamento dos dois ministros do STF, Nunes Marques e André Mendonça, nomeados por Bolsonaro, que os chama de “meus ministros”. Não será surpresa se, depois que deixar o cargo, o presidente ligue para eles e não seja atendido ou receba uma desculpa esfarrapada para a sua demanda. Há um fator que pode ser favorável a Bolsonaro. Ele e o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano) são amigos e expoentes da extrema direita no mundo. Trump vai disputar nas eleições primárias do seu partido a indicação para ser o candidato republicano às eleições presidenciais de 2024. Se vencer e voltar à presidência, ajudará a vida política do atual presidente brasileiro. Mesmo que Trump não vença as eleições americanas e Bolsonaro não sobreviva politicamente fora do cargo, é inegável que a extrema direita ressurgiu no mundo na última década. Isso é um fato. O crescimento do nazismo, do fascismo e de outros ramos da extrema direita é uma realidade. O imenso volume de fake news que inunda os sistemas de comunicação é uma consequência dessa situação. E tudo indica que nas eleições presidenciais de 2026 no Brasil a direita terá um candidato competitivo. Um deles é o vice-presidente de Bolsonaro, o general da reserva Hamilton Mourão, que se elegeu senador pelo Rio Grande do Sul.
Aestratégia da extrema direita para ganhar o poder é antiga e muito simples. Eles aceitam as regras da democracia, como concorrer a cargos em eleições, e depois que assumem o poder começam a corroer as instituições por dentro. Bolsonaro tentou seguir esse receituário. Mas foi barrado pela derrota na reeleição. O ex-presidente Trump também tinha tentado nos Estados Unidos e acabou perdendo a reeleição para Joe Biden (democrata). Para arrematar a nossa conversa. A complexidade da disputa política nos dias atuais é enorme. E exige do repórter uma atenção redobrada para não escrever bobagem. Por mais cuidadoso que ele seja, a avalanche de trabalho a que é submetido nas redações o deixa vulnerável à publicação de notícias sem contextualização, o que é uma porta aberta para ser vítima de fontes mal-intencionadas. O risco faz parte da nossa profissão.