O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou por 7 a 0, na manhã desta quinta, a absolvição dos vereadores de Gravataí Bombeiro Batista, Dilamar Soares e Dimas Costa, confirmando decisão monocrática do ministro relator Sérgio Banhos no julgamento do Recurso Especial Eleitoral 483-46.2016.6.21.0173, apresentado pelo Ministério Público, que poderia levar à cassação dos mandatos pela suposta inscrição de ‘candidatas laranja’ no preenchimento da cota feminina da coligação PSD-PRTB nas eleições de 2016.
Tratei do voto de Banhos, agora seguido por unanimidade pelos ministros, no artigo Como vereadores de Gravataí se livraram da cassação; as laranjas kafkianas. No vídeo que reproduzo ao final do artigo, você assiste ao debate de hoje a partir de 1h27min.
O ministro-relator manteve a decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de 2018, que, por 7 a 0, observando “falta de prova robusta de fraude” reformou a sentença da Justiça Eleitoral de Gravataí que no mesmo ano tinha condenado os três parlamentares a partir de denúncia feita pelo Ministério Público Eleitoral em 2017, como já tratei em Como foi o julgamento que absolveu Bombeiro, Dilamar e Dimas e nos links relacionados no artigo.
Com a confirmação da falta de provas, o ministro citou a Súmula 24, do próprio TSE, que não permite a análise de novas evidências nesta fase do processo. Era a tese sustentada pelos advogados Cláudio Ávila, de Dimas; e José Luis Blaszak, de Bombeiros e Dilamar.
Como lembro no último artigo, sempre alertei sobre a fragilidade das denúncias.
‘Desembargador Martinelli’, brincam amigos e leitores, com ironias para o bem e para o mal, quando faço análise sobre coisas da Justiça – o que convenhamos me parece cada vez mais pertinente, e necessária, em tempos nos quais o povo conhece melhor a escalação do Supremo do que a da ‘selecinha’.
Gravataí pós-gradua articulistas políticos com favorito de eleição pedindo música no Fantástico em impugnações, golpeachment contra prefeita e prefeito julgado pelo TRF4.
Mas, em 2 de fevereiro de 2017, no artigo O kafkiano caso da cassação por laranjas, publicado pelo Seguinte:, já alertava para a punição draconiana recomenda à época pela promotora Ana Carolina de Quadros Azambuja, que tinha no currículo do ano anterior o pedido de impugnação de Daniel Bordignon – ação que também perdeu, registre-se, já que o ex-prefeito, com a vitória nas urnas homologada pelo TSE, só não assumiu pela eleição ter sido anulada sete horas depois com a suspensão de seus direitos políticos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Quando o processo dos três vereadores subiu para TSE, alertei para o imponderável, mas não deixei de opinar sobre as semelhanças com O Processo, de Kafka. Bombeiro, Dilamar e Dimas representam o Josef K., perguntando “inocente de quê?”. E, ouvindo os advogados e outros juristas, lembrei da tal Súmula 24, e de outros julgamentos análogos ao dos gravataienses, escrevi em Decisão do TSE em 2018 indica absolvição de vereadores de Gravataí; é ’O Processo’, de Kafka:
– Se a ministra Rosa Weber não mudar o voto, como fez em 2018 no julgamento de habeas corpus para Luiz Inácio Lula da Silva no Superior Tribunal Federal (STF) sobre a prisão de segunda instância, os três vereadores de Gravataí ameaçados de cassação já podem suspender o rivotril, que recomendei em Decisão do TSE sobre ’candidaturas laranjas’ ameaça 3 vereadores de Gravataí com cassação; é O Processo, de Kafka, artigo que detalha o caso no texto e em links relacionados.
O ministro Sérgio Banhos cita em seus votos a mesma jurisprudência.
O que dificulta um novo recurso do Ministério Público à absolvição.
Nunca o fiz por torcida ou secação. São os fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos. Como não sou jornalista caça-cliques, que explora o mau humor do eleitor, não permito aos políticos apenas a presunção de culpa, aquela que parece valer apenas quando a laranja podre é do vizinho.
Sobre a fraude, o ministro-relator indica na sentença:
– Não passa de presunção.
Mais trechos:
– Com efeito, não há, nos autos, nenhuma prova contundente de que a candidatura de (…) foi forjada para enganar a justiça eleitoral (…) Assim, inviável a conclusão de que a sua candidatura foi "fictícia", visando burlar a lei.
– Desse modo, a conclusão em sentido diverso do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul implicaria nova incursão no contexto fático-probatório, encontrando óbice no verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral.
Sobre outra suposta ‘laranja’, que também pediu música no Fantástico, mas em número de mudanças no depoimento, o ministro vota:
– A situação posta leva à dúvida sobre qual dos depoimentos merece crédito. A única certeza que sobressai, da instrução processual, é que (…) mentiu, não havendo, no meu sentir, convicção sobre qual dos momentos teria ocorrido a falsidade. Ainda que a ratificação do segundo depoimento tenha ocorrido em juízo, sob o crivo do contraditório, não se pode esquecer que, sendo ouvida como parte – e não como testemunha – não foi advertida pela magistrada de que mentir em juízo é crime.
Ao estilo Gilmar Mendes, conclui a decisão:
– A meu ver, essa mudança de versão no mínimo fragiliza a credibilidade da depoente, gera dúvida e, é cediço, uma ação desta magnitude, com tão graves consequências, não pode ser decidida com base em única e duvidosa prova.
Mas, no trecho do voto que considero o mais contemporâneo em tempos de ‘Vaza Jato’ e polêmica sobre o projeto contra o abuso de autoridade, o ministro observa:
– Em última análise, tem-se, de um lado, a vontade de quase seis mil cidadãos gravataienses que se dirigiram às urnas e exerceram a soberania popular por meio do voto, como determina a Constituição Federal; de outro, uma prova controvertida, fragilizada pela mudança de rumo.
O pilar da denúncia é uma delação. Sem provas incontroversas.
Ao fim, por mais que correntes do Direito Criativo sustentem a necessidade de ouvir a vontade das ruas, e seu arendtiano punitivismo, o que considero um perigo, seja o lado da ferradura que estiver no poder ou como gerente da metafísica do momento, a pesquisa mais sagrada do que o Ibope é a das urnas.
Nisso, concordou até o Robespierre do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento desta manhã, mesmo que tenha usado de sua peculiar ‘criatividade’ para acrescentar um ‘É Verdade Esse Bilhete’ à Constituição, ao entender que, diferente do que diz a Súmula 24, do próprio TSE, poderiam ser “requalificadas” provas, mesmo que não “produzidas” nesta fase do processo,
– Aqui não se produz provas, mas poderia requalificá-las, dar sentido diferente à prova já produzida. Porém, não me convenci de que é sólida a prova de corrupção da norma. Como decidiu o TRE por unanimidade, há fragilidade na prova, que poderia levar à grave conseqüência da perda de mandatos.
Ao fim, superando de goleada a histórica ‘linha dura’ do judiciário de Gravataí com alguns políticos, a partir deste 21 de novembro de 2019 Bombeiro, Dilamar e Dimas, ao serem questionados por eleitores se culpados ou inocentes, podem repetir Josef K., de O Processo, de Kafka, e perguntar "inocente de quê?".
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