O Ministério Público não vai se meter com o ‘bonde dos cargos’ estacionado desde agosto na Prefeitura de Cachoeirinha. Não será diferente no Judiciário. A responsabilidade, para o bem ou para o mal, é dos políticos.
O ‘bonde dos cargos’ é a reforma administrativa que fez, a partir da aprovação pelos vereadores em 14 de agosto, o governo Cristian Wasem (MDB) chegar próximo a 300 CCs e superar os 270 de Gravataí, que tem o dobro de orçamento (R$ 1 bi).
Em parecer contrário na ação popular proposta pelos vereadores David Almansa (PT) e Mano do Parque (PL), que tramita na 3ª Vara Civil, a promotora Renata Lontra de Oliveira considera que o processamento correto seria um mandado de segurança para barrar a votação pela Câmara de Vereadores.
Os parlamentares só moveram a ação, que alerta para falta de estudo de impacto financeiro e grave lesão ao erário municipal, após a reprovação, pela base do governo no legislativo, de emendas que apresentaram ao que hoje é a lei municipal 4.817/2023.
“Assim, não sendo a ação popular a via adequada para anulação do projeto de lei já aprovado pela Câmara de Vereadores, verifica-se a ausência de interesse processual. Ante o exposto, o Ministério Público manifesta-se pela extinção do feito em julgamento do mérito”, opina a promotora, conforme revelou o site O Repórter.
Como referi na abertura do artigo, a responsabilidade é dos políticos – para o bem, ou para o mal.
Para o bem, porque a Prefeitura pode bombar e atender melhor à população com a nova estrutura e indicações qualificadas para os 94 cargos e uma secretaria de indicação política.
Para o mal porque o comprometimento com a folha de pagamento é crescente e pode comprometer o pagamento de salários em dia e até o financiamento de R$ 80 milhões contratado pela Prefeitura para obras de infraestrutura; leia em O que ameaça financiamento de 80 milhões do governo Cristian para obras em Cachoeirinha; O atropelamento em ranking e o bonde estacionado e O efeito do ‘bonde dos cargos’: governo Cristian começa a priorizar salários em Cachoeirinha.
No mais recente, relatei que funcionários públicos receberam os salários de novembro em um dia e CCs no outro. “No prazo, nada fora da lei, mas quem testemunha o passado de Cachoeirinha lembra que, em governos que depois atrasaram salários, foi assim que começou”, escrevi.
Fato é que resta o alerta do comprometimento crescente da receita com a folha de pagamento, que faço desde a aprovação da reforma administrativa pelos vereadores; leia em Vereadores aprovam ‘bonde dos cargos’ de 10 milhões do prefeito Cristian; Com metade do orçamento, a ‘Pobre Cachoeirinha’ já tem mais CCs e FGs que Gravataí. Saiba os votos e links relacionados no artigo.
O investimento no segundo quadrimestre, conforme registrado no Tribunal de Contas do Estado (TCE), já era de 52,39%. Portanto, acima do limite prudencial de 51,3% determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Um balanço que ainda não trazia o impacto do ‘bonde dos cargos’, cujos salários começaram a ser pago a partir de agosto.
Fica pior: o prefeito precisa terminar de pagar o reajuste já aprovado para o funcionalismo: 5,4% em maio, 5,44% em junho e 3,18% em novembro.
O TCE já tinha alertado, em agosto.
“O ÍNDICE DE DESPESA COM PESSOAL de 52,39 % está situado no intervalo de 51,31%, a 54,00% sendo, portanto, superior ao limite para emissão do alerta de que trata o Inciso II do § 1o do Art. 59 da LRF (51,30%, percentual este equivalente a 95,00% sobre o limite de 54,00%, conforme estipulado no parágrafo único do art. 22 c/c alínea ́ ́b ́ ́ do Inciso III do Art. 20, ambos da LRF), e coloca o Poder Executivo/Indiretas Municipais, conforme determinado no citado parágrafo único do art. 22 da LRF, ao alcance de VEDAÇÕES”, diz o alerta da corte de contas.
As vedações são a “concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição” – a reposição inflacionária; “criação de cargo, emprego ou função”; “alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa”; “provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança” e “contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias”.
O comprometimento da receita com a folha de pagamento é uma infecção crônica em Cachoeirinha.
Em 2016, no último ano do governo Vicente Pires, o investimento em folha de pagamentos era de 77,67%. Significava que a cada 10 reais em receita, quase R$ 8 iam para pagar os servidores.
Em 2020, Miki conseguiu reduzir para 50,49%, como efeito do corte de benefícios que custaram sua popularidade com o funcionalismo, que fazia parte de sua base eleitoral, e o tornou cada vez mais refém da ‘República dos Vereadores’ – até sua cassação.
Em 2021, o gasto subiu para 55,17%. Em 2022, já sob o governo Cristian, chegou a cair para 48,70%, subiu no primeiro quadrimestre de 2023 para 51,26% e no segundo quadrimestre para os 52,39% que referi acima.
Aí veio o ‘bonde dos cargos’.
Observe na tabela a queda na evolução da receita e, abaixo, concluo.
Ao fim, reafirmo: a ‘ideologia dos números’ não mente.
Se não aumentar a receita, Cristian vai implodir o que o ex-prefeito Miki Breier (PSB) fez de bom, que foi devolver o comprometimento da folha de pagamento aos limites prudenciais, e também o que permitiu a contratação, pelo atual prefeito, de empréstimo de R$ 80 milhões.
Não será o Ministério Público, nem o Judiciário a intervir.
A responsabilidade é dos vereadores e do prefeito.
Pode ser para o bem. “Bem de quem?”, você pode estar se perguntando.
Com razão.