A vitória de 3 a 0 sobre o Chile teve a marca das individualidades. Embora o caráter quase amistoso do confronto, Carlo Ancelotti teve mais uma oportunidade para trabalhar as suas ideias coletivas. Entretanto, priorizou apenas o rodízio de nomes. Rasgou preciosos 90 minutos no Maracanã.
Manteve um 4-2-4 que esvazia o meio-campo e satura as ações pelos flancos. Temos individualidades e alternativas de sobra para os setores de defesa e ataque. O problema realmente parece estar no setor vital: a meia-cancha, embora o retorno de Casemiro à cena configure o maior acerto da comissão técnica até agora. Na peça defensiva, claro!
A ausência de Neymar, porém, beira a prepotência. A comissão técnica teria dois jogos para inserir o camisa 10 na dinâmica coletiva. Desde o Mundial de Clubes, o maior artilheiro da história da Seleção (!) disputou nove dos dez jogos no Santos de Pelé, tendo atuado 90 minutos em todos. O treinador preferiu “mostrar” que ninguém é maior que ele no projeto. Começou mal, Carleto. Será?
Com as opções do momento, poderia testar Raphinha e, principalmente, Estêvão mais ao centro — lembrando que o camisa 20 surgiu para o Planeta Bola na base do Palmeiras atuando como um 10 à moda brasileira. O ingresso de Paquetá no segundo tempo é um interessante ponto de partida. Não apenas pela capacidade goleadora, mas, sobretudo, pela versatilidade. Pode atuar em todas as funções de armação, incluindo a meia-ponta.
Entendo que camisas 10 clássicos são artigos em extinção. Todavia, não temos volantes construtores para copiarmos os grandes da Europa e, assim, atenuarmos a ausência da figura central do nosso passado de glórias. Bruno Guimarães, lá fora, é 5! Gérson, ex-Flamengo, talvez. Seu colega de Zenit, o ex-botafoguense Luiz Henrique voltou com tudo, no seu habitat natural, aberto à direita, mas com mobilidade. Foi dele o cruzamento pela esquerda e o “quase” golaço que gerou o terceiro tento pela direita. Talvez esteja aí uma pista para compensar a ausência de um 10 raiz.
Se dentro de campo faltam ideias, fora dele também não há muito a comemorar. Contra o Chile, 57 mil torcedores estiveram no Maracanã. Belo público, sem dúvidas. Mas, no último fim de semana, o Flamengo levou 70 mil ao mesmo estádio para enfrentar o Grêmio. Outro dado: os ingressos variaram entre R$ 200 e R$ 360. E aí vem o golpe de misericórdia: se o calendário se confirmar, a partida diante dos chilenos terá sido a última da Seleção no Brasil antes da Copa do Mundo. Faltando praticamente um ano para a Copa. Absurdo total!
Que a CBF repense. Que subsidie ingressos à torcida, se for o caso. Treinador de terno e gravata à beira do campo? Tudo bem. Mascando chiclete, ainda que seja um desserviço à estética? Ok! Mas, por favor, resgatem as nossas raízes. Não ignorem a nossa essência. A elitização da Seleção Brasileira talvez seja apenas a ponta do iceberg dos nossos problemas, mas todo impasse tem o seu primeiro degrau, né?
Voltando à questão central…
Rodrygo com Y, do Real Madrid; João Pedro, destaque do campeão mundial Chelsea, e o lesionado Mateus Cunha, reforço do Manchester United, são outros que podem atuar como ponta-de-lança. Mas insistimos: nenhum deles, por melhores fases que vivam, técnica e fisicamente, garante ao elenco o “molho” que somente Neymar da Silva Santos Júnior é capaz de levar à cozinha verde e amarela.
O sonho do Hexa começa pelo camisa 10. Que tal criarmos um time que jogue em função do seu astro? Se não me engano, o nosso maior rival adotou providência semelhante em 2022. Alguém lembra?