Rosa passou a manhã com os pensamentos desfocados. A tarde anterior passava em sua cabeça como um filme. Não como um filme verossímil e cronológico, e sim como uma perversa obra surrealista e experimental de algum diretor sueco. Ela se sentia sabotada por si mesma, como se suas memórias estivessem ganhando vida própria e tentando corroê-la lentamente, de dentro para fora. Rosa lembrava-se de cenas isoladas daquela tarde e não conseguia reconhecer-se. Era difícil dizer se suas memórias é que estavam difusas e distorcidas, ou se ela realmente fora tão estranha e imprevisível. O fato é que ela tinha vontade de falar com Carlos de novo, apenas para pedir desculpas. A vergonha de procurar por ele, porém, era maior, e também havia a possibilidade de procurar e não encontrá-lo.
Em vez disso, ela tentou encontrar distração em Gabriela e Pedro, mas era difícil. Os assuntos deles pareciam cada vez menos interessantes, e ela tinha ainda menos contribuições a fazer. O dia prosseguiu moroso e chato, e a única atividade que parecia despertar o interesse de Rosa era detestar-se.
Ela tentou caminhar sozinha pela praia, sem rumo, para tentar repetir a experiência de caminhar por Arroio do Sal. A tarde estava levemente nublada, com um pouco de vento, mas quente mesmo assim. Por alguns momentos ela conseguiu encontrar-se distraída, mas logo o conflito voltava.
Por fim, perto do fim da tarde, ela avistou uma figura caminhando sozinha ao longe, e ela torceu que fosse Carlos. Ao aproximar-se um pouco, ela confirmou que era ele mesmo. Ele caminhava na direção oposta de Arroio do Sal, em passos lentos. Por um momento Rosa não hesitou nem temeu nada, e apenas apressou-se para alcançá-lo.
Ao chegar perto, ela apenas disse: — Oi.
Carlos parou e virou-se, quase em choque.
Dentro dele, uma luz se acendeu; mas ele se conteve.
— Decidiu falar comigo? — ele disse, sem cerimônia. — Bom, a que eu devo a honra?
— Carlos — ela disse, subitamente trêmula. — Eu só queria te pedir desculpa pela maneira que eu agi ontem. Eu disse coisas que eu não devia ter dito, e eu acho que te tratei mal.
Ele pensou em silêncio, processando tudo aquilo. Ele nunca deixou de crer que aquele momento chegaria, mas ele não pensava que seria tão rápido e tão fácil. O mais surpreendente era a voz de Rosa: havia uma tensão e uma energia que não existiram quando ela dissera aquelas coisas no dia anterior.
— Tá tudo bem, Rosa — ele disse. — Pode ficar tranquila quanto a isso. Eu não me importo tanto com o que tu disse de mim. Eu me preocupo com o que tu disse de ti mesma.
— Olha, não vem com essa — ela disse, afastando-se um pouco. — Não pensa que tu vai me ajudar, ou que tu vai me mudar. Eu sei que eu tenho um monte de problemas que eu tenho que corrigir, mas não é tu que vai fazer isso.
— Eu não quis dizer isso, Rosa — ele respondeu, afastando-se por instinto. — Eu não vou fazer nada disso. Eu só quero que fu fique bem.
— Pode deixar, eu vou ficar — ela disse. — Eu só precisava te dizer que eu me arrependo por ontem, e eu espero não ter te magoado.
— Tá tudo bem — ele disse, acenando com a cabeça. Ele tentou sorrir, mas teve medo de parecer fingido. — Então, quer conversar?
— Eu não tenho o que falar — Rosa disse, olhando para o chão. — Era só isso que eu tinha pra dizer.
— Tudo bem. Mas não quer ao menos… me acompanhar até o mercado?
O instinto de Rosa era de dar as costas e ir embora. Mas algo freava-a, e sua cabeça zunia: ela não queria repetir os mesmos atos do dia anterior. Talvez valesse a pena dar uma chance para aquela ocasião. Talvez seguir o conselho de Gabriela e, em vez de preocupar-se, deixar as coisas seguirem o seu curso, sem forçar nada.
— Pode ser — ela disse. Ele voltou a caminhar, e ela ficou ao lado dele. Eles ficaram em silêncio por algum tempo. Algo começava a incomodá-la, mas ela não quis fazer nada até entender exatamente o que era.
— Não quer falar o que tu tá pensando agora? — ele disse.
Ela sacudiu a cabeça. — Acho que não.
— Acha que não?
— Eu não sei se eu vou conseguir.
— Não precisa pensar muito — ele disse. — É só dizer o que tá na tua cabeça agora.
Ela suspirou. — Eu tenho um pouco de vergonha de falar.
— Se for algo íntimo, não precisa.
— Não é íntimo — ela disse. — É sobre… bom, é sobre ontem. Eu não entendo por que tu queria tanto ficar comigo, mesmo comigo de tratando daquele jeito.
— Pois é — ele disse. — Eu não quero te ofender nem te desrespeitar, mas, pra ser sincero?
Eu não consigo achar que tu tava sendo verdadeira contigo mesma.
Ela olhou para ele, um pouco perplexa e surpresa com a ousadia dele. — Talvez tu não queira aceitar que eu não sou quem tu imaginava.
— Talvez — ele disse, dando de ombros. — Mas quando eu olho pra ti, eu sinto como se tivesse algo preso aí dentro de ti, tipo um passarinho tentando fugir da gaiola.
Rosa ergueu as sobrancelhas. — Nossa. Que poético.
Carlos recebeu aquelas palavras como uma punhalada em seu orgulho; mas ele parou e pensou por um momento, e percebeu que não parecia haver sinal de sarcasmo na voz dela. Aquele tom inexpressivo poderia muito bem ser interpretado como deboche na voz de outra pessoa, mas aquele era apenas o tom natural de Rosa.
— Poético? Foi só uma metáfora — ele disse, “e bem ruim.
— Mas a metáfora é o dispositivo poético mais comum — ela respondeu —, ruim ou não. E na verdade o que tu fez foi um símile, não uma metáfora, porque tu usou o conectivo ‘tipo’ pra unir as duas ideias. Se tu tivesse dito que eu sou um passarinho tentando fugir da gaiola, aí sim seria uma metáfora. Mas as duas figuras são parecidas, então eu não vejo porque criticar a tua escolha de palavras.
Ele sorriu para si mesmo. — Tá aí, aprendi uma coisa nova hoje… Tu gosta de poesia?
— Sim — ela disse. — É o que eu mais gosto de ler. Não que eu não goste de prosa. É claro que eu gosto, mas no geral eu prefiro poesia.
— Legal — ele disse.
— Eu gosto bastante do Quintana.
Rosa parou e pensou em por que ela dissera aquilo, sendo que ele sequer havia perguntado. Não houvera necessidade de dizer aquilo, e mesmo assim ela disse. Apenas saiu. Ela estremeceu, temendo a reação dele.
— É mesmo? Bah, eu não conheço nada dele — ele disse. Ela ficou aliviada com a reação amigável dele. — Só aquela do eu passarinho, ou sei lá como é…
— O Poeminho do Contra — ela disse.
— Como é que é?
— Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho / Eles passarão… / Eu passarinho! Carlos pausou por um instante, processando aquilo.
— Nossa — ele disse. — De onde saiu isso?
— Tu me perguntou como é que era, e eu só respondi.
— Hã? Eu?
— Sim, tu perguntou, “como é que é?”, e eu respondi — ela disse.
— Ah! É que eu não tinha entendido o que tu disse antes, e eu queria que tu repetisse.
Rosa gelou, constrangida.
— Eu nunca imaginei que tu soubesse ele de cor, e eu tô impressionado — ele disse, pausando por um momento, e parando de caminhar. — Na verdade… tu sabe recitar outro?
— Por quê? — ela disse, defensiva.
— Não, é sério, recita outro, se tu souber — ele pediu.
— Qual?
— Qualquer um que tu saiba.
— Tu quer me deixar com vergonha, Carlos — ela disse. Ele olhou para o rosto dela, e viu que ela estava enrubescida.
— Capaz, Rosa, não é por isso. Eu só queria te ouvir recitar de novo.
Ela suspirou, resignada. O melhor seria simplesmente fazer o que ele queria. Ela tentou lembrar-se de outro poema de Quintana, um que fosse curto, e logo lembrou-se do Bilhete. Ela o recitou o mais rápido que pode, e ficou estremecendo, aguardando a reação dele.
Carlos notou, ao ouvir o silêncio dela, que estava olhando fixamente para o seu rosto sem perceber. Das duas vezes em que ela recitara, a voz dela se tornara melódica, gentil, diferente da sua voz normal. Era quase como outra pessoa falando.
— O pássaro fugiu da gaiola — ele disse, enfim.
Rosa estranhou. — O quê?
Ela só então percebeu que o poema falava de amor, e gelou. Ela concluiu que ele estava interpretando-a mal.
— O jeito que tu falou — ele disse. — Eu nunca te ouvi falar dessa forma.
— É óbvio — ela disse, frustrada com a situação. — Era um poema.
— Sim, mas, parece que tu pôs teu sentimento pra fora. Tu não costuma fazer isso normalmente.
Ela franziu a testa. Era apenas disso que ele estava falando? Sua foz? Quer dizer que ele não a interpretou errado?
— Tá, mas, isso é bom?
— Olha, o que eu posso dizer é que seria lindo se tu falasse da mesma forma que tu recita — ele disse. Os dois prosseguiram caminhando.
— Ah, não, isso eu não consigo.
— Bom, tudo bem, não precisa.
— Mas, tu quer dizer então que eu não ponho o meu sentimento pra fora? — ela disse. — Eu não sei o que tu quer dizer com isso.
— É meio difícil explicar. Mas quando tu recitou, eu tive a sensação de que, finalmente, tu pôs pra fora aquilo que tu tinha guardado em ti.
— Eu entendi a metáfora — ela disse. — Eu só não sei o que isso realmente representa.
Recitar um poema é muito diferente de falar normalmente, e envolve uma atenção especial ao tom e ao ritmo das palavras, dentre outras coisas. Mas isso não quer dizer que, quando eu falo normalmente, eu não esteja me expressando. Isso não é certo, e eu quero entender o que te motivou a dizer isso.
— Bom, sei lá — ele disse —, eu só pensei que era porque tu estava falando de algo que tu goste.
— Ah, bom. Eu não gosto de falar de mim.
— Mesmo sabendo que eu quero te conhecer?
— É, eu não consigo compreender isso. Eu não me acostumo com essa ideia de que tu te interessa em mim. Eu não sei o que fazer.
— Bom, tu pode começar falando das coisas que tu gosta. Tu pode falar de qualquer coisa, que eu vou te ouvir.
— Mesmo que seja só pra falar de poesia?
— Ué, por que não?
— Não quero que tu fique entediado comigo.
Ele deu de ombros. — Bom, o pior que pode acontecer é que a gente comece a falar de outro assunto.
— Aí tu fala do que tu gosta!
— Exato! E assim a gente vai — ele disse. — Viu como é fácil?
— É, acho que sim.
Rosa espiou-o com o canto dos olhos e viu que ele estava olhando para ela. Foi então que ela percebeu que ela estava sorrindo.
— Então, o que tu mais gosta em poesia? — ele disse.
Rosa pensou por alguns segundos. — Eu nunca pensei muito sobre isso exatamente, mas eu acho interessante a maneira como os poetas usam as palavras, não pra comunicar uma mensagem, mas pra expressar alguma coisa na forma de arte. Eu gosto de ver a maneira como eles dão atenção não só ao sentido das palavras, mas a outras características às quais a gente não presta muita atenção na fala comum. Pra mim, é mais ou menos como fazer música, só que com sílabas em vez de sons.
— Nossa — Carlos disse, após uma breve pausa —, boiei.
— O quê? — Eu disse, boiei.
— O que isso quer dizer? — ela disse.
Carlos atrapalhou-se um pouco nos pensamentos. — Eu quis dizer que eu não entendi direito o que tu disse.
— Então por que tu não disse simplesmente isso?
Ele deu de ombros. — Sei lá. E só uma maneira de dizer.
— É isso que eu não entendo — ela disse. — Eu gosto de poemas que exploram as palavras dessa forma, porque esse é o propósito, é arte. Mas na fala normal, isso só confunde. Eu acho que seria muito melhor se as pessoas usassem as palavras corretamente.
— Puxa, desculpa — ele disse. — Eu não imaginava que isso te irritava tanto.
— Isso não me irrita — Rosa respondeu. — Eu só fico confusa, é só isso.
— Tudo bem, eu vou evitar isso daqui pra frente.
— Obrigada — ela disse.
— Mas é estranho que isso não te incomode quando se trata de poesia — ele disse, no momento em que eles entraram no mercado.
— Eu não acho estranho — ela disse, enquanto ele pegava um cesto de compras. — É que eu não me importo se um poema não tiver um significado óbvio. Pra mim, não precisa. Muitas músicas que eu ouço também não têm um sentido muito óbvio, mas eu não me importo com isso.
— Bom, isso é uma coisa que eu não entendo — Carlos disse.
— Isso o quê?
— Ler poesia e ouvir música que não faça sentido — ele disse, enquanto pegava duas caixinhas de leite. — Eu não gosto da ideia de ouvir um cara cantando um monte de bobagem sem significado.
— Nem sempre é assim — ela disse. — Às vezes o significado não é óbvio. E às vezes não existe propriamente um significado. Arte é descobrir maneiras diferentes de expressar uma ideia. Agora, se tu quer dizer algo muito importante de maneira clara, então escreve um ensaio.
— É, pode ser — ele disse.
Carlos decidiu perguntar um pouco mais sobre a vida de Rosa, sobre sua família, e vez ou outra comentava algo sobre si próprio, enquanto ia pegando o resto das mercadorias: dois pacotes de pão de forma, um pote de manteiga, um pouco de mortadela e um pacote de seis latas de cerveja: — É pro meu pai — ele justificou, com um sorriso embaraçado.
Ao passar no caixa, antes de pagar, ele ainda pegou uma barrinha de chocolate. Os dois foram embora enquanto ela contava um pouco sobre seus irmãos: um irmão mais velho, e outro um pouco mais novo.
Ele estendeu o chocolate para ela. — Pra ti.
— Não precisava! — ela disse.
— Tu merece — ele disse.
— Obrigada — ela disse, apanhando o presente, meio encabulada. — Posso guardar pra depois?
— Claro! — ele respondeu sorrindo. — Fica à vontade. Sabe, pode até ser falta de educação eu voltar contigo cheio de comida nos braços e não te convidar pra tomar café lá em casa… mas sabe, minha casa tá cheia de parente, e eu tenho medo que eles te aloprem tanto que tu nunca mais queira me ver. Aí nesse caso eu até te daria razão — ele disse, e riu.
— Tudo bem, eu não me importo.
Os dois ficaram em silêncio. Mas antes que o desconforto voltasse, Rosa decidiu falar de novo.
— Então, do que é que tu gosta?
— Bom, eu gosto de jogos — ele disse.
— Que tipo de jogos?
— Computador, videogame.
— Ah, bom. Legal — ela disse. — E por que tu gosta de jogos?
— Tu tá perguntando o motivo?
— Isso.
— Engraçado, é a primeira vez que eu explico isso pra alguém — ele disse. — Eu gosto porque é uma forma de arte onde a gente tem que agir, que exige interação.
Ela pensou um pouco. — Qualquer forma de arte exige interação.
Carlos franziu a testa. — Eu não entendo. Como é que o cinema, por exemplo, exige interação?
— A gente tem que interpretar o que tá assistindo — ela disse.
Ele ponderou por um tempo. — Sim, é verdade. Mas é impossível a gente mexer no filme, entende? É verdade que cada um vai interpretar de um jeito, mas todo mundo vai assistir ao filme da mesma forma. Com o jogo não: cada um joga da maneira que acha melhor, e o resultado vai ser diferente. É outro tipo de interação, entende?
— Eu acho que entendi — ela disse. — Talvez seja diferente mesmo.
— Tu costuma jogar?
— Algumas vezes, só.
— Eu até te convidaria pra ir jogar lá em casa, mas, tipo, tu já sabe, né…
— Tudo bem.
Carlos riu um pouco. — Engraçado como a nossa conversa fluiu naturalmente.
— É mesmo — ela disse. — É interessante conversar sobre o que a gente gosta.
— Sobre o que a gente não gosta também! — ele disse rindo.
Ela deu de ombros. — Talvez.
Os dois já estavam chegando perto da rua que Rosa deveria seguir. Carlos seguiria em frente.
— Bom, eu acho que eu vou pra casa — ela disse.
— Tá legal — ele disse, com um sorriso. Rosa parecia estar à beira de um sorriso sincero, mas algo parecia impedi-la.
— Olha, me desculpa por ontem, tá? — ela disse. — Eu não queria que fosse daquele jeito…
— Rosa, esquece ontem — Carlos disse, dando um passo na direção dela. — Já passou. A gente não vai conseguir mudar o que aconteceu. Se preocupa com agora.
— Tá bom — ela disse, olhando para o chão.
— Eu tô muito feliz de poder te conhecer — ele disse. — Entende agora que é possível a gente gostar um do outro?
— Eu acho que sim.
— Olha pra mim, Rosa — ele disse, delicadamente.
Com dificuldade, ela ergueu o olhar para ele. Pela primeira vez ela encarou o olhar de Carlos de frente. Era difícil: parecia que os olhos dele queriam perfurá-la e invadi-la, como duas espadas. Ela não entendia como era possível um olhar ter um efeito tão forte.
— Tu sabe que eu gosto de ti de verdade, né?
Ela acenou com a cabeça, e seu olhar começou a baixar de novo.
— Olha pra mim.
Ela o fez. Carlos parecia que estava cada vez mais perto. Na realidade, ela é que estava aproximando-se.
— Tu acredita em mim?
— Me beija! — ela disse, trêmula, como um tropeço, e engoliu em seco. — Eu não sei por que eu disse isso.
— Diz isso como se fosse um poema.
Rosa percebeu que ela não conseguia mais deixar de olhar para ele. Carlos já havia esquecido o peso das sacolas nos braços.
— Eu não sei fazer isso — ela disse. A respiração dela ficava cada vez mais forte.
— Tenta — ele disse. Os dois já estavam a meio passo de distância um do outro.
Ela suspirou, e tentou imaginar um poema que tivesse apenas um único, curto verso. Era difícil, e ela estava tensa, mas não havia como negar o pedido dele.
— Me beija.
Carlos sentiu, por um instante, como se seu corpo levitasse. Ele sabia, talvez fosse cedo demais para isso, mas ora! Por que não tentar? O que ele sentia era real demais para ser um equívoco. Rosa quis rir, mas algo estava engasgado na sua boca. Ela não estava constrangida, envergonhada nem nada assim. Naquele momento, apenas ela e Carlos importavam. Ele se aproximou dela devagar, e ela, como que por instinto, afastou-se um pouco. Ele parou, mas logo ela é que começou a se aproximar.
Quando Rosa deu por si, ela estava beijando-o.
Quando ela deu por si novamente, ela estava abraçando-o também. Carlos não podia mover os braços por causa das sacolas, então ele apenas pressionava o corpo contra o dela. Rosa nunca havia beijado ninguém, mas não se importou em fazê-lo da maneira certa, e sim em fazê-lo.
Os dois se afastaram, e agora ela não queria ir embora. Ela não queria sequer sair de perto dele. Ela sorria sem perceber.
— Eu quero te ver amanhã — ela disse.
— Eu também.
— Tu vai me encontrar de novo?
— Claro! Claro que sim.
— Amanhã no hotel, depois do almoço?
— Lá na pracinha?
— Pode ser.
— Sem caça ao tesouro dessa vez — ele disse, e riu.
Os dois ficaram em silêncio, mas dessa vez, para Rosa era como se eles estivessem falando ainda. Apenas o olhar e a respiração dele perto dela já bastavam. Ela não queria sair dali.
— Eu tenho que ir pra casa também — Carlos disse. — O pessoal deve estar pensando que eu fui comprar pão na China.
Rosa riu um pouco, mas foi um riso triste. Ela também tinha que ir pra casa.
— Tá bom — ela disse. — Eu vou te deixar ir.
Ele acenou com a cabeça. — Te vejo amanhã.
— Certo.
Finalmente, ela o largou e foi afastando-se, passo por passo, devagar. Por fim, ela se virou e foi embora. Carlos ainda ficou ali por um tempo, até perceber que ela não voltaria. Era hora de ir.
Rosa chegou em casa e encontrou os dois amigos na sala novamente. Foi como se a cena do dia anterior se repetisse. Gabriela nem precisou perguntar nada: apenas o rosto de Rosa dizia tudo que havia para ser dito. Pedro estremeceu: ela estava feliz demais.
Ela cumprimentou os dois e sentou-se no sofá, em silêncio. Gabriela não conseguia conter-se.
— Conversou com o cara?
— O nome dele é Carlos — ela disse. — E sim, a gente conversou.
— Só conversaram? — Gabriela insistiu.
Rosa olhou para ela com uma petulância descomunal, mas também bastante nervosa, batendo com os dedos no joelho. — Acho que eu já disse tudo que eu precisava dizer.
— Tá bom, tá bom — a outra respondeu —, não precisa contar o resto.
Pedro já estava nauseado. Ele não sabia se era melhor saber realmente o que aconteceu, ou deixar assim e não ter certeza. Ele não conseguia acreditar que Rosa e aquele cara poderiam ficar juntos depois do que acontecera no dia anterior. Não fazia sentido. Ele havia ficado tranquilo, confiante de que o cara não representava nenhum risco; mas agora, seus piores medos pareciam confirmados. O fato é, se ele não tomasse uma atitude imediata, ele poderia perder Rosa.
Mas ele não poderia tentar fazer nada com Gabriela ali. Portanto, ele apenas saiu da sala e foi para o quarto.