o menino-só

Cadeado

Uma praça. Um menino. Um cadeado.

Uma cena real que me comoveu.

 

Um grupo de vizinhos reuniu-se e construiu brinquedos na praça vazia.

Foi um domingo de festa: os filhos, netos e sobrinhos voavam alto, escorregavam e não mediam o tamanho do riso.

Hoje há um nevoeiro denso. Não é domingo; as pessoas seguem atarefadas para seus trabalhos, fazem uma correria que não deixa espaço para o pensamento. No aeroporto, toda partida é cancelada.

Nenhum voo é possível.

Na pracinha, há um menino de olhar gélido, sentado no banco. A cerração cai-lhe sobre os ombros, molha as sobrancelhas. O dia é triste. Cinza.

Numa terça-feira de manhã, nenhuma criança brincaria naquela pracinha, ainda mais num dia tão úmido. Mas ele não tinha mãe a repreendê-lo. Tinha apenas uma única chance de voar bem alto. E ansiava por isso. 

Quando chegou à pracinha, olhou para os lados, evitando o olhar atravessado de algum vizinho – pai, avô ou tio de uma criança de domingo festivo. Mas a repreensão já estava lá, na forma de um enorme cadeado preso às correntes do balanço. 

“Nenhum voo é possível” – entristeceu o menino, que não era filho, nem neto, nem sobrinho.

Era só-menino.
Sem asas.

Menino-só.

 

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