Câmara deve votar hoje projeto para equilibrar contas do Ipag. Secretário alerta que situação do instituto de previdência é maior ameaça aos futuros governos e à capacidade de investimento da Prefeitura. Sindicato reclama de perdas salariais
Dia 1º de novembro, o secretário da Administração Alexandro Lima Vieira apresentou ao Conselho do Ipag a proposta de elevação das alíquotas de contribuição como solução emergencial para a sobrevivência do instituto de previdência e assistência dos servidores de Gravataí.
Um apocalipse que logo pode chegar ao bilhão de déficit.
– Vamos submeter aos segurados – avisou Irene Kirst, vice-presidente do sindicato dos professores, depois de devolver a conta para o governo.
– Quem sabe fazemos um plebiscito com a população? – desafiou o secretário, que é procurador do município e integra o Conselho:
– Será que a população vai aceitar bancar sozinha, com o dinheiro que poderia ir para investimentos em obras e serviços na cidade, o instituto que é exclusivamente dos servidores?
Mesmo com o repúdio dos sindicatos dos professores e dos municipários, o governo enviou à Câmara de Vereadores, no dia 9 seguinte, o projeto 53, que prevê o reajuste de 11% para 14% na contribuição dos servidores e de 11% para 15,70% na parte da Prefeitura, além do aumento para 10% da parcela adicional, que foi de 7,54% em 2016, como parte da fórmula para equacionar o déficit apontado pelo cálculo atuarial de 2015.
Em meio à polêmica, o Seguinte: tenta jogar luz num debate que tem relação direta entre a sobrevivência do instituto e a capacidade de investimento da Prefeitura nos próximos anos.
– O Ipag é a principal ameaça para os próximos governos. Se os vereadores deixarem essa conta para a Prefeitura pagar sozinha, os próximos prefeitos serão apenas administradores de salários. Isso se forem muito competentes, ou nem isso – alerta o secretário.
– E falo em salários, porque as aposentadorias em algum momento não poderão mais ser pagas.
Votação ao vivo
A votação deve ocorrer na sessão de logo mais, às 17h, com transmissão ao vivo clicando aqui.
O líder do governo Juarez Souza (PMDB) incluiu requerimento na pauta pedindo que o projeto entre na ordem do dia.
A maioria simples entre os 21 vereadores aprova a proposta do executivo.
O Atuário da Fantasia
O atuário é ponto polêmico na relação do governo com o Conselho do Ipag.
– Hoje trabalhamos com números reais. Até 2014 o cálculo e as projeções eram fantasiosas. Mudamos a empresa que fazia o atuário e o déficit saltou de R$ 214 milhões para R$ 857 milhões – argumenta o secretário Alexandro Lima Vieira.
– Não é leviano dizer que todos sabiam que os cálculos não estavam corretos. O Conselho do Ipag tem sua parcela de responsabilidade nessa situação caótica a que chegamos – acusa, se referindo ao grupo que comanda o instituto, formado por 13 membros: seis do Executivo, seis dos servidores e sindicatos e um do Legislativo.
Conforme o secretário, o cálculo para manter o equilíbrio em 2016 foi de 29,54% na soma das contribuições dos funcionários e da Prefeitura. Para 2017, teria que chegar aos 39,70%.
– A Prefeitura não tem como arcar sozinha – resume Alexandro Lima Vieira, alertando para um gasto mensal de R$ 21 milhões com a folha de pagamento do funcionalismo e os encargos sociais, que com o reajuste proposto drenariam R$ 15 milhões a mais por ano para o instituto.
– Somando as parcelas da dívida, vamos gastar R$ 5 milhões por mês com o Ipag em 2017 – informa.
Procurada, a presidente do sindicato dos professores não retornou as ligações e mensagens do Seguinte: quando buscamos uma posição da categoria.
– É mais um golpe desse prefeito aos municipários, um governo que não pagou nem a reposição da inflação dos últimos dois anos – resumiu, pelo site do SPMG, Vitalina Gonçalves.
: Marli Severo, ex-presidente do sindicato dos professores, protestando na Câmara pintada como Morte
A dívida de duas cabeças
A dívida do Ipag é a 'fera de sete cabeças' estimada em R$ 85 milhões. Ou melhor: de duas cabeças.
– Nenhum prefeito até 2009 pagou as contribuições para o Ipag – revela o secretário, referindo-se às administrações de Daniel Bordignon (1997-2004) e Sérgio Stasinski (2005-2008) como inadimplentes, e à de Rita Sanco como a única que recolheu as contribuições, a partir de 2009 e até seu impeachment, em 2011.
O caixa fácil e as trombetas
Para entender a situação apocalíptica, voltemos à gênese do problema.
Até a metade dos anos 90, os funcionários públicos tinham seu regime previdenciário regido pelo Inss, como os trabalhadores da iniciativa privada. A contribuição dos empregados variava entre 8% e 11%, e a dos empregadores na média de 22%.
A partir de 1996, começaram a surgir regimes próprios de previdência nos municípios. Uma expectativa de barato que, agora que o futuro começou, está custando caro. É que, além dos institutos já nascerem deficitários, por herdarem servidores que antes contribuíam para o INSS, governos avançaram no caixa fácil para financiar o investimento público em obras e serviços, usando o dinheiro que deveriam repassar aos institutos.
Criado em 96 por Edir Oliveira, o Ipag foi implantado em 97 por Daniel Bordignon. As contribuições, de 9%, eram paritárias entre os servidores e a Prefeitura, até que a emenda constitucional número 20, de 1998, elevou as alíquotas para 11% cada parte.
– Não resolveu. A diferença do regime geral, do INSS, é que o bolo de aposentados cresce, mas a população ativa também cresce. No Ipag, o número de servidores da ativa não cresceu em mesma proporção dos aposentados e pensionistas – observa o secretário da Administração.
O cálculo atuarial de 2015 registrou 3.589 servidores ativos ligados ao Ipag e outros 600 celetistas ainda no INSS, para 1.105 aposentados, entre inativos e pensionistas.
As trombetas tocaram com a projeção de que em 2035 a proporção será de quase um por um, com pelo menos 3.348 aposentados.
– É uma conta que não fecha. Para termos equilíbrio, só com aumento de alíquota – resume o secretário.
O céu – ou o inferno – é o limite
Engana-se quem acha que os quatro cavaleiros galopam nesse reajuste. Os 3% a mais podem arrebatar os servidores hoje, mas a contribuição atingiria o teto de 14% – acima do qual o judiciário impede a cobrança por considera confisco.
Já aos reajustes na parte patronal, da Prefeitura, o céu – ou o inferno – é o limite.
– Pelo cálculo atuarial, a Prefeitura pode ter que contribuir com uma alíquota de 72% em 2043 – alerta o secretário, numa projeção que, com base na folha de hoje, corresponderia a R$ 10 milhões por mês numa folha de R$ 20 milhões.
Hoje, a contribuição é de R$ 2 milhões.
O fundo de reserva do Ipag, que tem hoje R$ 130 milhões rendendo juros, é classificado como “irrisório” pelo secretário, frente ao armagedom das contas do instituto.
– Alvorada tem uma folha mensal de R$ 7 milhões e R$ 260 milhões de reserva. Lá eles fizeram um cálculo atuarial responsável e aprovaram os ajustes necessários ainda em 2005 – compara.
Abrindo o sétimo selo
O governo chamou médicos peritos para fazer uma revisão no cadastro de inativos e 300 novos servidores engordaram um pouco o caixa do instituto. Mas o sétimo selo já foi aberto.
– Não há como escapar do aumento nas alíquotas – insiste o secretário.
– A criação de um fundo de previdência complementar, como no Governo do Estado, não funciona para Gravataí. Temos uma das maiores médias salariais da região metropolitana, R$ 3 mil, mas menos de 10% dos servidores recebem acima do salário do prefeito – lamenta, se referindo aos R$ 18 mil que configuram um teto acima dos R$ 5 mil do Inss, que com seu déficit de R$ 170 bilhões não aceita a ‘devolução’ dos instituto deficitários como o Ipag.
Mais da metade dos servidores do Ipag está coberto pelas regras de paridade anteriores à emenda constitucional 41, de 2003.
– Se ganha R$ 10 mil, contribui sobre R$ 10 mil e recebe R$ 10 mil de aposentadoria.
Os servidores contratados após 2003 se aposentarão com a média das contribuições de julho de 1994 até data da aposentadoria, recebendo o de menor entre as oito maiores contribuições e o último salário.
– De qualquer forma, para os servidores o Ipag é melhor que o INSS, onde pelo fator previdenciário quem mais cedo se aposenta recebe menos. E o teto é de R$ 5 mil – observa o secretário, que apela:
– O Ipag é uma preocupação para a Prefeitura e devia ser para os servidores. Por mais difícil que seja ao funcionário arcar com um aumento de alíquota, a conta maior quem vai pagar é a Prefeitura. E essa elevação é uma indicação técnica para sobrevivência do instituto. Se o Ipag quebrar, os servidores é que serão os prejudicados.
No Apocalipse bíblico, aberto o sétimo selo, houve silêncio no céu.
É tudo que não teremos na Câmara durante a votação do projeto 53, daqui a pouco.
Que o Ipag, e os cofres públicos, sejam salvos.
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