Jeane Bordignon

Caminhos poéticos

Jeane Bordignon é jornalista

Posso dizer que fui a saraus de Sul a Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Estive em eventos desde a livraria chique do Leblon até a biblioteca pública de Bangu. E todos foram importantes na minha trajetória de poeta.

O sarau na livraria do Leblon foi um dos primeiros que participei em terras cariocas, a convite da querida e saudosa amiga Carmem Sílvia Presotto. Naquela noite conheci alguns poetas que volta e meia encontrava em outros eventos poéticos.

Entre eles o pernambucano Ovídio, um senhor que além de ter uma memória invejável para a poesia (recitava poemas de cordel inteiros de cabeça), adorava contar histórias divertidas e no final perguntar “Eu não sou engraçado?”, de um jeitinho todo dele. Quem conheceu o Seu Ovídio, não esquece.

Outro momento marcante na Zona Sul foi conhecer a Pelada Poética, que ocupava um quiosque do Leme nas noites de quarta-feira. Alguém lembra do Eduardo Tornaghi, que foi galã da Globo? Ele trocou as novelas pela poesia e criou esse bate-bola de versos que se tornou um dos saraus mais emblemáticos do Rio.

Também naquela região tive a oportunidade de “sarauzear” no alto do morro da Babilônia, tendo como paisagem uma lua cheia maravilhosa. E de participar de noites lindas na Casa da Leitura, espaço da Biblioteca Nacional no bairro de Laranjeiras (aquele bairro que o Nando Reis cita na música All Star, ele mesmo).

Acho lindo observar como a poesia tem o poder de reunir pessoas diferentes em lugares tão próximos e tão distantes ao mesmo tempo: seja no morro ou no asfalto, a poesia fala mais alto.

E os versos me levaram à região mais extrema do Rio: Zona Oeste, minha ZO do coração. Primeiro foi em Realengo, onde a praça em frente à igreja se tornou espaço de festa para o aniversário do bairro. Ali conheci os amigos do coletivo Maria Realenga, com os quais vivi vários momentos lindos.

Foi com o Maria Realenga que encontrei espaço nos saraus para outra de minhas facetas: a tia Je, contadora de histórias. E partilhei um dia especial na Fazenda Viegas, em Senador Camará, numa ocupação cultural inesquecível. Também participei com o coletivo da Maratona Cultural em Santa Cruz… e se o Jota Quest achou que “Jacarepaguá é longe pra caramba”, me faltam palavras pra definir Santa Cruz. É realmente o extremo do Rio de Janeiro.

Bangu também é longe, mas de trem se vai mais rápido do que parece. Lá eu fui convidada pelo Bruno Black, que organizava o sarau dos Descabelados, numa biblioteca pública bem aconchegante. Com certeza valeu a pena.

Ah, em Realengo também falei poesia embaixo do Viaduto. Calma, eu explico: ao lado da estação de trem tem um viaduto que foi ocupado com eventos e se tornou o Espaço Cultural Viaduto de Realengo, que em 2016 recebeu o Dia da Música. Nessa noite também teve o Sarau Convida Todos, conduzido pelos queridos Rogê Ferreira (a quem eu fiquei devendo comparecer ao Sarau do Calango, em Magalhães Bastos) e Luiz Fernando Pinto (a quem também fiquei devendo de participar do Sarau do Velho, em Senador Camará). Os bairros citados também são na ZO.

Mas, por questões de proximidade mesmo, os saraus que eu mais frequentei foram na Lapa. Principalmente Sarau do Escritório, Boto Fé e Ratos Di Versos. Três verdadeiras lendas das noites do coração da boemia carioca.

O Sarau do Escritório ocupava uma esquina bem conhecida na Lapa: em frente ao Bar da Cachaça, notório por sua cachacinha com gengibre. Cada edição do Sarau homenageava uma personalidade das ruas do bairro, e tinha música, performance, exposição, brechó e muita poesia, claro. Uma vez ao ano, o aniversário do Escritório era comemorado com o Baile de Gala, ocupando as quatro esquinas e convidando vários coletivos da cidade. Coisa mais linda de se ver, aquela encruzilhada tomada de arte!

O Sarau Boto Fé e o dos Ratos Di Versos alternavam as quintas-feiras. Ambos eram bem informais, sem microfone nem produção. Apenas poetas reunidos com livros e zines nas mãos. O Boto Fé ocupava a escadaria da Rua Taylor, uma das várias escadas que ligam a Lapa à Santa Teresa. Um cantinho meio escondido, o que nos deixava bem à vontade.

O sarau dos Ratos Di Versos é o mais antigo dos três, completou 15 anos nesse mês de maio. Começou no Beco do Rato, um cantinho da Lapa conhecido pelo samba e pela boemia. Depois migrou para a Rua da Lapa, quase na esquina com a rua Joaquim Silva. Para quem não conhece, a Joaquim Silva é a rua onde morava Madame Satã. Também é conhecida como a rua da escadaria Selarón, um dos pontos turísticos mais famosos da Lapa.

Foi ali perto, em frente a Sala Cecília Meirelles, que conheci outro sarau, também informal e “sem frescura”, que cativou meu coração: o Ameopoema. Mas a maioria dos encontros dessa “gangue poética” acontecia na Cinelândia, mais precisamente em frente ao cinema Odeon. Aquele banco em frente ao cinema tem muita história! Sobre o Ameopoema já falei em outra coluna, AMEOPOEMA: histórias e alegrias

Esses quatro saraus marcaram meus dois primeiros anos de Rio de Janeiro. Sorri, chorei, bebi, dancei e até beijei, naquelas noites de música e poesia. Fiz amigos que trago no coração. Conheci muitos e muitas poetas incríveis. Inclusive conheci a Shaina em um desses saraus (não sei se Escritório ou Ratos), e foi ela quem me convidou para a reunião que daria início ao Coletivo Nós, as Poetas! As histórias desses movimentos se conectam.

Talvez isso queira dizer que… o melhor caminho é a poesia.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade