O desde ontem desempregado Guilherme Rodrigues da Silva (PL) vai disputar a eleição a vereador de Gravataí com a tornozeleira eletrônica que carrega por seis meses por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
O Seguinte: não conseguiu em nenhum canal do STF informações sobre qual inquérito responde o morador da Caveira, mas o presidente municipal do partido de Bolsonaro, José Capaverde, acredita que seja o INQ 4.781, conhecido como ‘inquérito das fake news’, cuja relatoria é de Xandão.
– Meu advogado não consegue informações. É sigilo, sigilo e sigilo – disse ao Seguinte: nesta sexta-feira Guilherme Silva, que relata ter sido desligado ontem pela Uber após a plataforma informar ter identificado procedimento envolvendo seu CPF na justiça federal.
– Antes tiraram minha liberdade, agora perdi meu sustento como motorista de aplicativo – lamenta, cumprindo por seis meses a ordem judicial que, conforme ele, obriga-o a comparecer toda semana ao Fórum de Gravataí para verificação da tornozeleira, que o impede de sair de casa entre às 20h e às 6h, nos feriados e finais de semana.
Em 24 de fevereiro deste ano, Guilherme foi alvo de mandado de busca pessoal, cumprido pela Polícia Federal, que apreendeu seu telefone celular.
– Desde o dia em que fui acordado às 6h com a polícia invadindo minha casa, não recebi nenhuma intimação – assegura.
Na Petição 11.968, entregue a ele pelos federais, a única identificação, entre demais sigilos, é a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
A identificação da relatoria no documento alimenta a suspeita de que o gravataiense reste incluído no inquérito da fake news.
Aberto de ofício em 14 de março de 2019 pelo ministro Dias Toffoli, então presidente do STF, com relatoria de Alexandre de Moraes, o INQ 4.781 teve a constitucionalidade confirmada em 18 de junho de 2020 pelo plenário virtual da corte, com objetivo de “investigar a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas, ameaças e roubos de publicação sem os devidos direitos autorais, infrações que podem configurar calúnia, difamação e injúria contra os membros da Suprema Corte e seus familiares”.
Guilherme Silva admite ter feito postagens e vídeos criticando ministros do STF.
– Chamar de corrupto, chamei. Mas não incitei a morte de alguém, ou ameacei família. Nunca apelei para derrubar governo ou incentivei golpe de estado. É por crime de opinião que sou um preso político dentro da minha cidade? Meu advogado não consegue descobrir – diz, garantindo que não estava em Brasília nos atos terroristas de 8 de janeiro de 2023.
– Às 14h14 do 8 de janeiro postei vídeo em minha casa. Não estava lá – diz, condenando a depredação dos Três Poderes.
– Não apoio. Fiz vídeo sobre isso. Os culpados que paguem – lembra.
Além do STF não abrir o sigilo sobre o caso de Guilherme, o gravataiense obteve na justiça federal e estadual as certidões cíveis e criminais que permitiram o registro de sua candidatura a vereador.
– Nada consta – atesta, sobre já ter o deferimento do registro da candidatura, o que comprova ter ‘ficha-limpa’, sem condenações.
Ao reportar caso de outro gravataiense, que ficou por um ano na Penitenciária da Papuda após ser flagrado em Brasília no 8 de janeiro, aí no INQ 4.921 – que apura a ação dos chamados autores intelectuais ou instigadores dos atos de 8 de janeiro, acusados pela Procuradoria Geral da República de incitação ao crime (Artigo 286 do Código Penal) e associação criminosa (Art. 288) – conclui assim o artigo STF mantém tornozeleira eletrônica e pena de gravataiense flagrado em atos golpistas do 8 de janeiro está próxima da definição; ‘Pobre-coitado’ também é sujeito à lei:
(…) É mais um julgamento de um “pobre-coitado”, como disse, dia desses, em culto político da Av. Paulista, o futuro detento Jair Bolsonaro, sobre o qual restam provas irrefutáveis de ser o mandante da tentativa de golpe de estado. Fato é que pobre-coitados também estão sujeitos às leis.(…)
Salvo melhor juízo, reputo o caso de Guilherme parece diferente. Ele não teve acesso aos autos. Pior, nem sabe a qual inquérito se refere. Se for o das fake news, já são 5 anos e 6 meses desde a abertura, sem uma intimação sequer para depor.
Remete-me a O Processo, de Kafka. A personagem Joseph K., a caminho da execução, foi questionada pelos algozes:
– Culpado ou inocente?
– Inocente de quê? – respondeu.
Ao fim, sem cair o sigilo, o culpado ou inocente é uma questão em aberto.
Ainda podem aparecer vídeos criminosos de Guilherme? Não há como garantir que não, se é que está incluso em algum inquérito. Aí, que responda sob o rigor da lei. Liberdade de expressão não significa liberdade para cometer crimes.
Porém, conforme pesquisa que fiz hoje em suas redes sociais, não consigo identificar nada grave, a ponto de o gravataiense restar por seis meses submetido a uma tornozeleira, para além de vídeos e postagens apaixonadas pelo inelegível, críticas a Lula, PT e o STF, ‘verdades múltiplas’ sobre a economia do país e delírios conspiratórios comuns ao bolsonarismo.
Fica parecendo Guilherme – para usar o linguajar preferido da seita – um ‘comunista’ perto dos crimes que comete um Pablo Marçal em suas redes antissociais, por exemplo.
Ah, para concluir, configure-se o caso um acerto ou erro judicial, entendo não apagar o papel de Alexandre de Moraes como um dos salvadores de nossa democracia frente ao golpismo provado e confesso que ainda experimentamos no Brasil.