BLOG DO RODRIGO BECKER

CANOAS | As chances de Airton na ‘Copa do Mundo’ que começa no STJ; a tese da defesa e o limite da prescrição

Julgamento que pode levar prefeito à perda do mandato inicia nesta quinta, 20, no plenário virtual do STJ

É sobre o caso CIEL, de novo.

Para quem não lembra, o assunto emergiu no primeiro debate do primeiro turno da eleição em 2024, quando o então candidato Jairo Jorge levantou no debate da RBS o assunto da condenação de Airton Souza por improbidade administrativa, dada ainda em 2021. Airton foi presidente da CIEL, antiga e já extinta subsidiária da Corsan, que opera no mercado com compra e processamento de produtos químicos. 

Airton presidiu a companhia em 2008 — pouco antes da antes da então governadora do Estado, Yeda Crusius, fechar a empresa.

Naquele ano, Airton determinou o encerramento de uma licitação e a abertura de outra que, conforme a sentença de primeiro grau, dada pela Justiça na comarca de Esteio, causou um prejuízo à companhia: a compra pelos preços da segunda licitação eram 14% mais caros do que os definidos na primeira. As razões para o cancelamento da licitação inicial constam apenas como “decisão da diretoria”, mas o processo nunca pode ser auditado: os documentos foram extraviados enquanto estavam de posse de Airton.

Na sentença que condenou o prefeito, além do prejuízo ao erário público, consta o dolo — intenção de cometer a improbidade —, reforçada, neste caso, pelo extravio do processo da primeira licitação.

No julgamento de segunda instância, no Tribunal de Justiça do Estado, a condenação foi mantida por unanimidade. E subiu ao STJ, o Superior Tribunal de Justiça, onde já houveram decisões pela manutenção da decisão. A sentença definitiva, no entanto, começa a tomar forma a partir desta quinta, 20, em julgamento virtual que se estende até 26 de fevereiro. É quando deve ser conhecido o destino do prefeito de Canoas: se o STJ mantiver as sentenças de 1º e 2º grau, Airton pode perder o mandato de prefeito e ser levado à suspensão de 8 anos dos direitos políticos.

Por que perda do mandato?

As penas em condenações por improbidade administrativa impõe ao condenado a perda da função pública — seja ela qual for quando ele for alcançado pela sentença. Para isso, no entanto, é preciso a combinação de três fatores que devem restar provados no processo judicial: dolo, ou seja, intenção; dano ao erário público; e enriquecimento ilícito.

Na época em que a Justiça de Esteio, onde ficava a sede da CIEL, condenou Airton, bastava a implicação em um desses fatores para que o gestor pudesse ser amargar a pena por improbidade. Naquele mesmo ano, 2021, a lei foi alterada e passou a exigir a combinação dos três para perda do mandato e dos direitos políticos.

Na sentença de primeira instância, a menção específica a dolo e prejuízo ao erário — mas enriquecimento ilícito, não.

A defesa de Airton, até então, não tratou de descaracterizar o dolo nos julgamentos posteriores: arrastou o processo pelos tribunais alegando que o cancelamento da licitação inicial era uma prerrogativa do presidente da companhia e que os valores do segundo certame estavam majorados por conta do câmbio da época, já que os insumos adquiridos era indexados pelo dólar. Sem a papelada que fora extraviada, restou impossível justificar a decisão tomada por ele para abertura de uma nova licitação. E a condenação por improbidade, com dolo e dano ao erário, segue em pé.

A novíssima tese da defesa

A defesa do prefeito, no entanto, apontou ao STJ agora em fevereiro um caminho que pode derrubar a condenação: um caso similar julgamento recentemente pelo próprio STJ. Nele, um prefeito e um secretário foram condenados também com caracterização de dolo, mas conseguiram livrar-se da pena de perda do cargo e dos direitos políticos.

No processo, descaraterizaram o dolo constante na primeira sentença para ‘culpa grave’. A culpa, em juridiquês, indica que não houve intencionalidade de praticar o crime — e, no caso da improbidade, elimina a possibilidade de perda do cargo. A mudança na lei, em 2021, garantiu isso: sem dolo, cabe ao gestor a reparação do dano causado, mas não a perda dos direitos políticos e, se tiver cargo eletivo, mantém o mandato.

A petição com o relato do caso que parece muito parecido com o de Airton chegou às mãos do ministro Teodoro Silva dos Santos, relator do recurso do prefeito, nesta quarta, 19. O julgamento marcado para o dia seguinte indica que o voto do relator já está proferido. A notícia de que há uma ‘novidade’ que pode mudar o julgamento favorece a ideia de um adiamento do julgamento — exatamente o que a defesa pretende obter, ainda nesta quinta.

E quais as chances de um adiamento?

Diante da petição, o ministro relator tem dois caminhos: adiar para analisar a nova petição ou entender que o recurso é protelatório e manter o julgamento. Certeza sobre o que ele fará ninguém tem; no máximo, um palpite.

Se aceitar adiar, ninguém fique surpreso. O pilar geral da justiça brasileira é a presunção de inocência; então se algo pode beneficiar o entendimento de que o réu tem razão, por princípio, deve ser levado a consideração.

No entanto, no caso específico de Airton, o prazo para prescrição da pena é em outubro deste ano. Se a justiça for incapaz de processá-lo até lá, a punibilidade se extingue, ou seja, não poderá mais responder pela improbidade — nem ser condenado por ela. E as decisões anteriores, todas unânimes, encurtam a perspectiva de adoção de uma tese diversa — e milagrosa — que o livraria da punição.

Caso o ministro não aceite o adiamento, ainda resta a Airton convencer um dos ministros do colegiado a pedir vistas durante o julgamento. Isso costuma ser atendido com frequência a pedido das partes e dificilmente seria negado agora. No entanto, as vistas no STJ adiam o julgamento apenas em uma sessão e, neste caso, prorrogariam o julgamento até no máximo o dia 13 de março, uma semana após o Carnaval.

E ainda tem recurso?

Sim, tem. Caso perca no STJ, Airton ainda pode levar seu caso ao Supremo Tribunal Federal, o STF. Lá, aliás, é o ambiente para discussões constitucionais e um bom corredor para determinar se para improbidade é preciso dolo, dano e enriquecimento ou se basta uma para condenação de gestores e ex-gestores; definir o cálculo da pena quando estão presentes uma ou mais características do crime a tese geral da intencionalidade, que para as condenações anteriores a alteração da lei em 2021, é crucial: quando é possível comutar o ‘dolo’ em uma sentença para culpa grave diante da nova legislação.

E a política?

Bom, a política corre solta — como não poderia deixar de ser.

O ambiente já se prepara para todos os cenários possíveis: a manutenção de Airton no cargo; a condenação dele com a consequente assunção de Rodrigo Busato a prefeito; e até a ainda distante possibilidade de nova eleição.

Caso a condenação de Airton seja mantida e o STJ ordenar o imediato cumprimento da sentença — o que na prática implicaria na perda do mandato do prefeito —, é o vice, Rodrigo, quem assume. Ele só perderia o cargo também caso a Justiça Eleitoral acate o entendimento de que Airton já era inelegível em 2022 e, portanto, não deveria ter obtido o registro para disputar a prefeitura em 2024.

Esse processo corre, atualmente, no Tribunal Regional Eleitoral e sequer tem qualquer prazo para julgamento. 

Será, por óbvio, reforçado caso a condenação de Airton seja mantida. Mas não qualquer indício de que ganhe celeridade com isso. Ao contrário, a Justiça Brasileira é famosa pela demora, não pela agilidade.

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