A política é a política desde sempre: engole os desavisados por motivos justos ou inconvenientes
Sm, Giovani Rocha (PSD) pode cassado.
Sim, ele que é o primeiro homem assumidamente gay a ser eleito para Câmara de Canoas, pode ser também o primeiro a perder o mandato ainda no primeiro semestre da legislatura.
Sim, ele é polêmico; e, sim, está pagando um pênalti por isso.
Justo ou não, o pedido assinado pelo advogado Jairo Vilson Oliveira Silveira foi entregue e aprovado na Câmara de Canoas na quinta, 13. O documento de 40 páginas acusa Giovani de por os próprios assessores em desvio de função: eles foram encontrados em uma ONG de assistência social que fica na Avenida A.J. Renner, no bairro Estância Velha, recentemente em janeiro. Detalhe: a ONG é comandada pelo esposo de Giovani, o advogado Tiago Costa.
Jairo, o denunciante, tem ligações com o ex-vereador Humberto Araújo, o Betinho do Cartório, que é do partido de Giovani. Betinho, no entanto, não tem nada a ver com a denúncia. Nada mesmo.
O advogado de Giovani, Marcelo Fontella, conversou longamente com o blog na sexta, 14. Ele considera que a lei de criação dos cargos que assessoram os vereadores é explícita em afirmar que faz parte das atribuições da função auxiliar às entidades. “Eles podiam estar lá, não há problema nisso”, resume. Não haveria crime, portanto, nem qualquer ilegalidade.
Fontella também afirma que as testemunhas do episódio foram procuradas pela esposa e uma assessora do vereador Jonas Dalagna, do PP. Jonas e Giovani são desafetos desde que a Fernanda, esposa de Jonas e sobrinha de Giovani, foi desligada do salão de beleza onde era o braço direito do tio. A crise virou pessoal: ação na justiça, conflitos públicos e nem as centenas de fotos que tio e sobrinha tinham juntos sobraram nas redes sociais — muito menos uma hipótese de reconciliação à vista.
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E ainda tem a política
O pedido de cassação de Giovani Rocha tem por base batido decreto-lei 201, de 1967 — um dispositivo da Ditadura que até hoje rege os processos de perda de mandato. Ele foi usado tanto no pedido de cassação do qual o próprio Marcelo Fontella foi signatário, em 2022, contra Jairo Jorge; e também no ano seguinte, quando o então vice-prefeito, Nedy de Vargas Marques, respondeu ao impeachment.
Segundo a regra, na sessão seguinte ao recebimento da denúncia o presidente da Câmara precisa submeter o pedido ao plenário — e Eric Douglas (União Brasil) o fez na quinta, 13. Só Giovani votou contra: todos os demais foram favoráveis. A comissão formada por três vereadores para analisar o caso terá na presidência o estreante Gabriel Constantino (PT) e Aloísio Bamberg (PSDB), o mais longevo da atual legislatura, na relatoria. Rodrigo D’Ávila (Novo) será membro.
Giovani responde formalmente pela denúncia, mas cristalino está que é a política que pode cassá-lo ou lhe preservar o mandato. Ao longo da trajetória que o levou à eleição em outubro do ano passado, o cabeleireiro que transformou a própria vida embelezando as melenas alheias colecionou distanciamentos políticos. Em 2023, por exemplo, enquanto ainda presidia o MACA, Movimento Ação por Canoas, teve uma altercação com o vereador Juares Hoy, hoje no mesmo PP de Jonas Dalagna. Giovani acusou Juares de homofobia. Mais um desafeto de carteirinha.
Na sequência, teve o episódio com Fernanda, esposa de Jonas.
E, depois, na campanha.
Quando concorreu, Giovani sustentava o apoio peso-pesado da então primeira-dama, Thaís Pena, esposa de Jairo Jorge. Com as credencias de quem vinha para vencer, foi amealhando apoiadores mesmo entre colegas de partido. E aí, numa dessas, abriu mais um flanco de desafeição: desta vez com o vereador Jefferson Otto, sobrinho de JJ.
Teve outros, do PT ao PV.
O mais recente rompimento de Giovani foi com o ex-prefeito, justamente. Em uma sessão da Câmara, o vereador disse algo que ouriçou os apoiadores de Jairo — e, politicamente, nem importa o que foi. Passou o recado de que estaria criticando a gestão anterior o que, somada à recente relação que vem criando com o governo Airton Souza (PL), serviu para o próprio partido pedisse uma comissão de ética interna para analisar a conduta do parlamentar e, lá na frente, decidir se o expulsa ou não de seus quadros.
Contribuiu para isso, certamente, que um dos assessores de Otto seja Daniel Cardoso, ex-secretário de Comunicação de JJ e fiel escudeiro do ex-prefeito. É ele quem está a garantir que, no PSD, Giovani não terá apoio fácil.
Sem o partido e sem a bênção de JJ para o proteger, a política tem tudo para engolir Giovani Rocha — sendo a denúncia contra ele justa ou uma inconveniência, como disse na abertura deste longuíssimo post. Por pura ironia, é a política que pode salvar-lhe a pele do mandato ou tirá-lo de vez. Ou Giovani entende-se com seus pares, mesmo que com alguns isso não esteja no horizonte próximo, ou pode tratar de mudar o próprio epíteto: em vez de ser chamado de ‘cabeleireiro’, pode começar a ser chamado de ‘breve’.