BLOG DO RODRIGO BECKER

CANOAS | CICS critica viagens, gastos com eventos e locações em ano de déficit; a curva e a derrapada na curva

Secretário da entidade escreveu coluna em jornal local alertando sobre o orçamento de 2024 que já começa no vermelho em mais de R$ 417 milhões

A Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Canoas, a CICS, publicou coluna no Diário de Canoas e reproduzida depois em suas redes sociais atribuída ao secretário da entidade, Gerson Costa. O texto manifesta a preocupação com orçamento aprovado pela Câmara para o município em 2024. A peça prevê uma arrecadação de R$ 2,7 bilhões entre Prefeitura e Instituto de Previdência, o CanoasPrev – mas indica um déficit na casa dos R$ 417 milhões.

Em outras palavras, a prefeitura, ano que vem, vai trabalhar ‘no vermelho’  por quase um quarto do ano. 

A CICS tem razão em se preocupar com déficit.

A CICS tem razão em alertar para a incapacidade dos contribuintes para uma eventual elevação da carga tributária.

A CICS só derrapa na crítica que faz às escolhas da gestão. Me pareceu raso – e, em momento algum, a CICS deve se apequenar.

Explico.

Na coluna, a entidade defende investimentos em áreas essenciais, como Saúde, Educação e medidas para favorecer o crescimento econômico e o ambiente de negócios. Condena a falta de planejamento, viagens, diárias, marketing, propaganda, eventos e locações. Parece correto, mas é raso. E por dois motivos.

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O primeiro deles tem a ver exatamente com os diferentes setores que movem a economia. A Semana Farroupilha, por exemplo, movimenta um setor da indústria cultural específico e que ficou toda a pandemia à pindaíba. Pode-se – e até acho que devemos – discutir o quanto se gasta em eventos deste tipo, mas defendo aqui a necessidade de gastos públicos em atividades de caráter social, cultural e, no final das contas, econômico. Afinal, desde a empresa que capina o parque até aquela que aluga as lonas tem funcionários em Canoas e paga impostos na cidade – inclusive aquelas que eventualmente sejam de fora.

A Feira do Livro, outro exemplo. Faríamos um evento que envolve praticamente a totalidade das quase 100 escolas do município e do Estado em favor da leitura sem o apoio público? Penso que não. Livreiros ali instalados, o ecônomo que abriu uma cafeteria em plena Praça da Emancipação e até o pessoal que tem pátios de estacionamento nas redondezas concordam que eventos assim ajudam a trazer vida noturna ao centro da cidade – coisa que não víamos há muitas décadas.

Segunda razão: invariavelmente, as soluções para crises não são genéricas. Qualquer um de nós poderia dizer que uma empresa que faliu foi mal administrada – e não deixaríamos de ter razão. Mas só quem conhece o problema com profundidade poderia avaliar em que momento a decisão salvadora poderia ter sido tomada e não foi. No setor público, com raras excessões, funciona do mesmo modo. A solução está no detalhe e não na simplificação. Sempre é possível gastar menos, sempre é possível ser mais austero e vigilante. Sempre é. Eficiência me parece uma tarefa diligente, cotidiana, permanente. Pergunto: seria possível para nós, que vemos os assuntos públicos de fora dos gabinetes, antever que uma decisão de governo não está levando em conta princípios consagrados de boa gestão? Os resultados do que se acordou fazer agora só vemos adiante, no médio ou longo prazo, às vezes. A CICS tem razão em se preocupar, repito, mas seria preciso um mergulho mais profundo nos meandros da gestão pública para apontar que decisão poderia ter sido diferente ou onde um recurso público poderia ter sido melhor aproveitado e, eventualmente, não foi. 

É aí a derrapada.

Vemos essas simplificações todos os dias, especialmente no ‘Grande Tribunal das Redes Sociais’, como bem define meu colega e amigo Rafael Martinelli, aqui do Seguinte:. Todos os dias alguém ‘desce o pau’ nos políticos da vez. O povo, no entanto, tem um certo habeas corpus para isso: a indignação de quem sofre as conseqüências das decisões de qualquer governo e, muitas vezes, não tem acesso a ele para pedir mudanças. Não significa que tudo que se empilham nas redes sociais esteja certo, mas há que se relevar à condição de quem o diz; quem sofre tem sempre o direito a gritar mais.

Tem outra coisa: os políticos costumam dar motivos para a descrença que se tem neles, não julgo. Escândalos e caminhos tortos nos tiraram parte da fé na saída construída pelo diálogo ou pela política. Mas penso que devemos ser mais rigorosos na crítica aprofundando o que se entende por problema – a generalização, mesmo unânime, nem sempre é inteligente. O governo – quem quer que o lidere – foi eleito para tomar as suas decisões e será posto a julgamento nas urnas.

Nos cabe a crítica aos resultados das políticas adotadas, por certo, mas não me parece adequado contestar o direito que o governo tem de adotá-las. Se Jairo Jorge, Nedy antes dele, Busato, que antecedeu aos dois, ou o Lagranha, em outros tempos, escolheram um caminho, pois bem: estão lá exatamente para isso. Se o resultado não vier como prometeram, cobremos de dedo em riste.

Repito, para não deixar dúvidas: a CICS tem razão em se preocupar. A derrapada está não na crítica, mas no objeto dela: o direito à escolha que o governo tem. Lembro aqui de 2006, na final do Mundial de Clubes, quando o técnico Abel Braga decidiu tirar de campo um extenuado Fernandão, capitão e ídolo daquele time, para colocar um contestado Adriano Gabirú. Quantos colorados se anteciparam ao chamar de ‘burro’ o treinador e, adiante, assistiram quase incrédulos ao chute com o lado de fora do pé deste mesmo Gabirú que deu um Mundial Fifa ao Inter?

Tanto Abel quando o governo da ocasião tem o direito de fazer escolhas e nós cabe o dever de lembrá-los que os resultados delas precisam justificá-las. Para Abel, o preço do erro seria o seu lugar na história do Internacional; a Jairo Jorge, será as urnas.

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