Pouca gente lembrou, mas a 2 de março de 1985, a Trensurb colocava o primeiro metrô a circular pelo que, um dia, foi a linha férrea Porto Alegre-Novo Hamburgo
Foi há 40 anos, exatamente.
No dia 2 de março de 1985, enquanto país se preparava para a posse de Tancredo Neves 13 dias depois como primeiro presidente da República após a Ditadura Militar e que jamais aconteceria, a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre, a Trensurb, colocava para deslizar sobre os trilhos 25 comboios novinhos em folha importados do Japão. Estava inaugurado o metrô no eixo Norte da Região Metropolitana de Porto Alegre, mas de “metrô”, mesmo, só levou o nome: o que circular atualmente pela linha 1 entre a capital e Novo Hamburgo, no Vale dos Sinos, é um trem de superfície; metrô é um conceito, em geral, ligado aos trens subterrâneos das grandes cidades, como Nova York, no Estados Unidos, ou Munique, na Alemanha.
No dia de um sol para cada vivente que passamos em Canoas, o nosso metrô completou 40 anos de atividade diária, só interrompida em curtíssimas oportunidades. A mais significativa delas, certamente, a enchente de 2024.
Pouca gente lembrou da data e menos gente ainda lembra como surgiram os planos do metrô cortando os municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia e São Leopoldo para desembocar nos terminais de Porto Alegre ou Novo Hamburgo. Mas, calma, o blog conta.

O general e o ditador
A linha férrea ligando Porto Alegre a Novo Hamburgo já percorria os campos de Canoas desde o último quarto do século XIX. Fora inaugurada em 14 de abril de 1874, mas sua construção iniciou dez anos antes, com a autorização da Assembleia Legislativa para que o inglês John McGinity obtivesse empréstimos internacionais para concluir o empreendimento. Remonta daí as origens da divida externa gaúcha, mas isso é assunto para outro post.
100 anos depois da abertura da linha férrea, em 1974, uma solitária maria-fumaça fazia o trajeto que outrora prometia progresso e desenvolvimento, mas então só provocava transtornos imediatos. Sem volume de cargas para transportar e com o modal rodoviário escalando em importância e qualidade, o trem restou em desuso— mas seguia cortando a cidade em duas no trecho de Canoas, pelo menos. Era preciso tomar uma providência a respeito, mas pouco ou nada era feito. Com o volume de vendas da automóveis crescendo 700% dos anos 60 para os 70, os investimentos prioritários eram as rodovias — não os antiquados trilhos do trem.
Em 1976, dois anos depois, um discreto general gaúcho, Golbery do Couto e Silva, então ministro do Gabinete Civil de outro conterrâneo, Ernesto Geisel, este presidente da República e penúltimo ditador militar da Era de 64, pediu uma conversa com o superior. O Saiu da sala do ditador com a autorização para criar um grupo de trabalho que indicasse soluções para o já saturado trânsito na BR-116 no trecho de saída de Porto Alegre — e a linha férrea, ali do lado, fazia parte do plano. A anotação do encontro entre Golbery e Geisel conta dos arquivos Heitor Ferreira, chefe de gabinete do ministro, que cedeu todos os documentos que acumulou assessorando os militares no poder ao jornalista Elio Gaspari, autor da irretocável série de livros sobre a Ditadura Militar Brasileira.
O conteúdo da conversa não é possível comprovar — mas os passos seguintes, sim. Naquele mesmo ano, foi criado do GEIPOT, Grupo Executivo de Integração das Políticas de Transporte da Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte. É dele o plano para transformar a antiga linha férrea no caminho do trem de superfície que, até hoje, atende a região.
Em 1977, Ernesto Geisel esteve em Porto Alegre e, em uma ocasião, almoçou com empresários e lideranças políticas em Canoas. O encontro aconteceu no Canoas Tênis Clube. Geisel, militar austero, evitava o uso dos aeroportos civil, como Salgado Filho, quando havia nas proximidades campos de desembarque aéreo militares, como a Base Aérea de Canoas. Naquele ano, casou a saída da cidade com o encontro no clube canoense.
Consta que foi nessa oportunidade que Geisel contou pela primeira vez em público os planos apresentados pelo GEIPOT sobre o trem de passageiros na região. O então presidente da CICS na época, Osório Biazus, contou ao blog que o encontro com Geisel não tinha uma pauta específica, mas uma cortesia da presidência em razão do uso da Base Aérea para as chegadas e saídas do mandatário. O encontro de Osório com Geisel está descrito no livro de memórias que a família prepara para o aniversário de 90 anos do empresário, em abril, e que tem a redação deste jornalista.
Em 1980, o sucessor de Geisel na presidência, João Figueiredo, assinou o decreto que criou a Trensurb e deu início às obras de adaptação da linha férrea. As principais obras civis, no entanto, seriam as das estações, que precisavam ser feitas do absoluto zero. A 2 de março de 1985, um ato solene inaugurou oficialmente os 27 quilômetros de trilhos e 15 estações ligando Porto Alegre a Sapucaia do Sul, passando ainda por Canoas e Esteio A operação comercial iniciou em 5 de março, dois dias depois, já abarrotando os trens com milhares de passageiros que, ironicamente, não diminuíram o movimento na BR-116, mas enterraram o sistema de transporte por ônibus que nunca encontrou uma solução viável nos anos seguintes para manter-se em pé.
O trem ainda levou 22 anos para avançar até a cidade de São Leopoldo, com a estação Unisinos, e mais três para chegar ao centro do município. E só entre 2012 e 2014 é que completou os 43,8 quilômetros do projeto original pensado pelo GEIPOT de estabelecer uma ligação rápida entre Porto Alegre e Novo Hamburgo, 38 anos antes.