Cúpulas nacionais dos partidos trabalham em um plano para unir as siglas e jogam para os municípios as implicações — e complicações — de solucionar os impasses locais
O PSD está a um passo de ‘incorporar’ o PSDB.
Incorporar, explico, porque não seria um processo de fusão nem de extinção. O conceito, novo no vocabulário político por aqui, está definido na Lei Federal 9.096, de 1995, a chamada Lei dos Partidos Políticos, e em resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Acontece quando um partido aceita ser absorvido pelo outro, não implicando em grandes alterações programáticas no estatuto original do incorporador, encurtando o caminho para o registro definitivo na Justiça Eleitoral.
O plano vem sendo discutido a partir de São Paulo, onde o presidente do PSD, Gilberto Kassab, dá as cartas, joga de mão e bate pifado. Eduardo Leite, governador gaúcho e um dos caciques nacionais do tucanato, já teria concordado com o plano, embora não tenha se manifestado sobre isso publicamente. Em Minas, Aécio Neves, outro figurão do PSDB, já deu seu amém.
O caminho da incorporação também parece facilitado pela ausência de lideranças tucanas capazes de mobilizar o partido em nome da sua própria sobrevivência. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está com 93 anos e não é visto como um homem disposto a tal intento; José Serra, ex-senador, perdeu força ao não conseguir o mandato de deputado federal em 2022; e Geraldo Alkmin, o último a concorrer à presidência da República pelo PSDB, nem tucano é mais.
Com a avenida aberta, nada para a incorporação
Leite em 2026
O plano da incorporação coloca Eduardo Leite diretamente na sucessão presidencial de 2026. No PSDB ele até poderia ser candidato, mas provavelmente não passaria de coadjuvante. No novo PSD, o jogo cresce. Leite pode estar na eleição, como deseja, e Kassab pode percorrer os corredores da política com um novo viável um partido nacional de densidade eleitoral que o cacifa.
Tendência, no entanto, é que o PSD se torne uma espécie de fiel da balança entre os herdeiros do Bolsonarismo, capitaneados principalmente pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e a esquerda — que ainda tem em Lula o nome forte para a própria sucessão. O viés de Kassab, sem medo de errar, é estar com Tarcísio caso ele tenha a bênção de Bolsonaro para disputar a presidência da República e, para isso, pode oferecer Eduardo Leite de vice como dote deste casamento conveniente que promete unir, num mesmo palanque, a antes impensável dupla Jairo Jorge e Airton Souza.
A política na Aldeia
A incorporação do PSDB pelo PSD vai dar a Jairo Jorge um ‘partidão’ em Canoas, especialmente se Eduardo Leite liderar o novo PSD no Estado após este processo. Leite e JJ tem suas diferenças, mas dificilmente o governador tiraria do ex-prefeito a primazia de comandar o partido na cidade em que foi eleito prefeito por três vezes e só perdeu a última eleição por conta da crise dos afastamentos e a descomunal tragédia da enchente de 2024.
Aos atuais 4 vereadores do PSD na Câmara, o partido teria o acréscimo dos 2 eleitos pelo PSDB, José Carlos Patrício e Aloísio Bamberg, confirmando a maior bancada canoense com quase um terço do parlamento. Precisariam apenas de mais um voto para, por exemplo, abrir CPIs ou impedir a aprovação de medidas com exigência de maioria qualificada, como os projetos de codificação tributária e as famosas contas de gestão, enviadas de tempos em tempos pelo Tribunal de Contas para apreciação dos vereadores.
O ‘moranguinho doce’ da incorporação, no entanto, termina por aí.
Patrício e Bamberg, por exemplo, já tem adiantadas conversas para composição da base do governo Airton — coisa que o atual PSD comandado por aliados de JJ não tolera. Tanto que dia sim e outro também ameaçam de expulsão o vereador Giovani Rocha, do PSD, que mantém uma deliberada e nada escondida aproximação com o governo.
Não dá para desconsiderar, neste cenário, a eleição de 2026, quando Jairo deve disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa. O atual núcleo tucano aposta em ampliar a base de apoio na Região Metropolitana incentivando a candidatura de um dos vereadores — Patrício ou Bamberg — o que, certamente, colide com os planos do ex-prefeito.
Ninguém está proibido de compor, mas dadas as coisas como estão, a incorporação vai exigir um ‘desatador de nós’ para construir relações mais duradouras neste novo PSD que está para subir.
E a janela?
Uma saída para questão talvez seja a abertura de uma janela extraordinária para troca de partido, caso haja entendimento da Justiça Eleitoral que a incorporação enseja uma justa causa para tanto. No entanto, não há uma determinação para a abertura automática da janela: ela terá de ser requerida ao Tribunal Superior Eleitoral quando do registro da incorporação.
Caso não haja janela, mesmo que um vereador discorde da incorporação, terá de seguí-la até março de 2028, quando a janela habitual de trocas partidárias for aberta. Antes disse, quem sair perde o mandato.
Pelo que o blog apurou, tanto as direções do PSDB quanto do PSD concordam com a janela extraordinária. O calendário, para isso, porém, é apertado. Quando o acordo para incorporação estiver concluído, o que só deve acontecer em meados de julho, todos os diretórios de ambos os partidos devem ser comunicados oficialmente e aberto um prazo para contestação interna. O pedido de incorporação, uma vez aprovado sem resistência pelos diretórios nacionais, seria levado ao TSE em setembro e analisado em um período não inferior a 30 dias. É a partir daí que, então, abriria a janela extraordinária, se houver.
Caso o TSE entenda que a incorporação não configura justa causa para troca de partido, restaria aos incomodados o caminho da Justiça Eleitoral — imprevisível como a chuva ou o calorão deste interminável verão gaúcho.
No ‘frigir dos ovos’, a incorporação resolve a vida de Kassab, dá um caminho para Eduardo Leite estar na sucessão de Lula e cria um super PSD nacional, mas deixa Canoas com pepinos políticos a resolver.
Veremos.