BLOG DO RODRIGO BECKER

CANOAS | Os livros me trouxeram até aqui

Imagem: Arquivo Pessoal/Rodrigo Becker

Não sei você, caro leitor, mas feiras do livro sempre me comovem.

Tinha uns 11 anos quando decidi, peremptoriamente, que seria jornalista. A convicção inabalável dessa decisão me trouxe até aqui desprezando uma infinidade de ofícios que a teimosia me obrigou a deixar de lado. O Inter certamente perdeu meu talento para a ponta-esquerda, mas não me arrependo; cheguei até aqui e foram os livros que me trouxeram.

Em 1992 conheci um cidadão que era a cara do porto-alegrense pós anos 80. Do Bom Fim. Da UFRGS. Do mundo. Ouvia rock, usava jeans, tênis e camiseta como se pouco ligasse para a moda, mas um detalhe da indumentária o denunciava: o cadarço do All-Star sempre combinava com a cor da camiseta; às vezes, o tênis inteiro. Era um cara do seu tempo. E muito inteligente. Sempre o via no Brique da Redenção, aos domingos. Euclides, o nome dele. Estava sempre com um livro na mão. Sempre. E sempre um livro surradinho, desses que se troca em Sebo, folheado por muitas mãos.

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Num domingo qualquer, nem lembro mais porque chegamos no assunto, o Euclides me disse que lia 50 livros por ano e descansava os olhos nas férias. Gelei. 50! Eu, nessa época, provavelmente fazia o contrário: descansava o ano para só ler nas férias. De cabeça, lembrei de cinco que havia lido e fiquei até com vergonha. O cara lia muito. Eu, nada. Senti que fui encolhendo.

Quando cheguei em casa, percebi que 50 livros por ano não era, na verdade, nenhum excesso. Dava um livro por semana e ainda sobravam duas semanas para o tal descanso dos olhos. Dava para encarar. Minha mente de guri logo me sugeriu o atalho de começar pelos livros mais finos da biblioteca da escola – a Prudente de Morais, ali no bairro Chácara das Pedras. Em casa, não tínhamos muitos livros, na época. O hábito teria de ser trazido de fora.

Comecei com um livro do Luis Fernando Verissimo chamado Pai Não Entende Nada e não poderia ter sido melhor escolha. Divertido, fácil, engraçado, inteligente. Não parei mais. Nos primeiros anos, anotava em um caderno o nome e o autor de cada livro. Para ganhar tempo, emendava um no outro – mas também deixei uns e outros enraizando na prateleira. Às vezes, não gostava do texto e, mesmo assim, insistia. Abandonar um livro no meio deveria ser uma espécie de crime tipificado, sei lá, parecia errado. Alguns se arrastaram por mais de semana e, naquele primeiro ano, o 1992, cheguei a dezembro com 29 leituras concluídas com sucesso.

Dali para frente, todos os anos, bati a meta dos 50 – algumas vezes, até com folga. Em 2005, quando minha primeira filha nasceu, parei de anotar e larguei mão da meta. Já admitia a existência de leituras chatas e me sentia seguro de abandoná-las a qualquer tempo sem amargura ou remorso. Me fiz jornalista de ofício lendo e contaminei a casa toda com isso. Meus pais começaram a ler mais, também, e percebo que tenho parcela de responsabilidade nisso. Minha mãe tem, hoje, aos 71 anos, uma prateleira de livros maior do que a minha. Meu pai, até falecer em 2017, mergulhava nas histórias que lhe caíam nas mãos na velocidade de quem aproveita cada linha e cada lufada de imaginação que leitura desperta. O livro preferido dele, disse por muitos anos, era Pappilon, de Henri Charrière.

Livros me trazem boas lembranças. Como as das inconfundíveis anotações de margem do seu Roberto Gomes de Gomes, um ‘emprestador’ de livros generoso e contumaz. Foi ele que me apresentou obras fundamentais do Novo Jornalismo, como Fama e Anonimato e A Sangue Frio, que comprei e li mais de uma vez, depois. Inspiraram dezenas de reportagens, depois. Inclusive séries premiadas no antigo Correio de Gravataí, fundado pelo seu Roberto lá em 1983 e hoje pertencente ao Grupo Sinos do Diário de Canoas.

A poucos dias da abertura da 38ª Feira do Livro de Canoas, não compartilho essas histórias por um pedido de reconhecimento – 50 livros por ano, afinal, não chega a ser um grande feito. Imagino que conto isso por nostalgia. Livros são parte do que construí da vida.

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